2024-10-27

 

 




 Pela primeira vez a tropa

 

Um problema bicudo

 

Antunes Ferreira

Pela madrugada, Jacinto acordou, estremunhado, com o som estridente duma corneta – depois saberia que se tratava de um cornetim, enquanto lhe berravam aos ouvidos. «Levantar, levantar, levantar!!!» e o abanavam violentamente. «Mas que raio???» Ao seu lado um resmungo: «Sacanas!!!». Só então se apercebeu que estava deitado com outros três marmanjos em cima de palhas, numa barraca que momentos após saberia que em linguagem militar era de «três panos»! Estava-se em 1962, um ano depois de ter começado a guerra em Angola.

 


Era o despertar para um exercício nocturno (diziam eles, os mandões), aliás o primeiro entre os muitos que se sucederiam para mal de quê? Dos seus pecados? – perguntava-se Jacinto enquanto atabalhoadamente ia calçando as botas sem polainitos??? também saberia o que eram e para que serviam… e já de pé formava a duas colunas com o Guedes à sua frente e o Martins atrás (salvo seja).

 

Foi então que o alferes que comandava o pelotão mandou: «Firme! Sentido! Armas na bandoleira, terno de garupa, em frente, marche, acelerado!!!» Madrugada fora, de princípio a trote (mas sem cavalo) passando a galope continuado a pé que Jacinto se deu conta de que se encontrava metido num saralho do carilho (modo de falar tipicamente militar que começava a aprender naquela malfadada hora entre a lua que se apaga e o sol que se acende).

 

Pelas cinco da madrugada votaram, esfalfadíssimos, a tempo de satisfazer as necessidades, fazer a barba e ao toque do clarim avançar para o pequeno-almoço: um quarto d pão casqueiro, barrado com margarina, e no copo de alumínio uma mistela que dizia o soldado que a distribuía tirada dum caldeirão. E, ala que se fez tarde, de novo o clarim, uma sessão de GAM – a que o sargento instrutor chamou ginástica de aplicação militar.

 

Sempre com a mesma farpela uma espécie de fato macaco de tecido zuarte que em pouco tempo a malta cognominou «fato de suar». Entrou-se na rotina: de manhã GAM, almoço, de tarde instrução de armas. Jacinto aprendeu – a tropa ensina tudo. Tinha-lhe calhado a arma de cavalaria, mas, como atrás já disse, sem qualquer réstia equestre a não ser um conjunto de correias aplicáveis outrora aos corcéis : o terno de garupa.


 

Conjunto que desde a fatídica madrugada Jacinto passou a usar todos os dias, excepto aos fins-de-semana quando estes não lhe eram cordos porque tina as botas mal engraxadas ou um botão mal pregado na farda de saída.

 

Mas, não ficaria por aqui se não referisse a primeira experiência gastronómica que o nosso soldado-cadete experimentou. Foi ao jantar da primeira noite; dê-se alguma ordem nesta salgalhada militar. Logo no pequeno-almoço as coisas deram um tanto para o torto:  Um café (?) com leite (?) e um quarto de pão casqueiro com um cheiro de margarina. Depois o almoço: carne de vaca – por certo reformada – com cimento, aliás, puré de batata.

 

Entre este menu e o jantar decorrera a instrução de armamento, uma trapalhada, montar e desmontar diversos tipos de armas individuais desde as espingardas Mauser (alemã, do tempo da II Guerra Mundial) até às então novas FN (automáticas, belgas), pistolas-metralhadoras FBP (de fabrico português) e Uzi (produzidas em Israel) pistolas Walther e Parabellum (ambas alemãs).

 

Enfim chegou a hora da janta à luz (?) de Petromax – bacalhau com batatas e grão, supostamente com azeite (óleo) e um ovo cozido para quatro marmanjos/soldados-cadetes. No meio do desalento, a malta ainda tece o desplante de tentar jogar ao berlinde com os grãos, que parecia que nem tinham sido cozidos. O problema, entre gargalhadas, era que os ditos tinham bicos…


2024-09-15

 



O poder de uma expressão

Uma fatia de piça

 

Antunes Ferreira

A actual campanha eleitoral para a presidência dos EUA, em que concorrem Donald Trump e Kamala Harris, fez-me recordar a de 1988 que reportei para o «Diário de Notícias». Fora convidado pela  Fundação Luso-Americana - Para o Desenvolvimento e fazia parte de um grupo de jornalistas, políticos, «opinion makers» e outros.

 

Reunimo-nos em Washington, onde um oficial do Departamento do Estado, Mr. David White, um jovem negro, nos esclareceu das «regras» pelas quais nos íamos pautar e sublinhou que nos seriam distribuídos uma espécie de travel checks os quais utilizaríamos quando o alojamento e a alimentação não os seriam fornecidos pela organização – regra normal.


 

Para que nos conhecemos melhor – ou seja para que realmente nos começássemos a conhecer – ficou decidido que o grupo fosse «comer qualquer coisa» e tomar umas bebidas num restaurante-bar próximo. Que, por acaso, era italiano. Abancámos e como os dólares não abundavam mandámos vir umas cervejas e umas pizzas. E aqui começa a estória que ficou para sempre durante a volt que demos pelos Estados Unidos.

 

Do nosso grupo fazia parte, em representação da agência Nova China (Xinhua) um jovem jornalista de seu nome Li Peng Xi, que era a primeira vez que saía para o estrangeiro. Pasme-se: nunca tinha visto uma pizza; recorde-se: estávamos em 1988. Li provou e gostou e tirou mais uma fatia. E perguntou o que era aquilo tão saboroso. Já não sei quem disse-lhe que era uma pizza. E o filho do Celeste Império, com um grande sorriso na face repetiu: piça…

 

Não me pude conter e soltei uma gargalhada. À volta a malta ficou admirada. Porquê o gozo? E o bom do jovem chinês repetia mais uma fatia, lambendo os beiços e afirmando: Piça very good!!! Tive de explicar (com alguma dificuldade…) o significado no calão lusitano o termo piça. Penso até que alguns do grupo não entenderam. Pelo menos o Li Peng Xi não.

 

O certo é que até ao final do programa, de Chicago a Milwaukee o grupo adotou a piça!        

 

2024-08-18

 

 De homofobias – nem pensar

Costas com costas

 


Antunes Ferreira

Se há temas de que me podem acusar a homofobia não é um deles. Sempre defendi, defendo e defenderei o direito que os seres humanos têm para com o seu corpo, o que fazem dele e com ele, incluindo a morte assistida – a eutanásia que tanta celeuma tem vindo a levantar, mas que a lei portuguesa já contempla…. Entre eles, uma questão que ao longo dos milénios tem sido escamotada, varrida para baixo do tapete: a homossexualidade. Alto lá entramos por um ninho de vespas cujas picadas podem ser, e muitas vezes são, mortais.

 

Não adianta puxar para este escrito teorias mais ou menos exotéricas pois as coisas são o que são e não como deviam ser. Simplesmente registo as  orgias romanas, onde imperava a promiscuidade ou a ilha de Lesbos onde só viviam e, portanto, reinavam mulheres; daí o lesbianismo. Mas, mais recentemente ou seja nos séculos XIX/XX  surge a moral vitoriana é um extrato da moral das pessoas que viveram na época do reinado da



 rainha Vitória do Reino Unido (1837 – 1901) e do clima moral do mesmo Reino Unido ao longo do século XIX em geral que contrastava em grande parte com a moralidade da era georgiana que a antecedeu. A moral vitoriana pode descrever qualquer conjunto de valores que englobe restrição sexual, pouca tolerância para o crime e um código social de conduta pública rigoroso. Devido à proeminência do Império Britânico, muitos destes valores espalharam-se por todo o mundo.

 

É dever do escrevinhador exarar aqui e agora uma estória que lhe foi contada pelo celebrado jornalista Bob Woodward (que juntamente com Carl Bernstein, lançou os Watergate papers que levaria ao impeachment  do presidente Nixon). Pela sua brevidade e interesse – pelo menos para mim… – ela aqui fica:

 


O Chefe do Estado-Maior do Exército norte-americano, general Fred N. Murray entrou pelo gabinete do Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas dos EUA, general John W. Silver com um papel oficial na mão e disse-lhe que vinha apresentar a sua demissão. Silver convidou-o a sentar-se, tomar um Bourbon e rasgar o papel. «Nem penses nisso! A minha decisão está tomada, não volta atrás!»

 

«Meu caro Fred, pelo menos explica-me o motivo para tão drástica decisão…» E o general Murray: «Quando nós entrámos em West Point eles eram PROIBIDOS; agora SÃO TOLERADOS; vou-me embora, antes que sejam OBRIGATÓRIOS!!!!!!»

 

E para finalizar esta tão complicada tarefa aqui deixo uma estorieta sem outra finalidade (sem ofender ninguém…) do que dispor bem para uma nova semana.

 

O que diz o Zequinha ao Chiquinho quando estão ambos na cama? «Oh. meu querido desculpa estar de costas…»     

 

 

2024-07-28


 

Entrevista explicativa

 

Antunes Ferreira

Tudo te o seu início e também o seu fim – uma verdade bem própria do Monsieur de La Palice – que não é para aqui chamado, apenas citado para enquadrar a estória que adiante conto. Isto porque, por força da sua aparente «independência» perante Moscovo,  o ditador romeno Nicolae Ceauşescu andava nas bocas do mundo. E como tal, meteu-se-me na cachola ir a Bucareste para o entrevistar. E assim aconteceu.

Fomos até lá, a Raquel (gozando do bilhete grátis como funcionária da TAP) e eu; e como o autor destas linhas era um «tipo importante» pois ia entrevistar o camarada presidente, a estadia era uma oferta do Estado Romeno. Enquanto esperávamos pela data da entrevista fomos dar uma volta pelo país. E foi durante ela que sucedeu o episódio que se segue com alguma piada – penso eu…

 

Noite de núpcias

 

Deixem-me que vos explique que a estória  decorreu na Roménia dos tempos do camarada Ceauşescu. Sendo um povo (a antiga Dacia, daí o nome dos automóveis) que foi invadido e colonizado pelos Romanos, o país tem uma língua novilatina, aliás em muitos casos bem  parecidos com a nossa – até no humor.

Eles também têm o seu Zé Povinho, não «atiradiço» como este: possuem o Bula, um Zé naif, ingénuo, um tanto burro; o termo joga com pula (que em calão obviamente romeno é o órgão masculino). Sobre o pobre e triste «herói» da estória, resta acrescentar que ela me foi contada pelo camarada Florica Ceauşescu, irmão do manda-chuva, por este colocado como redactor «agrícola» no «Scînteia», o diário do Partido Comunista. Nepotismo?



Abreviando. O bom do Bula casou com uma tal Elena
 Martinescu, virgem (pelo menos argumentava ela) de família 
moderadamente  marxista-leninista, mas de fracas posses. Com a habitual falta de
habitação – mas onde é que eu já li, vi e ouvi isto? – foram viver
para  o apartamento dos pais do noivo. Até aqui, tudo bem. 
A seguir é que foram elas. Uma porra: aqui é que a
porca torce o rabo!(em romeno mais ou menos
corrente: rahat: porcul isi rasuceste 
coada!)
Na manhã seguinte à primeira noite de núpcias, 
o pai do Bula deu com a nova nora pior do que estragada a fazer 
a mala. «Minha  querida Elena, o que se passa? Correu alguma coisa mal?
??» E ela, furibunda, nem sequer tomando o pequeno-
almoço: « Socrul meu (Meu sogro) não venha fo..., ups, lixar os 
cornos, correu TUDO MAL!!! O seu filho é uma besta, um incapaz, 
mal sabia eu com quem me casaria! Vou já voltar para a casa dos meus
pais!!!»
O pai do recem-casado tentou deitar água na 
fervura: «Mas, draga mea fiică (minha querida filha)
diz-me o que aconteceu?» E ela, soluçando: «O Bula, deitou-se 
ao meu lado, deu-me um casto beijo na testa, desejou-me boas noites e 
até amanhã, virou-se para o lado e sem mais aquelas começou a ressonar
em dó menor – que até  metia dó!»
O sogro empalideceu e tentou apaziguar a Elena 
(ainda que sem recorrer a truques trumpídios) dizendo-lhe que ia 
imediatamente falar com o filho e explicar-lhe o que devia fazer; que tudo não 
não passara de um mal-entendido e que, estivesse 
ela descansada que tudo acabaria em bem. Um tanto 
desconfiadaesconfiada Elena acedeu - mas se as 
coisas dessem para o torto, ala que se faz tarde!


O apartamento tinha uma varanda que dava para a 
praça pública. O pai chamou o Bula para a balaústra e mostrou-lhe
lá em baixo, junto ao coreto, um cão e uma cadela (un câine și o cățea) 
dando uma realíssima pinocada. «Estás a ver, meu filho, é isso que 
tens de fazer para que a Elena e tu próprio fiquem felizes! Entendeste
 agora?»  O ingénuo descendente: «Percebi perfeitamente e agora
 já sei o que tenho de fazer!»
Nova noite e nova manhã e nova cara de felicidade da Elena. 
E o sogro: «Desta vez, pelo teu sorriso, vejo que correu tudo bem...» 
E ela, sem pejo nem rebuço: «Muitíssimo bem!!! O único
senão foi termos ido para a praça pública...» 
 
 

 

2024-06-08

 



 


Pardais muito atiradiços

Estória de tomates

 

Antunes Ferreira

Curioso, há termos e temas que podem suscitar alguma celeuma, pelo seu significado, pela sua semântica, pela sua duplicidade, até mesmo pela má intenção com que uma palavra é utilizada. Corriqueiras são as calinas afirmações de que a pescada (peixe, substantivo) também é pescada (verbo) ou o vestido (vestuário, substantivo) que igualmente é vestido (verbo). Mas, não foi isso que nos fez vir aqui; foi mais a utilização de um comestível na gíria do calão – os tomates. Passe-se à horticultura. O tomate é o fruto do tomateiro (Solanum lycopersicum;  Solanaceae). Da sua família, fazem também parte as beringelas, as pimentas e os pimentões, que integram a família das Solanáceas, além de algumas espécies não comestíveis. A palavra portuguesa tomate vem do castelhano tomate, derivada do náutle (língua asteca) tomatl. Esta apareceu pela primeira vez na imprensa em 1595. As espécies são originárias das Américas Central e do Sul; a sua utilização como alimentos teve origem no México, espalhando-se por todo o mundo depois da colonização das Américas pelos europeus.



 

Ora, como é sabido, tomates são em calão português corrente, mais ou menos soft, os testículos dos homens que se prestam a ditos sobejamente conhecidos e usados: «Aquele gajo tem um par de tomates!» que o mesmo é dizer que o cidadão em causa é destemido, é valente, é audaz, é etc. Pelo contrário, se um sujeito perante uma situação mais delicada, mais complexa ou até mais perigosa, se encolhe, diz-se que «o tipo não tem tomates para aquilo…» A estória que hoje se conta reporta-se ao fruto do tomateiro que pode ser comido cru, por exemplo em saladas, ou cozinhado em caçarola, frigideira, forno, etc., e/ou recheado de diversos condimentos. Um país onde o tomate é muito consumido é a Itália, onde é utilizado em diversas recitas seco e frito, como nas pizzas.

 

Posto isto, chega de blá, blá, blá, e vamos ao cerne da questão.  A cena decorre inicialmente numa aldeia com pretensões a vilória, mais precisamente numa rua transversal à principal, ponteada de vivendas com largos quintais onde os proprietários costumavam ter hortas, que os legumes, contrariamente ao que apregoavam os senhores do movo Governo, estavam pela hora da morte e umas couves, nabiças, feijões verdes, espinafres, cenouras, cebolas, alhos e… tomates eram sempre muito apreciados e mastigados sem grandes investimentos, apenas alguns cuidados. A pacatez da pequena localidade (com um letreiro afixado junto à tabuleta do nome dela «Dizemos não ao nuclear» iniciativa da Junta da Freguesia) reflectia-se no ram-ram das tardes soalheiras.



 

Acontece que a menina Etelvina Soares da Conceição, viúva de 54 anos, mas ainda dentro do prazo de validade, decidira plantar na sua horta tomateiros de coração de boi pois os frutos eram os da melhor qualidade. Mas, ó vida desengonçada, apenas os ditos tomates surdiam vermelhos que eram um regalo vinham os pardais e impiedosamente bicavam-nos, não escapando sequer um exemplar. Etelvina experimentou um espantalho feito de velhas roupas cruzadas, braços e pernas e uma bola de plástico como cabeça; desavergonhados as aves fizeram dele poleiro para tomarem balanço e atacar os tomates da viúva (honny soit qui mal y pense)!

 

Mas, fatal como o destino, na vivenda ao lado o vizinho era o vereador Manuel Sebastião Gonçalves, solteirão de 62 anos, que também tinha uma plantação de tomates que cresciam belos e gordos mais vermelhos do que os antigos comunistas e, espanto dos espantos, imunes aos ataques pardalícios. Podia lá ser! Etelvina da Conceição ao fim de três anos não se conteve e foi perguntar ao Sebastião qual o truque para salvar os tomates dele (os frutos, claro). «Minha cara vizinha, o caso é muito simples. Conhece a loja de ferragens do senhor Fernandes, aquele velhote simpático?» Não conhecia ela, mas não tinha problema.


«Eu fui lá e comprei uns tomates de chumbo iguais aos naturais. Antes dos verdadeiros crescerem boto lá os falsos, os pássaros atacam-nos, lixam os bicos, desistem e quando os verdadeiros estão prontos é só colhê-los. Olhe só: são de tão boa qualidade que a  Heinz já me tem comprado uma bela quantidade para produzir o ketchup!»

 

«O senhor Gonçalves acha que o Fernandes ainda terá os frutos chumbo-salvadores?» E o vizinho, deitando uma nesga dum olho apreciador para o decote etelvinesco: «Pode ter a certeza, é só lá ir e comprar uns quantos e ficam logo resolvidos os seus problemas tomateiros.» Meu dito, meu feito, Etelvina foi direitinha à loja; atrás do balcão estava sentado numa cadeira de palhinha o Jacinto Fernandes, proprietário da baiuca, com os seus 76 anos. Ao ver entrar a cliente, o velhote levantou-se, com bastante dificuldade. «O que deseja minha Senhora?»

 

E a Etelvina: «Ó senhor Fernandes, tem tomates de chumbo?» O tendeiro tossicou: «Saiba Vossa Excelência que é mais reumático…»

__________

 

NOTA DO AUTOR: A estória não é original – mas parece-me ter a sua piada…

2024-05-19

 


Operação em Santa Cruz

 

Um coração novo

 

 

Antunes Ferreira

Ao fim de quase meio ano de ausência desta nossa casa, estou (estive) aqui no domingo último _ o que hoje repito a passar estes (esses) momentos com a minha querida família – o que é uma enormíssima felicidade!!!! Foi – tem sigo – uma saga – “complicadíssima” que passou por cerca de 50 dias acamado no Hospital de Santa Maria, onde me colocaram um pacemaker e me tolheram quaisquer possibilidades de locomoção autómata. Dali segui (para onde deveria ter sido encaminhadas) – porque não podia continuar a ocupar uma cama, por elas estarem híper ocupadas, não haver válvulas, sendo necessário a sua importação, não existir anestesista disponível, etc.  – para as Residências Montepio (cerca da «módica» quantia de € 3. 598, 90 mensais) aguardando que me fosse marcada a intervenção de que já vos tinha dado conta no último texto publicado no meu blogue.

 

Andarilho

Entretanto aguardava se a operação se realizaria nos Hospitais de Santa Maria ou de Santa Cruz, o que resultou em quase cinco quatro meses durante os quais trabalhei em fisioterapia (a melhor coisa que há nas Residências) com o Fábio Pinheiro encarregado de me acompanhar; resultados: no primeiro dia senti-me enraivecido comigo próprio só conseguindo uns escassos movimentos no espaldar, depois comecei com um andarilho, uma bengala de três pés, uma bengala simples e finamente andar sozinho sempre acompanhado pelo Fábio. Falando livremente, é um «malandro» pachola; mas, no melhor pano cai a nódoa: é do Benfica. Diz o povo na sua eterna sabedoria – não se pode ter tudo… De resto, toda a equipa da fisioterapia, a Mafalda, a Rita, a Juliana (que eu «rebaptizei» de Tânia e a Vera = 5 estrelas.

 

Com o passar dos dias, semanas e meses fui adaptando-me ao novo modo de vida, tentando, como é meu feitio e hábito, dar-me bem com todo o pessoal que aqui trabalha: administrativos, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, auxiliares ocupacionais, orientadores, dietistas, pessoal das cozinhas, serventes e outros. Bom senso, boa educação, sensibilidade, noção extrema da igualdade, tudo incutido pelos meus pais, pela escola primária (quão grato lhes fiquei!) e pela escola da vida, conjugadas com a vivência universitária resultaram no «produto» em vias de extinção… mas dentro do prazo de validade. Aqui tenho de sublinhar a minha mesa no refeitório, que considero a melhor do «mundo gastronómico» e que é constituída pelos srs. Carlos Leal, 98 anos, António Lagoa, 92 anos, Joaquim Mourão, tal como eu, 82 anos. Entre anedota (sou o principal fornecedor sem IVA) comentários, apartes bem-dispostos é um fartote. Mais do que uma seita somos um gangue gargalhante.

Hospital de Santa Cruz - Bloco operatório

 Finalmente na segunda-feira, 30 de Março fui operado no Magnifico Hospital de Santa Cruz onde nem sequer fui anestesiado, apenas sedado; a válvula foi colocada por cateter – doeu-me um bocado, mas aguentei-me. A anestesista ia-me animando com a sua cabeça encostada à minha.  A intervenção correu tão bem que o cateter foi-me retirado logo após ter sido terminada a cirurgia – o que não parece ser habitual pois o normal é sê-lo passados dois ou três dias. Resumindo: estive internado em Santa Cruz UM DIA E MEIO!!!!

Residências Montepio Entrecampos

 Uma nota obrigatória para as Residências Montepio, obviamente uma instituição destinada ao apoio e tratamento sobretudo a pessoas da terceira idade, mas em última análise uma máquina de fazer dinheiro! Naturalmente que são um negócio e como todos eles destinam-se a obter lucros. Mas – para mim, talvez demasiado sensível – os utentes são indivíduos diminuídos, alguns com graves deficiências, babando-se, adormecendo nas adeiras de rodas, tendo de ser alimentados pelas/os assistentes/auxiliares, etc. o que já de si portador (controlado felizmente) de bipolar é extremamente deprimente.

 Porém, como  em tudo o resto da vida há o «bom» e o «menos bom» para não sublinhar o «mau»; os dias que vão correndo não se podem, nem devem, dividir-se entre o branco e preto; tal dicotomia não existe e se a queremos adoptar cometemos um erro crasso. No entanto, sem menosprezo para quantos nas Residências trabalham, sinto-me apto a referir a enfermeira Andreia Ferreira, uma profissional de mão cheia, que se tornou minha amiga e até tem o nome duma «namoradinha, paixão» quando eu tinha 14 aninhos bem como o auxiliar António Correia, meu cúmplice e companheiro nas saídas para consultas e exames no exterior e, sobretudo, um compincha a verde e branco, ou seja, um Leão não da Estrela, mas das Residências Montepio Entrecampos. E para terminar pelo começo tenho de apontar a equipa capilo-unhal constituída pela Manuela (que nunca me quis fazer madeixas…) e a Noélia (que trata dos meus cascos).

 Como fui católico, mas curei-me, in fine, ite, missa est. Ámen. 


NR Este texto pode sair repetido por mor das diabruras do Blogger!!!!! Se assim for, aqui ficam as desculpas do autor.  

 

 Es


2024-04-21

 


Operação em Santa Cruz

 

Um coração novo

 

 

Antunes Ferreira

Ao fim de quase meio ano de ausência desta nossa casa, estou (estive) aqui no domingo último _ o que hoje repito a passar estes (esses) momentos com a minha querida família – o que é uma enormíssima felicidade!!!! Foi – tem sigo – uma saga – “complicadíssima” que passou por cerca de 50 dias acamado no Hospital de Santa Maria, onde me colocaram um pacemaker e me tolheram quaisquer possibilidades de locomoção autómata. Dali segui (para onde deveria ter sido encaminhadas) – porque não podia continuar a ocupar uma cama, por elas estarem híper ocupadas, não haver válvulas, sendo necessário a sua importação, não existir anestesista disponível, etc.  – para as Residências Montepio (cerca da «módica» quantia de € 3. 598, 90 mensais) aguardando que me fosse marcada a intervenção de que já vos tinha dado conta no último texto publicado no meu blogue.

 

Andarilho

Entretanto aguardava se a operação se realizaria nos Hospitais de Santa Maria ou de Santa Cruz, o que resultou em quase cinco quatro meses durante os quais trabalhei em fisioterapia (a melhor coisa que há nas Residências) com o Fábio Pinheiro encarregado de me acompanhar; resultados: no primeiro dia senti-me enraivecido comigo próprio só conseguindo uns escassos movimentos no espaldar, depois comecei com um andarilho, uma bengala de três pés, uma bengala simples e finamente andar sozinho sempre acompanhado pelo Fábio. Falando livremente, é um «malandro» pachola; mas, no melhor pano cai a nódoa: é do Benfica. Diz o povo na sua eterna sabedoria – não se pode ter tudo… De resto, toda a equipa da fisioterapia, a Mafalda, a Rita, a Juliana (que eu «rebaptizei» de Tânia e a Vera = 5 estrelas.

 

Com o passar dos dias, semanas e meses fui adaptando-me ao novo modo de vida, tentando, como é meu feitio e hábito, dar-me bem com todo o pessoal que aqui trabalha: administrativos, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, auxiliares ocupacionais, orientadores, dietistas, pessoal das cozinhas, serventes e outros. Bom senso, boa educação, sensibilidade, noção extrema da igualdade, tudo incutido pelos meus pais, pela escola primária (quão grato lhes fiquei!) e pela escola da vida, conjugadas com a vivência universitária resultaram no «produto» em vias de extinção… mas dentro do prazo de validade. Aqui tenho de sublinhar a minha mesa no refeitório, que considero a melhor do «mundo gastronómico» e que é constituída pelos srs. Carlos Leal, 98 anos, António Lagoa, 92 anos, Joaquim Mourão, tal como eu, 82 anos. Entre anedota (sou o principal fornecedor sem IVA) comentários, apartes bem-dispostos é um fartote. Mais do que uma seita somos um gangue gargalhante.

Hospital de Santa Cruz - Bloco operatório

 Finalmente na segunda-feira, 30 de Março fui operado no Magnifico Hospital de Santa Cruz onde nem sequer fui anestesiado, apenas sedado; a válvula foi colocada por cateter – doeu-me um bocado, mas aguentei-me. A anestesista ia-me animando com a sua cabeça encostada à minha.  A intervenção correu tão bem que o cateter foi-me retirado logo após ter sido terminada a cirurgia – o que não parece ser habitual pois o normal é sê-lo passados dois ou três dias. Resumindo: estive internado em Santa Cruz UM DIA E MEIO!!!!

Residências Montepio Entrecampos

 Uma nota obrigatória para as Residências Montepio, obviamente uma instituição destinada ao apoio e tratamento sobretudo a pessoas da terceira idade, mas em última análise uma máquina de fazer dinheiro! Naturalmente que são um negócio e como todos eles destinam-se a obter lucros. Mas – para mim, talvez demasiado sensível – os utentes são indivíduos diminuídos, alguns com graves deficiências, babando-se, adormecendo nas adeiras de rodas, tendo de ser alimentados pelas/os assistentes/auxiliares, etc. o que já de si portador (controlado felizmente) de bipolar é extremamente deprimente.

 Porém, como  em tudo o resto da vida há o «bom» e o «menos bom» para não sublinhar o «mau»; os dias que vão correndo não se podem, nem devem, dividir-se entre o branco e preto; tal dicotomia não existe e se a queremos adoptar cometemos um erro crasso. No entanto, sem menosprezo para quantos nas Residências trabalham, sinto-me apto a referir a enfermeira Andreia Ferreira, uma profissional de mão cheia, que se tornou minha amiga e até tem o nome duma «namoradinha, paixão» quando eu tinha 14 aninhos bem como o auxiliar António Correia, meu cúmplice e companheiro nas saídas para consultas e exames no exterior e, sobretudo, um compincha a verde e branco, ou seja, um Leão não da Estrela, mas das Residências Montepio Entrecampos. E para terminar pelo começo tenho de apontar a equipa capilo-unhal constituída pela Manuela (que nunca me quis fazer madeixas…) e a Noélia (que trata dos meus cascos).

 Como fui católico, mas curei-me, in fine, ite, missa est. Ámen.