É DIFICIL VIVER COM UM IRMÃO MONGOLÓIDE - 12
Entre
dois dias:
um
louco amor
e
um suicídio
Antunes Ferreira
Estiquei o braço, agarrei o auscultador, acabou a maldita
campainha “Está lá?” Era o
Pinguinhas, o telefonista do regimento: “Boa
tarde meu alferes…” E eu, ainda meio estremunhado “Alferes? Estás bêbado a estas horas?!” Do outro lado da linha: “Estou mais do fino, tenho de lhe dar os meus
parabéns saiu hoje à Ordem a sua promoção, quando voltar da licença tem de
molhar os novos galões…” E disparou uma gargalhada tonitruante. “Ouve lá ó meu sacana telefonas-me,
interrompendo-me um sonho cor-de-rosa só para me dar essa novidade?!!! Quando
eu regressar vamos ajustar contas!!!...”
Consegui ouvir o gajo engolir em seco, depois: “Não senhor meu alferes, o nosso comandante
quer falar consigo vou passá-lo já, mas informo-o já de que são três e meia da
tarde.” E fez a ligação. Ouvi então a voz do coronel Marques Fialho: “Armando, muito boa tarde, desculpe estar a
chateá-lo logo ao terceiro dia de férias. Não quero dar-lhe os parabéns pela
promoção, aliás inteiramente merecida, mas o malandro do Pinguinhas já o deve
ter posto ao corrente dela. Venha pedir-lhe que logo que possa passe aqui pelo
quartel porque eu tenho uma coisa para lhe comunicar e não é assunto para
telefone. Logo que possa…”
Obviamente que lhe respondi que estava de acordo mas como me
encontrava em Colares ainda ia demorar uma hora até à Amadora e tentaria que
até fosse menos, ao que ele me respondeu que não me lançasse à maluca não fosse
o diabo tecê-las e o caso podia esperar. A Maria Rita também tinha acordado com
a maldita campainha do telefone. Estávamos os dois estendidos nus na cama de
casal dos meus pais no meio dos lençóis enrodilhados por uma noite em claro num
louco combate de um louco amor sem fim. Pela primeira vez isso tinha acontecido
em tais preparos. Antes só mais ou menos escondidos.
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Era linda bem feita, com tudo no sítio |
Já durante a viagem nos íamos provocando na brincadeira sobre o
“programa dos festejos” o que levou que mal chegámos foi só fechar à chave a porta
de entrada da vivenda e subir de escantilhão a escada que dava acesso ao
primeiro andar e ao entramos no quarto de cama a Maria Rita começou a despir-me
e soltou uma gargalhada maliciosa ao ver que quase não conseguia tirar-me os
boxers de tal maneira eu tinha uma erecção. Depois fui eu quem a despiu e era
linda nunca a tinha visto peladinha toda ela era bem feita com tudo no sítio.
Foi ela que puxou a colcha e os cobertores e o lençol de cima e já
enlaçados caímos sobre a cama e começámos a beijar-nos com a Maria Rita
partindo à descoberta das minudências do meu corpo parando aqui e ali e foi
descendo até quedar-se junto aos meus cabelos púbicos e segurando o meu
instrumento perguntou-me. ”Amor queres
que lhe dê uns beijinhos?” Óbvio que lhe respondi que sim e ela começou a
fazê-lo até que o engoliu e eu de cabeça perdida arfava enquanto ela ia
chupando.
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Que eu ainda sou virgem... |
Em seguida as posições inverteram-se e fui eu quem percorreu o
corpo dela até chegar ao triângulo peludo e tendo-lhe aberto as pernas comecei
a beijá-la ali o que a levou a arquear-se enquanto gemia de prazer e de repente
voltando acima disse-me ao ouvido. “Meu
querido faz-me um filho!...” E quando me preparava para penetrá-la ela
sussurrou-me “Cuidado amor vai devagarinho que eu ainda sou virgem…”
Mas depois do primeiro embate e do desfloramento foi ela que começou: “ai que bom, agora mais depressa, agora mais
depressaaa…” até que atingimos o orgasmo simultâneamente. O resto - não é
preciso dizer mais apenas citar Camões “mais vale experimentá-lo que julgá-lo, mas
julgue-o quem não pode experimentá-lo…”
Cansados mas satisfeitos ficámos um ao lado do outro a Maria Rita
chegou-se mais ao pé de mim encostou-se ao meu peito e começou a brincar com os
meus pelos do peito e foi então que eu não me contive e perguntei-lhe pois se
ela fizeram tudo tão bem feito onde é que aprendera e estive quase juntar e com
quem? Ela entendeu perfeitamente e respondeu-me de mansinho: “Estás ciumento? Desconfias de mim?” E
quando eu tentava balbuciar uma negativa ela continuou: “A minha prima Julinha foi como marido a Bordéus ver “O último tango em
Paris” que aqui foi proibido como sabes. À volta trouxe-me três bobines de
filmes pornográficos… ...Depois vamos vê-los juntos…Estás satisfeito?” Estava.
Daí a uma hora pouco mais ou menos parávamos no Regimento. Deixei
a minha querida na messe de oficiais e dirigi-me ao gabinete do comandante.
Para meu espanto já ali se encontravam o tio Miguel e o Frederico. Tinha
passado mais dois anos e ele já completara
os catorze mas aparentava mais. Depois dos cumprimentos o coronel Mesquita
Fialho mandou o ordenança buscar umas bebidas e informou-me o que já dissera ao
meu tio e ao meu irmão: o meu pai na manhã desse dia tinha-se suicidado.
Caiu-me a alma aos pés, ainda que não saiba muito bem onde está a
alma. Dizia um médico operador nos princípios do século XX “nunca encontrei a alma na
ponta do meu bisturi”. E o meu comandante explicou que no lar quando
tinham ido levar o pequeno-almoço ao meu pai deram com ele com a cabeça
esfacelada e com a pistola Parabellum ainda agarrada na mão caída. Naturalmente
tinham chamado o médico em permanência mas fora uma simples formalidade, já não
havia nada a fazer. Aguardavam a minha vinda para comunicar o facto à minha mãe
e tratar dos preparativos para o funeral. Além disso, o médico dispensara a
autópsia de tal modo era evidente o motivo do falecimento. E logo passara a
certidão de óbito.
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Porquê? Estranho? |
No momento a minha maior preocupação era o Frederico que parecia
um tanto absorto, semelhava estar ausente, não se encontrar ali. Perguntei-lhe
se queria vir connosco, comigo e com a Maria Rita informar a mãe ao que ele
pareceu regressar a este mundo e concordou. Por isso metemo-nos no carro depois
de passar pela messe e apanhar a minha namorada e seguimos em direção à nossa
casa. O mano ia calado mas de repente perguntou: “Armando por que razão o pai fez uma coisa daquelas? O senhor coronel
disse-me que ele deixou uma carta para a família e outra só para mim. E que
depois ma entregará. Estranho, não é?”.
Quer eu quer a Maria Rita não tínhamos como responder-lhe sem
metermos os pés pelas mãos mas lá tentámos dizer-lhe que para o pai tinha-lhe
caído tudo junto em cima, a paralisia e o cancro e ainda mais o problema
psiquiátrico. Mesmo para um homem valente e habituado ao sofrimento nas piores
circunstâncias e nas mais terríveis situações era demais, era insuportável.
Cedera. Era tudo. Porém Frederico resmoneava no porquê no para quê e continuou
assim no resto do caminho até chegarmos à porta de casa.
Quando íamos a entrar na garagem – tínhamos a sorte de possuir
uma, o estacionamento na Lapa era dificílimo – ele disse que se ia calar para
não amargurar mais a mãe que só com a má notícia iria ficar transtornada e logo
corrigiu transtornadíssima. A Maria Rita olhou para mim e eu para ela e
disfarçámos para ele não se dar conta da nossa admiração. Um portador da
síndroma de Down como era o caso dele e ainda por cima com catorze anos
raciocinava perfeitamente como se fora um adulto. Quase parecia um milagre.
Mesmo para quem já não acreditava em milagres…
A notícia atropelou a nossa mãe pior do que se fosse um autocarro
articulado, deixando-a atónita e sem conseguir falar, cordas de lágrimas
corriam-lhe pela face subitamente lívida e a tremer e foi o Frederico que
rapidamente se adiantou antes que ela desmaiasse e caísse e amparando-a a
ajudou a sentar-se no maple duplo. E ficou ele ao lado dela segurando-lhe as
mãos nas dele enquanto sussurrava: “minha
mãe querida, minha mãe querida, sossega que eu esto aqui…” lengalenga que ia
repetindo como quem embalava uma criança. A Maria Rita e eu olhávamos para a
cena e não queríamos acreditar no que víamos. Era ao mesmo tempo tão triste e
tão bonita e o nosso Frederico era o actor principal.
Sentámo-nos então de mãos dadas e assim ficámos por momentos
calados pensando eu que começara o dia anterior tão belo e que se prolongara
por uma noite de sonho para acabar num desastre total. A vida é mesmo madrasta.
Mas não nos podiamos deixar vencer. Era preciso pegar a desgraça pelos cornos e
começar a tratar dos assuntos que se anunciavam complicados. E surgiu-me de
imediato à memória uma situação muitíssimo especial com uma solução imediata e
correcta.
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O Marquês de Pombal |
Num país habituado a adiar e a deixar
para amanhã o que podia fazer-se hoje, Sebastião José de Carvalho e Melo agiu
sem delongas. Logo após o devastador terramoto de 1755, perante a inoperância
de D. José I, o Marquês de Pombal tomou conta da situação com uma
frase que ficaria para a posteridade. O país estava de restos e principalmente reduzida a escombros. Para além do sismo tinha havido simultaneamente a invasão da capital pelo Tejo. Quando o aterrorizado monarca lhe
perguntou o que fazer, Marquês do Pombal respondeu-lhe, ‘Sepultar os mortos e cuidar dos vivos’. D. José não fez nem uma
coisa, nem outra, deixando ao seu secretário de Estado do Reino a
responsabilidade de ficar para a História.
Para a história atribulada da nossa
família passava a ficar não apenas a pessoa do Frederico mas também as suas
atitudes. E no futuro como seria?
(Continua)