2018-08-31


É  DIFICIL VIVER COM UM IRMÃO MONGOLÓIDE - 12

Entre dois dias:
um louco amor 
e um suicídio


Antunes Ferreira
Estiquei o braço, agarrei o auscultador, acabou a maldita campainha “Está lá?” Era o Pinguinhas, o telefonista do regimento: “Boa tarde meu alferes…” E eu, ainda meio estremunhado “Alferes? Estás bêbado a estas horas?!” Do outro lado da linha: “Estou mais do fino, tenho de lhe dar os meus parabéns saiu hoje à Ordem a sua promoção, quando voltar da licença tem de molhar os novos galões…” E disparou uma gargalhada tonitruante. “Ouve lá ó meu sacana telefonas-me, interrompendo-me um sonho cor-de-rosa só para me dar essa novidade?!!! Quando eu regressar vamos ajustar contas!!!...”

Consegui ouvir o gajo engolir em seco, depois: “Não senhor meu alferes, o nosso comandante quer falar consigo vou passá-lo já, mas informo-o já de que são três e meia da tarde.” E fez a ligação. Ouvi então a voz do coronel Marques Fialho: “Armando, muito boa tarde, desculpe estar a chateá-lo logo ao terceiro dia de férias. Não quero dar-lhe os parabéns pela promoção, aliás inteiramente merecida, mas o malandro do Pinguinhas já o deve ter posto ao corrente dela. Venha pedir-lhe que logo que possa passe aqui pelo quartel porque eu tenho uma coisa para lhe comunicar e não é assunto para telefone. Logo que possa…”

Obviamente que lhe respondi que estava de acordo mas como me encontrava em Colares ainda ia demorar uma hora até à Amadora e tentaria que até fosse menos, ao que ele me respondeu que não me lançasse à maluca não fosse o diabo tecê-las e o caso podia esperar. A Maria Rita também tinha acordado com a maldita campainha do telefone. Estávamos os dois estendidos nus na cama de casal dos meus pais no meio dos lençóis enrodilhados por uma noite em claro num louco combate de um louco amor sem fim. Pela primeira vez isso tinha acontecido em tais preparos. Antes só mais ou menos escondidos.

Era linda bem feita, com tudo no sítio


Já durante a viagem nos íamos provocando na brincadeira sobre o “programa dos festejos” o que levou que mal chegámos foi só fechar à chave a porta de entrada da vivenda e subir de escantilhão a escada que dava acesso ao primeiro andar e ao entramos no quarto de cama a Maria Rita começou a despir-me e soltou uma gargalhada maliciosa ao ver que quase não conseguia tirar-me os boxers de tal maneira eu tinha uma erecção. Depois fui eu quem a despiu e era linda nunca a tinha visto peladinha toda ela era bem feita com tudo no sítio.

Foi ela que puxou a colcha e os cobertores e o lençol de cima e já enlaçados caímos sobre a cama e começámos a beijar-nos com a Maria Rita partindo à descoberta das minudências do meu corpo parando aqui e ali e foi descendo até quedar-se junto aos meus cabelos púbicos e segurando o meu instrumento perguntou-me. ”Amor queres que lhe dê uns beijinhos?” Óbvio que lhe respondi que sim e ela começou a fazê-lo até que o engoliu e eu de cabeça perdida arfava enquanto ela ia chupando.

Que eu ainda sou virgem...


Em seguida as posições inverteram-se e fui eu quem percorreu o corpo dela até chegar ao triângulo peludo e tendo-lhe aberto as pernas comecei a beijá-la ali o que a levou a arquear-se enquanto gemia de prazer e de repente voltando acima disse-me ao ouvido. “Meu querido faz-me um filho!...” E quando me preparava para penetrá-la ela sussurrou-me “Cuidado amor vai devagarinho que eu ainda sou virgem…” Mas depois do primeiro embate e do desfloramento foi ela que começou: “ai que bom, agora mais depressa, agora mais depressaaa…” até que atingimos o orgasmo simultâneamente. O resto - não é preciso dizer mais apenas citar Camões “mais vale experimentá-lo que julgá-lo, mas julgue-o quem não pode experimentá-lo…”

Cansados mas satisfeitos ficámos um ao lado do outro a Maria Rita chegou-se mais ao pé de mim encostou-se ao meu peito e começou a brincar com os meus pelos do peito e foi então que eu não me contive e perguntei-lhe pois se ela fizeram tudo tão bem feito onde é que aprendera e estive quase juntar e com quem? Ela entendeu perfeitamente e respondeu-me de mansinho: “Estás ciumento? Desconfias de mim?” E quando eu tentava balbuciar uma negativa ela continuou: “A minha prima Julinha foi como marido a Bordéus ver “O último tango em Paris” que aqui foi proibido como sabes. À volta trouxe-me três bobines de filmes pornográficos… ...Depois vamos vê-los juntos…Estás satisfeito?” Estava.

Daí a uma hora pouco mais ou menos parávamos no Regimento. Deixei a minha querida na messe de oficiais e dirigi-me ao gabinete do comandante. Para meu espanto já ali se encontravam o tio Miguel e o Frederico. Tinha passado mais dois anos e ele já completara os catorze mas aparentava mais. Depois dos cumprimentos o coronel Mesquita Fialho mandou o ordenança buscar umas bebidas e informou-me o que já dissera ao meu tio e ao meu irmão: o meu pai na manhã desse dia tinha-se suicidado.

Caiu-me a alma aos pés, ainda que não saiba muito bem onde está a alma. Dizia um médico operador nos princípios do século XX “nunca encontrei a alma na ponta do meu bisturi”. E o meu comandante explicou que no lar quando tinham ido levar o pequeno-almoço ao meu pai deram com ele com a cabeça esfacelada e com a pistola Parabellum ainda agarrada na mão caída. Naturalmente tinham chamado o médico em permanência mas fora uma simples formalidade, já não havia nada a fazer. Aguardavam a minha vinda para comunicar o facto à minha mãe e tratar dos preparativos para o funeral. Além disso, o médico dispensara a autópsia de tal modo era evidente o motivo do falecimento. E logo passara a certidão de óbito.

Porquê? Estranho?

No momento a minha maior preocupação era o Frederico que parecia um tanto absorto, semelhava estar ausente, não se encontrar ali. Perguntei-lhe se queria vir connosco, comigo e com a Maria Rita informar a mãe ao que ele pareceu regressar a este mundo e concordou. Por isso metemo-nos no carro depois de passar pela messe e apanhar a minha namorada e seguimos em direção à nossa casa. O mano ia calado mas de repente perguntou: “Armando por que razão o pai fez uma coisa daquelas? O senhor coronel disse-me que ele deixou uma carta para a família e outra só para mim. E que depois ma entregará. Estranho, não é?”.

Quer eu quer a Maria Rita não tínhamos como responder-lhe sem metermos os pés pelas mãos mas lá tentámos dizer-lhe que para o pai tinha-lhe caído tudo junto em cima, a paralisia e o cancro e ainda mais o problema psiquiátrico. Mesmo para um homem valente e habituado ao sofrimento nas piores circunstâncias e nas mais terríveis situações era demais, era insuportável. Cedera. Era tudo. Porém Frederico resmoneava no porquê no para quê e continuou assim no resto do caminho até chegarmos à porta de casa.

Quando íamos a entrar na garagem – tínhamos a sorte de possuir uma, o estacionamento na Lapa era dificílimo – ele disse que se ia calar para não amargurar mais a mãe que só com a má notícia iria ficar transtornada e logo corrigiu transtornadíssima. A Maria Rita olhou para mim e eu para ela e disfarçámos para ele não se dar conta da nossa admiração. Um portador da síndroma de Down como era o caso dele e ainda por cima com catorze anos raciocinava perfeitamente como se fora um adulto. Quase parecia um milagre. Mesmo para quem já não acreditava em milagres…

A notícia atropelou a nossa mãe pior do que se fosse um autocarro articulado, deixando-a atónita e sem conseguir falar, cordas de lágrimas corriam-lhe pela face subitamente lívida e a tremer e foi o Frederico que rapidamente se adiantou antes que ela desmaiasse e caísse e amparando-a a ajudou a sentar-se no maple duplo. E ficou ele ao lado dela segurando-lhe as mãos nas dele enquanto sussurrava: “minha mãe querida, minha mãe querida, sossega que eu esto aqui…” lengalenga que ia repetindo como quem embalava uma criança. A Maria Rita e eu olhávamos para a cena e não queríamos acreditar no que víamos. Era ao mesmo tempo tão triste e tão bonita e o nosso Frederico era o actor principal.

Sentámo-nos então de mãos dadas e assim ficámos por momentos calados pensando eu que começara o dia anterior tão belo e que se prolongara por uma noite de sonho para acabar num desastre total. A vida é mesmo madrasta. Mas não nos podiamos deixar vencer. Era preciso pegar a desgraça pelos cornos e começar a tratar dos assuntos que se anunciavam complicados. E surgiu-me de imediato à memória uma situação muitíssimo especial com uma solução imediata e correcta.

O Marquês de Pombal

Num país habituado a adiar e a deixar para amanhã o que podia fazer-se hoje, Sebastião José de Carvalho e Melo agiu sem delongas. Logo após o devastador terramoto de 1755, perante a inoperância de D. José I, o Marquês de Pombal tomou conta da situação com uma frase que ficaria para a posteridade. O país estava de restos e principalmente reduzida a escombros. Para além do sismo tinha havido simultaneamente a invasão da capital pelo Tejo. Quando o aterrorizado monarca lhe perguntou o que fazer, Marquês do Pombal respondeu-lhe, ‘Sepultar os mortos e cuidar dos vivos’. D. José não fez nem uma coisa, nem outra, deixando ao seu secretário de Estado do Reino a responsabilidade de ficar para a História.

Para a história atribulada da nossa família passava a ficar não apenas a pessoa do Frederico mas também as suas atitudes. E no futuro como seria?
(Continua)