Tal como tinha informado e
baseado na
nossa querida Amiga Elvira Carvalho
começo hoje a publicar uma
séria de textos de
ficção sobre a doença de Down
ou seja o
mongolismo
A acção decorre no século
passado e
O tema é delicado mas
infelizmente
afecta muitas famílias.
É
difícil viver
com
um irmão
mongoloide
Antunes Ferreira
Tinha
nove anos quando nasceu o meu irmão Frederico. Lembro-me vagamente de quatro
anos antes quando a minha mãe deu à luz a minha irmã Leonor ter havido uma
grande festa lá em casa, até o pai Gilberto abriu uma garrafa de champanhe do
verdadeiro, no rótulo tinha champagne e o pai disse que era francês.
Mas
na tarde do dia 8 de Agosto do ano de 1959 quando o pai voltou da maternidade
trazia um rosto fechado completamente diferente. A avó Lurdes tinha-nos avisado
que graças a Deus já nascera um novo mano, no entanto arvorara um sorriso doce,
um sorriso que só ela sabia usar, mesmo nas horas mais difíceis.
A
tia Elsa, irmã da mãe, fora buscar-nos ao colégio Valsassina e quando lhe
perguntara se já nascera o bebé e se era menino ou menina respondera-me que
quando saíra de casa ainda nada se sabia. Depois foi o que aconteceu e que já
contei e fiquei com uma grande suspeita: ali havia coisa. O que seria? Em vez
de risos e festas, rostos carregados e desanimados.
Quando
nos sentámos à mesa para jantar o meu pai que como sempre ocupava a cabeceira
da mesa uniu as mãos inclinou a cabeça e começou a rezar Pai nosso que estais nos Céus… e nós fomos respondendo até ao amém final. Estava a família toda
reunida excepto a mãe ainda na maternidade, a tia Elsa, a Leonor na cadeirinha
de criança, a avó Lurdes, o primo Olegário que andava em Direito e morava lá em
casa pois os pais viviam em Celorico de Basto e eu.
Foi
então que o pai anunciou com um ar um tanto solene e meio sisudo que já
tínhamos um novo irmão mas que por vontade de Deus nosso Senhor nascera um
pouco diferente porém devíamos amá-lo, tratá-lo, acompanhá-lo e ajudá-lo em
tudo o que ele necessitasse e virando-se para mim dissera-me que eu sendo o
primogénito tinha de ser o primeiro a tomar conta dele, bem como toda a
família. Não perguntei porquê, mas fiquei a matutar no assunto.
Quando
me fui deitar e antes de me encomendar ao meu Anjo da Guarda o pai veio
aconchegar-me o lençol e o cobertor de Verão e disse-me: Armando o teu novo irmão vai chamar-se Frederico que era o nome do teu
avô materno casado com a avó Lurdes, um homem de bem como sabes. Tens de honrar
o nome e cuidar com a maior atenção o Frederico porque ele precisa de ti em
especial. Claro que lhe respondi com um sim imediato. Ele afagou-me o
cabelo, deu-me um beijo, apagou a luz eu virei-me para o lado e tentei dormir.
Levei mais tempo do que habitualmente. O que se passaria?
Dois
dias depois fui com a tia Elsa no carro do pai à maternidade ver a mãe e o bebé
e qual foi o meu espanto quando vi que ele tinha o aspecto de ser mais ou menos
achinesado e bastante enrugado. A mamã que me conhecia muito bem – era o seu
primogénito – disse-me num tom suave mas meio magoado que não me preocupasse
porque Nosso Senhor tinha decidido que o Frederico teria esse ar mas era igual
aos outros meninos tinha corpo e alma como todos.
Claro
que sorri e para não restar quaisquer dúvidas dei um beijinho levemente no meu
maninho, fiz-lhe uma festinha sob o olhar embevecido da mamã, papá e da tia
Elsa. No entanto tenho de confessar que por dentro estava muito atrapalhado.
Por que razão Jesus nos dera um Frederico diferente? Que pecado por certo
mortal teria acontecido para tamanho castigo? Numa família profundamente católica
aprendera que Deus que era só bondade e misericórdia. Que se passara?
Na
volta para a casa vinha a pensar que o pai que era capitão engenheiro se calhar
tinha-se enganado nalguns cálculos e originado um grande desastre com muitos
mortos e feridos. Mas nunca ouvira falar nisso. Não, ali havia coisa e coisa
muito complicada. A tia Elsa eu vinha sentada no lugar o morto (nunca percebera
qual o motivo porque um falecido tinha sempre o lugar ao lado do condutor) virou-se
para trás Ó Armandinho vens muito calado,
vens a pensar na morte da bezerra? Não percebi Na morte de quem?
Pela
primeira vez nesse dia vi e ouvi os dois soltarem umas gargalhadas, curtas
embora, mas risonhas, e ela explicou o que a expressão queria dizer. Depois, a
curta viagem prosseguiu em tom soturno. Arrumado o carro quase em frente do
prédio onde morávamos subimos ao segundo esquerdo e os três fomos para a sala
de estar. Foi aí que comecei a entender o que se estava a passar.
A
tia Elsa era enfermeira, trabalhara no Hospital de São José mas dera baixa e
estava em casa. Tinha estudado para ser médica mas acontecera qualquer coisa e
desistira e fora para enfermeira. Era ela que explicava o sucedido. O Frederico
tinha nascido com a doença de Down que é a trissomia 21, uma condição
cromossómica causada por um cromossoma extra no par 21. Crianças e jovens
portadores da síndrome têm características físicas semelhantes e estão sujeitos
a algumas doenças.
Embora
apresentem deficiências intelectuais e de aprendizagem, são pessoas com
personalidade única, que estabelecem boa comunicação e também são sensíveis e
interessantes. Quase sempre o “grau” de acometimento dos sintomas é
inversamente proporcional ao estímulo dado a essas crianças durante a infância.
Não
tinha percebido tudo e então ela trocou por miúdos a que dissera explicando o
que eram os cromossomas e quantos havia habitualmente. Perguntei-lhe se havia
tratamento para a doença e a tia Elsa disse-me que sendo genética – e genética (que vem do grego geno; fazer nascer) é a especialidade da biologia que estuda os genes, a hereditariedade e a variação
dos organismos e a forma como estes transmitem as características biológicas de
geração para geração.
Fiquei um pouco mais esclarecido e a tia disse-me que ia
conversar mais comigo sobre o assunto o que mereceu a concordância do meu pai. Estava
então a caminho a ligação profunda que se iria estabelecer entre o Frederico e
eu. E de que irei dando conta no próxima texto
(Continua)