2018-05-26



Tal como tinha informado e baseado na
nossa querida Amiga Elvira Carvalho
começo hoje a publicar uma séria de textos de
ficção sobre a doença de Down ou seja o
mongolismo
A acção decorre no século passado e
O tema é delicado mas infelizmente
afecta muitas famílias.

É difícil viver

com um irmão
mongoloide

Antunes Ferreira
Tinha nove anos quando nasceu o meu irmão Frederico. Lembro-me vagamente de quatro anos antes quando a minha mãe deu à luz a minha irmã Leonor ter havido uma grande festa lá em casa, até o pai Gilberto abriu uma garrafa de champanhe do verdadeiro, no rótulo tinha champagne e o pai disse que era francês.

Mas na tarde do dia 8 de Agosto do ano de 1959 quando o pai voltou da maternidade trazia um rosto fechado completamente diferente. A avó Lurdes tinha-nos avisado que graças a Deus já nascera um novo mano, no entanto arvorara um sorriso doce, um sorriso que só ela sabia usar, mesmo nas horas mais difíceis. 

A tia Elsa, irmã da mãe, fora buscar-nos ao colégio Valsassina e quando lhe perguntara se já nascera o bebé e se era menino ou menina respondera-me que quando saíra de casa ainda nada se sabia. Depois foi o que aconteceu e que já contei e fiquei com uma grande suspeita: ali havia coisa. O que seria? Em vez de risos e festas, rostos carregados e desanimados.

 
Sem legenda
Quando nos sentámos à mesa para jantar o meu pai que como sempre ocupava a cabeceira da mesa uniu as mãos inclinou a cabeça e começou a rezar Pai nosso que estais nos Céus… e nós fomos respondendo até ao amém final. Estava a família toda reunida excepto a mãe ainda na maternidade, a tia Elsa, a Leonor na cadeirinha de criança, a avó Lurdes, o primo Olegário que andava em Direito e morava lá em casa pois os pais viviam em Celorico de Basto e eu.

Foi então que o pai anunciou com um ar um tanto solene e meio sisudo que já tínhamos um novo irmão mas que por vontade de Deus nosso Senhor nascera um pouco diferente porém devíamos amá-lo, tratá-lo, acompanhá-lo e ajudá-lo em tudo o que ele necessitasse e virando-se para mim dissera-me que eu sendo o primogénito tinha de ser o primeiro a tomar conta dele, bem como toda a família. Não perguntei porquê, mas fiquei a matutar no assunto.

Quando me fui deitar e antes de me encomendar ao meu Anjo da Guarda o pai veio aconchegar-me o lençol e o cobertor de Verão e disse-me: Armando o teu novo irmão vai chamar-se Frederico que era o nome do teu avô materno casado com a avó Lurdes, um homem de bem como sabes. Tens de honrar o nome e cuidar com a maior atenção o Frederico porque ele precisa de ti em especial. Claro que lhe respondi com um sim imediato. Ele afagou-me o cabelo, deu-me um beijo, apagou a luz eu virei-me para o lado e tentei dormir. Levei mais tempo do que habitualmente. O que se passaria?

Dois dias depois fui com a tia Elsa no carro do pai à maternidade ver a mãe e o bebé e qual foi o meu espanto quando vi que ele tinha o aspecto de ser mais ou menos achinesado e bastante enrugado. A mamã que me conhecia muito bem – era o seu primogénito – disse-me num tom suave mas meio magoado que não me preocupasse porque Nosso Senhor tinha decidido que o Frederico teria esse ar mas era igual aos outros meninos tinha corpo e alma como todos.

Claro que sorri e para não restar quaisquer dúvidas dei um beijinho levemente no meu maninho, fiz-lhe uma festinha sob o olhar embevecido da mamã, papá e da tia Elsa. No entanto tenho de confessar que por dentro estava muito atrapalhado. Por que razão Jesus nos dera um Frederico diferente? Que pecado por certo mortal teria acontecido para tamanho castigo? Numa família profundamente católica aprendera que Deus que era só bondade e misericórdia. Que se passara?
 
Capitão
Na volta para a casa vinha a pensar que o pai que era capitão engenheiro se calhar tinha-se enganado nalguns cálculos e originado um grande desastre com muitos mortos e feridos. Mas nunca ouvira falar nisso. Não, ali havia coisa e coisa muito complicada. A tia Elsa eu vinha sentada no lugar o morto (nunca percebera qual o motivo porque um falecido tinha sempre o lugar ao lado do condutor) virou-se para trás Ó Armandinho vens muito calado, vens a pensar na morte da bezerra? Não percebi Na morte de quem?

Pela primeira vez nesse dia vi e ouvi os dois soltarem umas gargalhadas, curtas embora, mas risonhas, e ela explicou o que a expressão queria dizer. Depois, a curta viagem prosseguiu em tom soturno. Arrumado o carro quase em frente do prédio onde morávamos subimos ao segundo esquerdo e os três fomos para a sala de estar. Foi aí que comecei a entender o que se estava a passar.

A tia Elsa era enfermeira, trabalhara no Hospital de São José mas dera baixa e estava em casa. Tinha estudado para ser médica mas acontecera qualquer coisa e desistira e fora para enfermeira. Era ela que explicava o sucedido. O Frederico tinha nascido com a doença de Down que é a trissomia 21, uma condição cromossómica causada por um cromossoma extra no par 21. Crianças e jovens portadores da síndrome têm características físicas semelhantes e estão sujeitos a algumas doenças.
 
Características da Doença de Down
Embora apresentem deficiências intelectuais e de aprendizagem, são pessoas com personalidade única, que estabelecem boa comunicação e também são sensíveis e interessantes. Quase sempre o “grau” de acometimento dos sintomas é inversamente proporcional ao estímulo dado a essas crianças durante a infância.

Não tinha percebido tudo e então ela trocou por miúdos a que dissera explicando o que eram os cromossomas e quantos havia habitualmente. Perguntei-lhe se havia tratamento para a doença e a tia Elsa disse-me que sendo genética – e genética (que vem do grego genofazer nascer) é a especialidade da biologia que estuda os genes, a hereditariedade e a variação dos organismos e a forma como estes transmitem as características biológicas de geração para geração.

Fiquei um pouco mais esclarecido e a tia disse-me que ia conversar mais comigo sobre o assunto o que mereceu a concordância do meu pai. Estava então a caminho a ligação profunda que se iria estabelecer entre o Frederico e eu. E de que irei dando conta no próxima texto
(Continua)