O velho
e o novo
Antunes Ferreira
O
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miúdo era muito
especial: usava fraldas descartáveis trazia uma chupeta – mas andava em pé e falava “fluentemente”. Tinha um ar de quem vinha a chegar e pelos vistos chegava
mesmo. Mas estava perplexo. Na parede frontal havia um calendário pendurado com
a última página prestes a ser arrancada. Era um modelo já velhote, fora uma
oferta das festas do ano anterior dum restaurante chinês.
P
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or isso ostentava um dragão pintado a vermelho. Daqueles
típicos do Império do Meio, com colinas nevadas ao fundo e dizeres que não se
entendiam, salvo naturalmente pela gente que trabalhava no restaurante. Porque,
como se podia ver o que estava escrito era em chinês e um dia um cliente que
ali fora pela primeira vez comentara que obviamente não se entendia nada
daquilo, nem usando a tradicional paciência… chinesa.
Um calendário chinês |
R
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eparou o menino que o calendário lhe ficava à mão e por isso
agarrou-o; mas não, não o agarrou, porque ele subiu um pouco e “fugiu”. Franziu
o cenho o gaiato, mas o que é que se passava? Embora fosse criança era muito
especial, como logo no princípio se disse, racionava perfeitamente, não havia
hiatos na sua linha de pensamentos, mau, ali havia marosca um calendário não
andava muito menos subia por uma parede, capaz disso só as osgas.
P
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or isso foi buscar um banco para tentar chegar ao
calendário. Mas quando lhe ia deitar a mão o danado fugia. Era portanto um calendário
foleiro, e o puto tinha de o agarrar para o deitar fora porque estava fora do
prazo de validade. Mas nem com o banco o agarrava. Seguiu-se uma mesa, depois
um escadote e o miserável sempre a subir e a fugir.
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David e Golias |
F
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inalmente o ganapo descobriu o truque: não era uma parede, era
um muro, no alto do qual escarranchado estava um velho carregado de rugas, ou
um monte de rugas a fingir de velho que puxava o calendário com um fio de náilon
que lhe estava atado e ria-se às gargalhadas desdentadas. O jovem lembrou-se da
estória do David e do Golias, mas não tinha ali uma funda. Mas tinha um
smartfone que tirou da fralda e emitiu com ele um som ultra.
O
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velho retorceu-se, não
estava preparado para modernices, desequilibrou-se e caiu do outro lado do muro
com o calendário. O garoto sem oposição subiu ao cimo do muro e pôde ver que
desse outro lado só havia o nada. Nem Velho, nem calendário nem nada. Desceu e tirou da fralda um calendário super sofisticado com antena própria que o fazia mover pelo sol e colocou-o no muro, muito satisfeito. Ao longe
um sino qualquer começou a bater doze badaladas. E o catraio, muito prevenido,
tirou da fralda doze passas de uva e foi-as comendo ao som do sino. Bendita
fralda que trazia tudo e que pertencia ao ano novo – 2017.