2016-12-31

O velho

e o novo


Antunes Ferreira

O

 miúdo era muito especial: usava fraldas descartáveis trazia uma chupeta – mas andava em pé e falava “fluentemente”. Tinha um ar de quem vinha a chegar e pelos vistos chegava mesmo. Mas estava perplexo. Na parede frontal havia um calendário pendurado com a última página prestes a ser arrancada. Era um modelo já velhote, fora uma oferta das festas do ano anterior dum restaurante chinês.


P
or isso ostentava um dragão pintado a vermelho. Daqueles típicos do Império do Meio, com colinas nevadas ao fundo e dizeres que não se entendiam, salvo naturalmente pela gente que trabalhava no restaurante. Porque, como se podia ver o que estava escrito era em chinês e um dia um cliente que ali fora pela primeira vez comentara que obviamente não se entendia nada daquilo, nem usando a tradicional paciência… chinesa.

Um calendário chinês


R
eparou o menino que o calendário lhe ficava à mão e por isso agarrou-o; mas não, não o agarrou, porque ele subiu um pouco e “fugiu”. Franziu o cenho o gaiato, mas o que é que se passava? Embora fosse criança era muito especial, como logo no princípio se disse, racionava perfeitamente, não havia hiatos na sua linha de pensamentos, mau, ali havia marosca um calendário não andava muito menos subia por uma parede, capaz disso só as osgas. 


P
or isso foi buscar um banco para tentar chegar ao calendário. Mas quando lhe ia deitar a mão o danado fugia. Era portanto um calendário foleiro, e o puto tinha de o agarrar para o deitar fora porque estava fora do prazo de validade. Mas nem com o banco o agarrava. Seguiu-se uma mesa, depois um escadote e o miserável sempre a subir e a fugir.

David e Golias


F
inalmente o ganapo descobriu o truque: não era uma parede, era um muro, no alto do qual escarranchado estava um velho carregado de rugas, ou um monte de rugas a fingir de velho que puxava o calendário com um fio de náilon que lhe estava atado e ria-se às gargalhadas desdentadas. O jovem lembrou-se da estória do David e do Golias, mas não tinha ali uma funda. Mas tinha um smartfone que tirou da fralda e emitiu com ele um som ultra.


O

 velho retorceu-se, não estava preparado para modernices, desequilibrou-se e caiu do outro lado do muro com o calendário. O garoto sem oposição subiu ao cimo do muro e pôde ver que desse outro lado só havia o nada. Nem Velho, nem calendário nem nada. Desceu e tirou da fralda um calendário super sofisticado com antena própria que o fazia mover pelo sol e colocou-o no muro, muito satisfeito. Ao longe um sino qualquer começou a bater doze badaladas. E o catraio, muito prevenido, tirou da fralda doze passas de uva e foi-as comendo ao som do sino. Bendita fralda que trazia tudo e que pertencia ao ano novo – 2017.