2016-09-23

Parabéns

ao de lá?

Antunes Ferreira

F
ora num quartel em Luanda que se tinham encontrado. Os dois eram oficiais milicianos, um tenente outro alferes, e no dia-a-dia dessa unidade militar (cujo nome não interessa para o escrito, diz o escriba) tornaram-se amigos. Só amigos, pois não há amigos bons e amigos maus, amigos do peito e amigos da onça. Amigos. Ponto.




O
s dias foram correndo – e que pressa eles levavam – e a Amizade reforçando-se (se é possível a Amizade reforçar-se) e as coisas iam decorrendo com a normalidade possível embora no mato continuasse a guerra. Todas as guerras são estúpidas e criminosas. A mata, ali à porta da cidade parecia não dar grande tristeza aos cidadãos brancos e até mesmo aos pretos. A guerra era lá longe e os gajos que andavam aos tiros que se desenrascassem. Aliás o desenrascanço é uma palavra tipicamente portuguesa. Os enciclopédicos ingleses andam há 27 anos a estuda-la e ainda conseguiram traduzi-la…


U
m dia veio uma onda enorme e preta que mudou tudo. Caro que um dia teria de chegar – e chegou mesmo. A malta das cidades pôs-se a cavar tão depressa quanto pôde. Foi uma enorme confusão; era a independência para a qual os autóctones não estavam preparados – que diabo…
A imagem diz tudo...
Na verdade os tugas tinham embarcado naquela do "Portugal do Minho a Timor" e foi o que viu: tiveram de embarcar - mas para o Puto e outros locais. Os dois amigos também desandaram, mas cada um para o seu lado. Um foi para a aventura americana, o outro ficou pela capital do falso Império.



P
orém, a Amizade teimava em persistir, por vezes encontravam-se ou cá ou lá; aliás muito mais cá do que lá. As famílias de ambos tinham-se tornado… amigas. E a Amizade não se compra nem se vende, nem sequer se empresta: vive-se. Chegou a altura para identificar os dois casais; o de cá tinha o apelido Pereira e o de lá tinha o segundo nome: Guião. Os primeiros eram o Honório e a Rosa, os segundos eram o Francisco e curiosamente a Francisca. Via-se logo que um tinha sido feito para a outra. Feitios.


R
eformaram-se o Honório e o Francisco vivendo sempre a mesma Amizade quando os de lá vinham cá para passar férias era certo e sabido: encontravam-se. O que era mais do que porreiro, porreiríssimo. Os de cá recebiam os de lá com a alegria de sempre; entre uns copos, o Honório contava anedotas (era considerado o campeão mundial delas) os Guiões rebolavam-se a rir e a Rosa admoestava o de cá: “hás de ser sempre um chato a repetir as estórias que os de lá já sabem e deixa-te de tretas!” Isto da fêmea mandar no macho prova que o Deus quando os fabricou estava mesmo distraído… e ainda que nunca durma estava a passar pelas brasas. Por isso entreabriu os olhos e sacou uma costeleta masculina para moldar a Eva

Honório num ginásio fitness



N
o caso vertente é bom que se diga, num aparte, que o Honório começara a frequentar um ginásio fitness, primeiro porque via as miúdas boazonas que se esforçavam para ser ainda mais… boazonas. Depois, porque era gordo que nem um texugo e a família inteira apostrofava-o dia e noite, especialmente a Rosa que sempre dizia que “depois cá estou eu para te empurrar a cadeirinha de rodas por seres um desenfreado a comer e ainda por cima diabético!” Honório, o de cá, tinha contado a cena ao de lá, o Francisco, e – curioso - este tinha apoiado a Rosa com espinhos. Só não batera palmas.


C
erta noite de cá, Rosa entrou no escritório que o Honório tinha em casa e ordenou-lhe “vê se dás os parabéns ao Chico que hoje faz anos!” Era o dia 8 de Setembro e o Pereira não fazia a mínima ideia disso; embora fossem Amigos o de cá não sabia a data do aniversário do de lá, e pensava o escriba, que o inverso era verdadeiro, assim como se fora números primos; mas afinal não eram.

Um Omega Speedmaster


O
 Honório obediente (não o fora e aconteceria um tsunami róseo…) telefonou mesmo. Atendeu de lá a Chica e o de cá: “venho dar um abraço de parabéns ao Chico!”, obviamente depois de perguntar como andavam os de lá. A Chica pareceu atrapalhar-se e disse que ia passar ao Chico. “Porra, Pereira, quem foi que te meteu essa no teu cristalino bestunto? E o de cá: “foi a Rosa. Ela tem tudo apontado num calendário e está sempre certa como um Ómega Speedmaster. Por isso…”

Muito apertado


F
oi um fartote de riso do de cá e do de lá de tal modo que o cabo submarino ameaçou fazer greve se não se calassem. E o Chico, de lá, “eu aniversario a 23 de Outubro. E o Honório, de cá, “pois então dou-te já as mais sentidas cond…, oops, os mais sinceros parabéns com um abraço muito apertado” E quer o de cá quer o de lá gargalharam em decibéis altíssimos e tal modo que um deles alertou: cuidado com o cabo que ainda dá cabo de ti. Referia-se obviamente ao submarino. Sem Portas. E acrescentou: “o cabo ou os vizinhos…”

A
 Rosa, de trombas, pois ficara a ouvir o desbragamento, retirou-se, ao que Honório lhe perguntasse “… e agora a quem vou dar as Boas Festas?” Imaginam o que se passou. Ainda hoje ele traz uma perna ao peito…



(Estória verdadeira ficcionada pelo autor)