Parabéns
ao de lá?
Antunes Ferreira
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ora num quartel em Luanda que se tinham encontrado. Os dois
eram oficiais milicianos, um tenente outro alferes, e no dia-a-dia dessa
unidade militar (cujo nome não interessa para o escrito, diz o escriba)
tornaram-se amigos. Só amigos, pois não há amigos bons e amigos maus, amigos do
peito e amigos da onça. Amigos. Ponto.
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s dias foram correndo – e que pressa eles levavam – e a
Amizade reforçando-se (se é possível a Amizade reforçar-se) e as coisas iam
decorrendo com a normalidade possível embora no mato continuasse a guerra.
Todas as guerras são estúpidas e criminosas. A mata, ali à porta da cidade
parecia não dar grande tristeza aos cidadãos brancos e até mesmo aos pretos. A
guerra era lá longe e os gajos que andavam aos tiros que se desenrascassem.
Aliás o desenrascanço é uma palavra tipicamente portuguesa. Os enciclopédicos ingleses
andam há 27 anos a estuda-la e ainda conseguiram traduzi-la…
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m dia veio uma onda enorme e preta que mudou tudo. Caro que
um dia teria de chegar – e chegou mesmo. A malta das cidades pôs-se a cavar tão
depressa quanto pôde. Foi uma enorme confusão; era a independência para a qual
os autóctones não estavam preparados – que diabo…
Na verdade os tugas tinham embarcado naquela do "Portugal do Minho a Timor" e foi o que viu: tiveram de embarcar - mas para o Puto e outros locais. Os dois amigos também
desandaram, mas cada um para o seu lado. Um foi para a aventura americana, o
outro ficou pela capital do falso Império.
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A imagem diz tudo... |
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orém, a Amizade teimava em persistir, por vezes
encontravam-se ou cá ou lá; aliás muito mais cá do que lá. As famílias de ambos
tinham-se tornado… amigas. E a Amizade não se compra nem se vende, nem sequer
se empresta: vive-se. Chegou a altura para identificar os dois casais; o de cá
tinha o apelido Pereira e o de lá tinha o segundo nome: Guião. Os primeiros
eram o Honório e a Rosa, os segundos eram o Francisco e curiosamente a
Francisca. Via-se logo que um tinha sido feito para a outra. Feitios.
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eformaram-se o Honório e o Francisco vivendo sempre a mesma
Amizade quando os de lá vinham cá para passar férias era certo e sabido:
encontravam-se. O que era mais do que porreiro, porreiríssimo. Os de cá
recebiam os de lá com a alegria de sempre; entre uns copos, o Honório contava
anedotas (era considerado o campeão mundial delas) os Guiões rebolavam-se a rir
e a Rosa admoestava o de cá: “hás de ser sempre um chato a repetir as estórias
que os de lá já sabem e deixa-te de tretas!” Isto da fêmea mandar no macho
prova que o Deus quando os fabricou estava mesmo distraído… e ainda que nunca
durma estava a passar pelas brasas. Por isso entreabriu os olhos e sacou uma
costeleta masculina para moldar a Eva
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Honório num ginásio fitness |
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o caso vertente é bom que se diga, num aparte, que o Honório
começara a frequentar um ginásio fitness, primeiro porque via as miúdas
boazonas que se esforçavam para ser ainda mais… boazonas. Depois, porque era
gordo que nem um texugo e a família inteira apostrofava-o dia e noite,
especialmente a Rosa que sempre dizia que “depois cá estou eu para te empurrar
a cadeirinha de rodas por seres um desenfreado a comer e ainda por cima
diabético!” Honório, o de cá, tinha contado a cena ao de lá, o Francisco, e –
curioso - este tinha apoiado a Rosa com espinhos. Só não batera palmas.
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erta noite de cá, Rosa entrou no escritório que o Honório tinha em casa e ordenou-lhe “vê se dás os parabéns ao Chico que hoje faz anos!”
Era o dia 8 de Setembro e o Pereira não fazia a mínima ideia disso; embora
fossem Amigos o de cá não sabia a data do aniversário do de lá, e pensava o
escriba, que o inverso era verdadeiro, assim como se fora números primos; mas
afinal não eram.
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Um Omega Speedmaster |
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Honório obediente
(não o fora e aconteceria um tsunami róseo…) telefonou mesmo. Atendeu de lá a
Chica e o de cá: “venho dar um abraço de parabéns ao Chico!”, obviamente depois
de perguntar como andavam os de lá. A Chica pareceu atrapalhar-se e disse que
ia passar ao Chico. “Porra, Pereira, quem foi que te meteu essa no teu
cristalino bestunto? E o de cá: “foi a Rosa. Ela tem tudo apontado num
calendário e está sempre certa como um Ómega
Speedmaster. Por isso…”
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Muito apertado |
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oi um fartote de riso do de cá e do de lá de tal modo que o
cabo submarino ameaçou fazer greve se não se calassem. E o Chico, de lá, “eu aniversario a 23 de Outubro. E o
Honório, de cá, “pois então dou-te já as mais sentidas cond…, oops, os mais
sinceros parabéns com um abraço muito apertado” E quer o de cá quer o de lá
gargalharam em decibéis altíssimos e tal modo que um deles alertou: cuidado com
o cabo que ainda dá cabo de ti. Referia-se obviamente ao submarino. Sem Portas. E
acrescentou: “o cabo ou os vizinhos…”
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Rosa, de trombas,
pois ficara a ouvir o desbragamento, retirou-se, ao que Honório lhe perguntasse
“… e agora a quem vou dar as Boas Festas?” Imaginam o que se passou. Ainda hoje
ele traz uma perna ao peito…
(Estória
verdadeira ficcionada pelo autor)