DE SÍNDROME DE DOWN - 18
do pimpolho
e o kilt
escocês
Antunes Ferreira
Estávamos a começar a habituar-nos a ter um novo habitante em casa
e já se encontrava preparado o baptizado do pimpolho. O Frederico era o mais
entusiasmado desde que fora “entronizado” como padrinho e nome escolhido fora
Gilberto em homenagem ao nosso pai. O mano encarregara-se a ele próprio de
elaborar a lista de convidados que
queria ser extensa e nós íamos tentando travá-lo sem grande sucesso
tenho de o dizer porque argumentava que se tratava do primeiro afilhado e
quanto ao orçamento o limite era o… que ele quisesse pois as despesas correriam
por conta dele!
Mas o padrinho abriu totalmente os cordões à bolsa dele pois
convidou à sua custa o padre amigo do tio Jaime que vivia em Roma pois ele
leccionava no Pontifício Colégio Português para vir oficiar o baptismo do
neófito. O que aconteceu com pompa e circunstância na Igreja de Nossa Senhora
de Fátima onde eu também recebera a água santa. Refiro num aparte bem disposto
que o Frederico sussurrou para o sacerdote: “Cuidado, não me afogue o afilhado…” Ouvi e por pouco não soltei uma
boa gargalhada! Na festa que se seguiu que decorreu no salão que a paróquia
tinha criado para eventos desse tipo em parceria durante uns dois com o
restaurante Gôndola e contou com um conhecido conjunto musical para a
abrilhantar tinham sido mais de cem os convidados.
No dia seguinte começara a maratona no lar-doce-lar do bambino.
Eram os banhos, as mudanças de fraldas, a s esterilizações dos biberons, toda
uma panóplia novidade a caminho da rotina em que o novel padrinho todo ancho
dava uma mãozinha e que jeito que ele tinha até a pegar no bebé e ao vê-lo
nesses preparos eu ficava a matutar na pena que tinha de ele não poder ser pai
nem mesmo de adoptar porque a Elena piorava a olhos vistos. Donde não tinha
condições para o fazer. Por isso o baptizado era um lenitivo para a dor do meu
irmão.
CR no Manchester United e a primeira Bota de Oiro |
Neste ínterim recebi um e-mail de Glasgow que me deixou espantado:
era do já major-general Robert MacSpencer, escocês, que enquanto coronel tinha
sido adido militar na embaixada do Reino Unido em Portugal e com o qual na
minha qualidade de oficial do Exército me encontrara. E logo descobríramos que
tínhamos muitas afinidades entre as quais éramos fãs do Manchester United e do
Cristiano Ronaldo e quando putos verdadeiros adoradores dos insubstituíveis
Beatles e outras coisas mais.
Ele a esposa Mary Anne tinham passado a ser nossos convidados para
fins-de-semana no nosso monte em Aljustrel e a convite deles tínhamos passado
duas semanas na casa de campo que tinham a 12 milhas (como eles usavam…) de
Glasgow. Como ele se tinha passado a interessar pela história do nosso país
numa das nossas conversas retive uma afirmação que não resisto a registar: “It is extraordinary and fascinating how such
a small country has achieved such great results in its History!”
Noutra altura quando abordávamos os sessenta anos do domínio
espanhol em Portugal sob o reinado dos três Filipes que lhe contei a maior
parte do que fora a Guerra da Independência em que a mais velha aliança
europeia, a luso-inglesa, continuava a funcionar em pleno e que na verdade ela
não começara de facto quando rei era
o D. João I, pois já na conquista de Lisboa, o nosso primeiro monarca, D.
Afonso Henriques tinha sido auxiliado por cruzados ingleses que se dirigiam à
Terra Santa e aqui aportaram.
Sandwich e... sanduíche |
Mais ainda. A aliança não se esgotara nesses tempos pois persistiu
durante séculos e ainda vigorava ainda que com altos e baixos e na altura
recordo-me bem até afirmei: “mal
comparado, como todos os matrimónios…” do que resultou uma galhofa de criar
bicho. Já que estávamos em ambiente de boa disposição e risota disse-lhe que
uma figura importante para Portugal no que respeitou à guerra contra Espanha,
mais uma, de vinte e sete anos (1648-1668) na sequência da reconquista da nossa
independência, fora o conde de Sandwich, que juntamente com sir Richard
Southwell ambos embaixadores da Inglaterra o primeiro em Madrid e o segundo em
Lisboa que assinaram o tratado de paz que pôs fim ao conflito. E de novo saíram
à estacada as gargalhadas quando lhe contei que então se dizia que de Espanha a
única coisa boa que viera era a… sanduíche.
Pois o e-mail rezava:
“Dear Armando
Mary Anne, and I myself we want to invite you
and Maria Rita to spend a few days with us in our new villa in Stirling on the
outskirts of Glasgow. You do not need anything else, just
buy your plane tickets and we'll be waiting for you at the airport. From there
we are on our own. Há ha ha.
Big hug
Robert”
Tive de telefonar ao camarada e acertámos a data da nossa vista
explicando-lhe o que nos acabara de acontecer com o Gilberto júnior e por isso
depois da adaptação durante dois, três meses seguiríamos, o que viria a
acontecer. E além disso perguntei-lhe se não o chatearia se levássemos o
Frederico que ele conhecera ali em Lisboa, ao que ele acedeu “it’s my pleasure”. O puto ficou aos
cuidados da nossa mãe e da tia Elsa – já tão ocupada com a prole dela, mas
sempre disponível – e assim sossegados chegámos a Heathrow e ali ficámos porque
o Robert queria levar-nos à Real Academia Militar de Sandhurst da qual ele era
segundo comandante surpresa que ele me queria fazer, ou melhor nos queria fazer.
O Frederico exultava! Herdara do nosso pai o feitio militar e
sabia quase tudo sobre a célebre academia onde andara muita celebridade a
começar por Winston Churchill, passando pelo rei Abdullha da Jordânia e na
altura já o príncipe William, duque de Cambridge a frequentara. Na manhã do dia seguinte à nossa chegada
deslocámo-nos à instituição onde Robert preparraa um exercício de fogos reais
para nós presenciarmos. Fazia um frio que nem vos conto e por isso foram-nos
distribuídas mantas para colocarmos sobre os joelhos. De resto e por indicação
do Roberto já íamos bem agasalhados.
Atacando e defendendo |
O exercício foi um verdadeiro espectáculo com os cadetes atacando
e defendo vários objectivos e utilizando
o armamento mais moderno e sofisticado, mostrando bem o grau de preparação
deles. Estávamos todos entusiasmados, mas o Frederico deleitado estava nas suas
sete quintas, enquanto o director de instrução, o coronel Mark Rodrigues
Reynolds ia explicando num português correcto o desenrolar dos acontecimentos.
Ele quando nos fora apresentado informara que a sua mãe era portuguesa de
Angola, negra, daí ser mulato e falar a nossa língua.
Almoçámos no refeitório dos oficiais onde o Robert nos apresentou
a todos os que ali comiam e em seguida assistimos a um filme sobre a história
da Royal
Military Academy Sandhurst – RMAS. A Academia abriu suas portas em 1947, para substituir o então Royal
Military College (RMC) nas suas instalações em Sandhurst. Na verdade a tradição
no Reino Unido tem um peso enorme como já todos sabíamos.
Mas
a Escócia – que é um país – essa, pode
dizer-se que talvez a tenha maior identidade e cultura próprias e até aos dias
de hoje. Glasgow. Sendo a segunda cidade escocesa, a capital é Edimburgo, e a
maior do país, a mais industrializada e com a população mais elevada. Os
escoceses são conhecidos em todo o Mundo devido ao seu inconfundível kilt o
traje nacional sobre o qual e contam muitas anedotas. O Frederico contou uma
que fez toda a gente partir a rir:
“O Senhor general
não se importa que eu conte uma piada sobre escoceses? Nós também o fazemos com
os alentejanos e a nossa família é do Alentejo…” O Richard sorriu
amplamente e disse que estivesse à vontade, que estava habitua do e não se
chateava. E o meu mano, com cara de anjinho: “Muita gente diz que o kilt parece um sino. Sabia senhor general?” Este acenou com a cabeça que sim. “Então o que usa um escocês por baixo do
kilt? Não sabem? É o… badalo!” Para quê mencionar as gargalhadas
colectivas. Nem na sala dos espelhos duma Feira Popular.