2018-11-24



 VIVER COM UM IRMÃO PORTADOR
DE SÍNDROME DE DOWN - 18


 O baptizado

do pimpolho
e o kilt
escocês

Antunes Ferreira
Estávamos a começar a habituar-nos a ter um novo habitante em casa e já se encontrava preparado o baptizado do pimpolho. O Frederico era o mais entusiasmado desde que fora “entronizado” como padrinho e nome escolhido fora Gilberto em homenagem ao nosso pai. O mano encarregara-se a ele próprio de elaborar a lista de convidados que  queria ser extensa e nós íamos tentando travá-lo sem grande sucesso tenho de o dizer porque argumentava que se tratava do primeiro afilhado e quanto ao orçamento o limite era o… que ele quisesse pois as despesas correriam por conta dele!

Mas o padrinho abriu totalmente os cordões à bolsa dele pois convidou à sua custa o padre amigo do tio Jaime que vivia em Roma pois ele leccionava no Pontifício Colégio Português para vir oficiar o baptismo do neófito. O que aconteceu com pompa e circunstância na Igreja de Nossa Senhora de Fátima onde eu também recebera a água santa. Refiro num aparte bem disposto que o Frederico sussurrou para o sacerdote: “Cuidado, não me afogue o afilhado…” Ouvi e por pouco não soltei uma boa gargalhada! Na festa que se seguiu que decorreu no salão que a paróquia tinha criado para eventos desse tipo em parceria durante uns dois com o restaurante Gôndola e contou com um conhecido conjunto musical para a abrilhantar tinham sido mais de cem os convidados.

No dia seguinte começara a maratona no lar-doce-lar do bambino. Eram os banhos, as mudanças de fraldas, a s esterilizações dos biberons, toda uma panóplia novidade a caminho da rotina em que o novel padrinho todo ancho dava uma mãozinha e que jeito que ele tinha até a pegar no bebé e ao vê-lo nesses preparos eu ficava a matutar na pena que tinha de ele não poder ser pai nem mesmo de adoptar porque a Elena piorava a olhos vistos. Donde não tinha condições para o fazer. Por isso o baptizado era um lenitivo para a dor do meu irmão.

CR no Manchester United
e a primeira Bota de Oiro


Neste ínterim recebi um e-mail de Glasgow que me deixou espantado: era do já major-general Robert MacSpencer, escocês, que enquanto coronel tinha sido adido militar na embaixada do Reino Unido em Portugal e com o qual na minha qualidade de oficial do Exército me encontrara. E logo descobríramos que tínhamos muitas afinidades entre as quais éramos fãs do Manchester United e do Cristiano Ronaldo e quando putos verdadeiros adoradores dos insubstituíveis Beatles e outras coisas mais.


Ele a esposa Mary Anne tinham passado a ser nossos convidados para fins-de-semana no nosso monte em Aljustrel e a convite deles tínhamos passado duas semanas na casa de campo que tinham a 12 milhas (como eles usavam…) de Glasgow. Como ele se tinha passado a interessar pela história do nosso país numa das nossas conversas retive uma afirmação que não resisto a registar: “It is extraordinary and fascinating how such a small country has achieved such great results in its History!”

Noutra altura quando abordávamos os sessenta anos do domínio espanhol em Portugal sob o reinado dos três Filipes que lhe contei a maior parte do que fora a Guerra da Independência em que a mais velha aliança europeia, a luso-inglesa, continuava a funcionar em pleno e que na verdade ela não começara de facto quando rei era o D. João I, pois já na conquista de Lisboa, o nosso primeiro monarca, D. Afonso Henriques tinha sido auxiliado por cruzados ingleses que se dirigiam à Terra Santa e aqui aportaram.

Sandwich e... sanduíche

Mais ainda. A aliança não se esgotara nesses tempos pois persistiu durante séculos e ainda vigorava ainda que com altos e baixos e na altura recordo-me bem até afirmei: “mal comparado, como todos os matrimónios…” do que resultou uma galhofa de criar bicho. Já que estávamos em ambiente de boa disposição e risota disse-lhe que uma figura importante para Portugal no que respeitou à guerra contra Espanha, mais uma, de vinte e sete anos (1648-1668) na sequência da reconquista da nossa independência, fora o conde de Sandwich, que juntamente com sir Richard Southwell ambos embaixadores da Inglaterra o primeiro em Madrid e o segundo em Lisboa que assinaram o tratado de paz que pôs fim ao conflito. E de novo saíram à estacada as gargalhadas quando lhe contei que então se dizia que de Espanha a única coisa boa que viera era a… sanduíche.   

Pois o e-mail rezava: 
“Dear Armando
Mary Anne, and I myself we want to invite you and Maria Rita to spend a few days with us in our new villa in Stirling on the outskirts of Glasgow. You do not need anything else, just buy your plane tickets and we'll be waiting for you at the airport. From there we are on our own. Há ha ha.
Big hug
Robert”

Tive de telefonar ao camarada e acertámos a data da nossa vista explicando-lhe o que nos acabara de acontecer com o Gilberto júnior e por isso depois da adaptação durante dois, três meses seguiríamos, o que viria a acontecer. E além disso perguntei-lhe se não o chatearia se levássemos o Frederico que ele conhecera ali em Lisboa, ao que ele acedeu “it’s my pleasure”. O puto ficou aos cuidados da nossa mãe e da tia Elsa – já tão ocupada com a prole dela, mas sempre disponível – e assim sossegados chegámos a Heathrow e ali ficámos porque o Robert queria levar-nos à Real Academia Militar de Sandhurst da qual ele era segundo comandante surpresa que ele me queria fazer, ou melhor nos queria fazer.

O Frederico exultava! Herdara do nosso pai o feitio militar e sabia quase tudo sobre a célebre academia onde andara muita celebridade a começar por Winston Churchill, passando pelo rei Abdullha da Jordânia e na altura já o príncipe William, duque de Cambridge a frequentara.  Na manhã do dia seguinte à nossa chegada deslocámo-nos à instituição onde Robert preparraa um exercício de fogos reais para nós presenciarmos. Fazia um frio que nem vos conto e por isso foram-nos distribuídas mantas para colocarmos sobre os joelhos. De resto e por indicação do Roberto já íamos bem agasalhados.

Atacando e defendendo


O exercício foi um verdadeiro espectáculo com os cadetes atacando e defendo vários objectivos  e utilizando o armamento mais moderno e sofisticado, mostrando bem o grau de preparação deles. Estávamos todos entusiasmados, mas o Frederico deleitado estava nas suas sete quintas, enquanto o director de instrução, o coronel Mark Rodrigues Reynolds ia explicando num português correcto o desenrolar dos acontecimentos. Ele quando nos fora apresentado informara que a sua mãe era portuguesa de Angola, negra, daí ser mulato e falar a nossa língua.

Almoçámos no refeitório dos oficiais onde o Robert nos apresentou a todos os que ali comiam e em seguida assistimos a um filme sobre a história da Royal Military Academy Sandhurst – RMAS. A Academia abriu suas portas em 1947, para substituir o então Royal Military College (RMC) nas suas instalações  em Sandhurst. Na verdade a tradição no Reino Unido tem um peso enorme como já todos sabíamos.

Mas a Escócia –  que é um país – essa, pode dizer-se que talvez a tenha maior identidade e cultura próprias e até aos dias de hoje. Glasgow. Sendo a segunda cidade escocesa, a capital é Edimburgo, e a maior do país, a mais industrializada e com a população mais elevada. Os escoceses são conhecidos em todo o Mundo devido ao seu inconfundível kilt o traje nacional sobre o qual e contam muitas anedotas. O Frederico contou uma que fez toda a gente partir a rir: 

Ena pai, tantos kilts e gaitas de foles

O Senhor general não se importa que eu conte uma piada sobre escoceses? Nós também o fazemos com os alentejanos e a nossa família é do Alentejo…” O Richard sorriu amplamente e disse que estivesse à vontade, que estava habitua do e não se chateava. E o meu mano, com cara de anjinho: “Muita gente diz que o kilt parece um sino. Sabia senhor general?” Este acenou com a cabeça que sim. “Então o que usa um escocês por baixo do kilt? Não sabem? É o… badalo!” Para quê mencionar as gargalhadas colectivas. Nem na sala dos espelhos duma Feira Popular.