Entrevista explicativa
Antunes
Ferreira
Tudo te o seu início e também o seu fim –
uma verdade bem própria do Monsieur de La Palice – que não é para aqui chamado,
apenas citado para enquadrar a estória que adiante conto. Isto porque, por
força da sua aparente «independência» perante Moscovo, o ditador romeno Nicolae Ceauşescu andava nas
bocas do mundo. E como tal, meteu-se-me na cachola ir a Bucareste para o
entrevistar. E assim aconteceu.
Fomos até lá, a Raquel (gozando do bilhete
grátis como funcionária da TAP) e eu; e como o autor destas linhas era um «tipo
importante» pois ia entrevistar o camarada presidente, a estadia era uma oferta
do Estado Romeno. Enquanto esperávamos pela data da entrevista fomos dar uma
volta pelo país. E foi durante ela que sucedeu o episódio que se segue com
alguma piada – penso eu…
Noite de núpcias
Deixem-me que
vos explique que a estória decorreu na
Roménia dos tempos do camarada Ceauşescu. Sendo um
povo (a antiga Dacia, daí o nome dos automóveis) que foi invadido e colonizado
pelos Romanos, o país tem uma língua novilatina, aliás em muitos casos bem parecidos com a nossa – até no humor.
Eles também têm o seu Zé Povinho, não
«atiradiço» como este: possuem o Bula, um Zé naif, ingénuo, um tanto
burro; o termo joga com pula (que em calão obviamente romeno é o órgão
masculino). Sobre o pobre e triste «herói» da estória, resta acrescentar que
ela me foi contada pelo camarada Florica Ceauşescu, irmão do manda-chuva, por
este colocado como redactor «agrícola» no «Scînteia», o diário do Partido Comunista. Nepotismo?
Abreviando. O bom do Bula casou com uma tal Elena
Martinescu, virgem (pelo menos argumentava ela) de família
moderadamente marxista-leninista, mas de fracas posses. Com a habitual falta de
habitação – mas onde é que eu já li, vi e ouvi isto? – foram viver
para o apartamento dos pais do noivo. Até aqui, tudo bem.
A seguir é que foram elas. Uma porra: aqui é que a
porca torce o rabo!(em romeno mais ou menos
corrente: rahat: porcul isi rasuceste
coada!)
Na manhã seguinte à primeira noite de núpcias,
o pai do Bula deu com a nova nora pior do que estragada a fazer
a mala. «Minha querida Elena, o que se passa? Correu alguma coisa mal?
??» E ela, furibunda, nem sequer tomando o pequeno-
almoço: « Socrul meu (Meu sogro) não venha fo..., ups, lixar os
cornos, correu TUDO MAL!!! O seu filho é uma besta, um incapaz,
mal sabia eu com quem me casaria! Vou já voltar para a casa dos meus
pais!!!»
O pai do recem-casado tentou deitar água na
fervura: «Mas, draga mea fiică (minha querida filha)
diz-me o que aconteceu?» E ela, soluçando: «O Bula, deitou-se
ao meu lado, deu-me um casto beijo na testa, desejou-me boas noites e
até amanhã, virou-se para o lado e sem mais aquelas começou a ressonar
em dó menor – que até metia dó!»
O sogro empalideceu e tentou apaziguar a Elena
(ainda que sem recorrer a truques trumpídios) dizendo-lhe que ia
imediatamente falar com o filho e explicar-lhe o que devia fazer; que tudo não
não passara de um mal-entendido e que, estivesse
ela descansada que tudo acabaria em bem. Um tanto
desconfiadaesconfiada Elena acedeu - mas se as
coisas dessem para o torto, ala que se faz tarde!
O apartamento tinha uma varanda que dava para a
praça pública. O pai chamou o Bula para a balaústra e mostrou-lhe
lá em baixo, junto ao coreto, um cão e uma cadela (un câine și o cățea)
dando uma realíssima pinocada. «Estás a ver, meu filho, é isso que
tens de fazer para que a Elena e tu próprio fiquem felizes! Entendeste
agora?» O ingénuo descendente: «Percebi perfeitamente e agora
já sei o que tenho de fazer!»
Nova noite e nova manhã e nova cara de felicidade da Elena.
E o sogro: «Desta vez, pelo teu sorriso, vejo que correu tudo bem...»
E ela, sem pejo nem rebuço: «Muitíssimo bem!!! O único
senão foi termos ido para a praça pública...»