2024-07-28


 

Entrevista explicativa

 

Antunes Ferreira

Tudo te o seu início e também o seu fim – uma verdade bem própria do Monsieur de La Palice – que não é para aqui chamado, apenas citado para enquadrar a estória que adiante conto. Isto porque, por força da sua aparente «independência» perante Moscovo,  o ditador romeno Nicolae Ceauşescu andava nas bocas do mundo. E como tal, meteu-se-me na cachola ir a Bucareste para o entrevistar. E assim aconteceu.

Fomos até lá, a Raquel (gozando do bilhete grátis como funcionária da TAP) e eu; e como o autor destas linhas era um «tipo importante» pois ia entrevistar o camarada presidente, a estadia era uma oferta do Estado Romeno. Enquanto esperávamos pela data da entrevista fomos dar uma volta pelo país. E foi durante ela que sucedeu o episódio que se segue com alguma piada – penso eu…

 

Noite de núpcias

 

Deixem-me que vos explique que a estória  decorreu na Roménia dos tempos do camarada Ceauşescu. Sendo um povo (a antiga Dacia, daí o nome dos automóveis) que foi invadido e colonizado pelos Romanos, o país tem uma língua novilatina, aliás em muitos casos bem  parecidos com a nossa – até no humor.

Eles também têm o seu Zé Povinho, não «atiradiço» como este: possuem o Bula, um Zé naif, ingénuo, um tanto burro; o termo joga com pula (que em calão obviamente romeno é o órgão masculino). Sobre o pobre e triste «herói» da estória, resta acrescentar que ela me foi contada pelo camarada Florica Ceauşescu, irmão do manda-chuva, por este colocado como redactor «agrícola» no «Scînteia», o diário do Partido Comunista. Nepotismo?



Abreviando. O bom do Bula casou com uma tal Elena
 Martinescu, virgem (pelo menos argumentava ela) de família 
moderadamente  marxista-leninista, mas de fracas posses. Com a habitual falta de
habitação – mas onde é que eu já li, vi e ouvi isto? – foram viver
para  o apartamento dos pais do noivo. Até aqui, tudo bem. 
A seguir é que foram elas. Uma porra: aqui é que a
porca torce o rabo!(em romeno mais ou menos
corrente: rahat: porcul isi rasuceste 
coada!)
Na manhã seguinte à primeira noite de núpcias, 
o pai do Bula deu com a nova nora pior do que estragada a fazer 
a mala. «Minha  querida Elena, o que se passa? Correu alguma coisa mal?
??» E ela, furibunda, nem sequer tomando o pequeno-
almoço: « Socrul meu (Meu sogro) não venha fo..., ups, lixar os 
cornos, correu TUDO MAL!!! O seu filho é uma besta, um incapaz, 
mal sabia eu com quem me casaria! Vou já voltar para a casa dos meus
pais!!!»
O pai do recem-casado tentou deitar água na 
fervura: «Mas, draga mea fiică (minha querida filha)
diz-me o que aconteceu?» E ela, soluçando: «O Bula, deitou-se 
ao meu lado, deu-me um casto beijo na testa, desejou-me boas noites e 
até amanhã, virou-se para o lado e sem mais aquelas começou a ressonar
em dó menor – que até  metia dó!»
O sogro empalideceu e tentou apaziguar a Elena 
(ainda que sem recorrer a truques trumpídios) dizendo-lhe que ia 
imediatamente falar com o filho e explicar-lhe o que devia fazer; que tudo não 
não passara de um mal-entendido e que, estivesse 
ela descansada que tudo acabaria em bem. Um tanto 
desconfiadaesconfiada Elena acedeu - mas se as 
coisas dessem para o torto, ala que se faz tarde!


O apartamento tinha uma varanda que dava para a 
praça pública. O pai chamou o Bula para a balaústra e mostrou-lhe
lá em baixo, junto ao coreto, um cão e uma cadela (un câine și o cățea) 
dando uma realíssima pinocada. «Estás a ver, meu filho, é isso que 
tens de fazer para que a Elena e tu próprio fiquem felizes! Entendeste
 agora?»  O ingénuo descendente: «Percebi perfeitamente e agora
 já sei o que tenho de fazer!»
Nova noite e nova manhã e nova cara de felicidade da Elena. 
E o sogro: «Desta vez, pelo teu sorriso, vejo que correu tudo bem...» 
E ela, sem pejo nem rebuço: «Muitíssimo bem!!! O único
senão foi termos ido para a praça pública...»