Quando eu for grande
Antunes Ferreira
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uando cheguei aos sete anos entrei para a escola como era usual naquele
tempo, não havia pré-primária nem infantários. O estabelecimento de ensino
tinha o nome pomposo Colégio Mouzinho da Silveira (que bastantes anos depois
apareceria na nota de quinhentos escudos) e ficava entre a avenida de Berna e a
estrada das Laranjeiras com o Horto de Lisboa em frente, onde hoje é praça de
Espanha. Os carros eléctricos, uns quantos deles abertos, passavam junto ao
passeio e a directora era a Dona Clélia Marques
Manequim e meio... |
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ecidi então que quando fosse grande queria ser manequim de montra. Foi uma
decisão irrevogável. Porém no ano seguinte o meu primo Jacinto (Bibi para a
família e adjacentes que tinha mais seis anos do que eu e já andava no Passos
Manuel) alertou-me que os manequins eram muito parados e se persistisse na
minha decisão irrevogável tinha de pensar que assim não poderia saltar ao eixo,
jogar à macaca, ao toca e foge, atirar o pião à unha e assim por diante.
... com capacete e tudo |
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econsiderei e na segunda classe a minha preferência irrevogável mudou-se
com armas e bagagens para vir a ser, quando crescido, mergulhador com capacete
e tudo à procura duma nau portuguesa carregada de especiarias naufragada em
1608 quando vinha de Goa para Lisboa. Meu dito, meu feito, ou melhor nem meio
foi. Votou à carga o Bibi que os mergulhadores usavam botas com sola de chumbo
para se poder movimentar na cave do mar, 1º. direito.
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acacos me
mordessem, tinha de pré-arranjar emprego quando fosse crescido, pelo que na
terceira classe retirei-me do Mundo para meditação assim a modos que um ano
sabático, mas estudando os substantivos, adjectivos, pronomes diversos e
predicados e seus complementos, sujeitos e conjugações dos verbos ser, estar e
ter, perfeitamente irregulares. A dona Atília, viúva com um buço tamanho que
fazia inveja a qualquer guarda- nocturno com espada, era a professora de
palmatória sempre disponível para quem cabulasse ou não tivesse feito os TPC.
N
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o segundo ano do Camões arrumei a questão quanto ao meu futuro quando fosse
grande; cada dia seria assim: de manhã padre, de tarde bombeiro. Os meus pais
não acharam graça nenhuma à solução e a minha mãe ameaçou-me com a colher de
pau com que administrava a justiça. Estive-me nas tintas (mas não da miserável
colher de pau…) Tinha tomado uma decisão irrevogável. Nessa altura, se já
existisse – o que felizmente ainda não acontecia - o Portas, batia-o por 7-0,
com três golos do Peyroteo e quatro dos outros Cinco Violinos…