2016-06-12

  



Quando eu for grande

Antunes Ferreira
Q
uando cheguei aos sete anos entrei para a escola como era usual naquele tempo, não havia pré-primária nem infantários. O estabelecimento de ensino tinha o nome pomposo Colégio Mouzinho da Silveira (que bastantes anos depois apareceria na nota de quinhentos escudos) e ficava entre a avenida de Berna e a estrada das Laranjeiras com o Horto de Lisboa em frente, onde hoje é praça de Espanha. Os carros eléctricos, uns quantos deles abertos, passavam junto ao passeio e a directora era a Dona Clélia Marques

Manequim e meio...

  
D
ecidi então que quando fosse grande queria ser manequim de montra. Foi uma decisão irrevogável. Porém no ano seguinte o meu primo Jacinto (Bibi para a família e adjacentes que tinha mais seis anos do que eu e já andava no Passos Manuel) alertou-me que os manequins eram muito parados e se persistisse na minha decisão irrevogável tinha de pensar que assim não poderia saltar ao eixo, jogar à macaca, ao toca e foge, atirar o pião à unha e assim por diante.

... com capacete e tudo
  
R
econsiderei e na segunda classe a minha preferência irrevogável mudou-se com armas e bagagens para vir a ser, quando crescido, mergulhador com capacete e tudo à procura duma nau portuguesa carregada de especiarias naufragada em 1608 quando vinha de Goa para Lisboa. Meu dito, meu feito, ou melhor nem meio foi. Votou à carga o Bibi que os mergulhadores usavam botas com sola de chumbo para se poder movimentar na cave do mar, 1º. direito.

M
acacos me mordessem, tinha de pré-arranjar emprego quando fosse crescido, pelo que na terceira classe retirei-me do Mundo para meditação assim a modos que um ano sabático, mas estudando os substantivos, adjectivos, pronomes diversos e predicados e seus complementos, sujeitos e conjugações dos verbos ser, estar e ter, perfeitamente irregulares. A dona Atília, viúva com um buço tamanho que fazia inveja a qualquer guarda- nocturno com espada, era a professora de palmatória sempre disponível para quem cabulasse ou não tivesse feito os TPC.

 
 Só de passeio

C
heguei à quarta classe com prova de admissão ao liceu, que foi o Camões, e antes de me aventurar nas linhas férreas de todo o Portugal continental, rios e seus afluentes, quebrados e outros que tais avancei no propósito de ser calceteiro marítimo. O maldito primo Bibi advertiu-me que dapensava que tal profissão não existia, só havendo os dos passeios, e a existir um homem não tirava os pés da calçada Propus-lhe ser super-homem, e desfazendo na minha nova intenção, também não lhe parecia viável porque o tipo passava a vida a voar e eu tinha vertigens ou seja era acrofóbico. Fiquei na mesma, pelo que consultei o Dicionário Torrinha e vi que era quase a mesma coisa.

Os Cinco Violinos



N
o segundo ano do Camões arrumei a questão quanto ao meu futuro quando fosse grande; cada dia seria assim: de manhã padre, de tarde bombeiro. Os meus pais não acharam graça nenhuma à solução e a minha mãe ameaçou-me com a colher de pau com que administrava a justiça. Estive-me nas tintas (mas não da miserável colher de pau…) Tinha tomado uma decisão irrevogável. Nessa altura, se já existisse – o que felizmente ainda não acontecia - o Portas, batia-o por 7-0, com três golos do Peyroteo e quatro dos outros Cinco Violinos…