Bombas & bombas, SARL
Antunes Ferreira
Para desanuviar num tempo em que o mundo entrou numa catadupa de
emoções qual delas mais complicada do que outra segue-se uma estória que se não
é verdadeira – e duvido que o seja – tem o mérito de fazer sorrir o que não é,
de todo, despiciendo. Convém recordar aqui que no Brasil Lula reuniu-se com as
chefias das três Forças Armadas numa tentativa de contar espingardas para o que
desse e viesse.
Por lado da guerra na Ucrânia a questão mais dominante nos bastidores
continua a ser a entrega de material combatente por parte dos países
ocidentais, nomeadamente da NATO, mas também dos Estados unidos. São milhões e
milhões de armas, munições, equipamentos hospitalares, etc.
No meio disto tudo
continua em aberto a posição no mínimo dúbia de Berlim sobre o envio dos poderosos
tanques Leopard 2 que no entender de Zelensky podem inclinar a vitória da guerra
para Kiev. Portanto é neste contexto que se deve entender a estória irónica que
se segue.
Explicação em má ocasião
Contaram-me primeiro
como uma anedota no “Procópio” bar antro de políticos, artistas, baladeiros e
jornalistas à procura de novidades do recente 25 de Abril, mas depois
confirmado pelo então aspirante a oficial miliciano do Regimento de Lanceiros 2
(Polícia Militar) – a que eu também pertenci – Chico Portas como tendo sido
verdadeiro, mas difícil de acreditar. Na tropa e sobretudo na cavalaria – mesmo
com cavalos de carne e osso e dos da potência dos motores de combustão – tudo é
possível; eu que o diga porque o vivi.
Adiante. A ocorrência começou
em frente ao Quartel-General do Governo Militar de
Lisboa. Ao tempo instalado estava ali instalado no Palácio Vilalba no largo São
Sebastião da Pedreira. Era o dia 12 de Maio e a cidade continuava a fervilhar,
o povo saía à rua, havia greves por tudo o que era sitio, ninguém sabia onde
estava a autoridade ou se sabia ignorava-a alegre e insolentemente. Eram as
sequelas da maravilhosa revolução cujo preço haveria de ser pago, sim, mas lá
para as calendas gregas…
O Chico Portas estava de Oficial de Serviço pois o
Oficial de Dia, o capitão Justino Rodrigues que passara a noite acordado dormia
agora o sono dos justos (num aparte, quando envergava o uniforme sempre me
parece um contrassenso um oficial e dia trabalhar à noite…) e estava a ler A
Montanha Negra do Rex Stout criador dessas figuras sublimes do romance
policial Nero Wolf e o seu ajudante Archie Goodwhin. Mais uma adenda: ambos
somos doidos pelos policiais…
Inesperada foi a entrada duma sentinela um tanto açodada que lhe
pediu para se deslocar à parada pois tinha acabado de acontecer uma bronca
fodida! “Alguém morreu?” perguntou Portas já empunhando a Walter
regulamentar. E a praça que nem tinha feto a continência devida: #Não, meu
aspirante, nada disso, mas quase!”
E foram-se ambos. No meio da parada, entre uns quantos soldados, dois
furriéis milicianos e um primeiro-sargento, encontrava-se um civil bastante
abananado, cheio de nódoas negras, arranhões, olhos intumescidos, cabelo
esgrouviado, resumindo, uma lástima resultante duma valentíssima carga de
porrada. Portas, horrorizado, estacou e dirigiu-se ao sargento, o mais
qualificado e superior hierárquico naquela trama:
“Sargento
Malaquias pode dizer-me exactamente o
que se passou e qual a razão por que este civil está neste estado?” Daniel
Malaquias continentou deu um passo em frente (os detalhes usados pelo oficial
chegavam a ser comoventes…) e disparou: “Saiba vossa senhoria meu aspirante
que eu acabei de chegar aqui e portanto do que antes sucedeu esta completa e
absolutamente in albis. Talvez o soldado 18674/57 que deteve o civil
possa dar melhor esclarecimento. E mais não digo, porque mais não a posso
dizer.” Bateu os calcanhares, fez a continência, e à ordem de “à
vontade!” do Portas deu meia volta um passo atrás e ficou-se. No entanto
e ainda segundo o Chico Portas pareceu-lhe impante com o latinório in albis.
O 18674/57, de seu nome Arlindo Silva (quantos Silvas haverá neste
país plantado á beira mar como escreveu em meados do século XIX o poeta
Tomás Ribeiro?) não teve qualquer problema quanto ao contar da estória de forma
perfeitamente apreensível – o que deixou todos os presentes bem dispostos
excepto o civil Edmundo Barrigas.
Fora assim, segundo o bravo Arlindo: “Acabava de render um camarada,
o 13492/57, o “Pintas” de Oleiros, quando vi chegar este civil (que depois
soube que se chamava Barrigas) conduzindo um carrinho de mão tapado com uma
lona. Nos tempos que correm os nossos oficiais e não só, têm-nos alertado para
os perigos do que nos pareçam suspeitos. Por isso chamei para junto a mim o
gabiru.”
“Homem prevenido…
Perguntei-lhe o que levava no carrinho e ele
pareceu hesitar. Engatilhei a Mauser e repeti a pergunta. Aí
o sacana respondeu-me: é uuummmaaa booommmbbbaaa…” A assistência que já
sabia da conclusão do que ocorrera soltou as gargalhadas que militarmente
conseguira reter.
“Nem esperei por mais, afinfei-lhe a primeira coronhada,
seguida dumas estaladas no focinho enquanto bradava Ás
armas! Acorreram mais camaradas e levámos o homem e o carrinho para dentro
onde mais gajada molhou a sopa e eu destapei o carrinho. Surpresa: era uma
bomba sim, mas daquelas de tirar água dum poço!..”
Enquanto se foi buscar a caixa dos primeiros socorros para tratar o
Barrigas o Portas condoído perguntou-lhe pondo-lhe a sua mão direita no ombro
dele: “Mas porque raio de razão o senhor não disse logo à sentinela o que
levava no carrinho?” E ele já
pintado de mercurocromo e tintura de iodo e pontuado de pensos Band-Aid gaguejando:
“Ssseee eeuu diiisseeessseee booommmbbaaa já não diziaaa águuuaaa…”