2023-01-21



 Bombas & bombas, SARL

 

Antunes Ferreira

Para desanuviar num tempo em que o mundo entrou numa catadupa de emoções qual delas mais complicada do que outra segue-se uma estória que se não é verdadeira – e duvido que o seja – tem o mérito de fazer sorrir o que não é, de todo, despiciendo. Convém recordar aqui que no Brasil Lula reuniu-se com as chefias das três Forças Armadas numa tentativa de contar espingardas para o que desse e viesse.

 

Por lado da guerra na Ucrânia a questão mais dominante nos bastidores continua a ser a entrega de material combatente por parte dos países ocidentais, nomeadamente da NATO, mas também dos Estados unidos. São milhões e milhões de armas, munições, equipamentos hospitalares, etc.

 


 No meio disto tudo continua em aberto a posição no mínimo dúbia de Berlim sobre o envio dos poderosos tanques Leopard 2 que no entender de Zelensky podem inclinar a vitória da guerra para Kiev. Portanto é neste contexto que se deve entender a estória irónica que se segue.

 

Explicação em má ocasião

 

Contaram-me primeiro como uma anedota no “Procópio” bar antro de políticos, artistas, baladeiros e jornalistas à procura de novidades do recente 25 de Abril, mas depois confirmado pelo então aspirante a oficial miliciano do Regimento de Lanceiros 2 (Polícia Militar) – a que eu também pertenci – Chico Portas como tendo sido verdadeiro, mas difícil de acreditar. Na tropa e sobretudo na cavalaria – mesmo com cavalos de carne e osso e dos da potência dos motores de combustão – tudo é possível; eu que o diga porque o vivi.


 

Adiante. A ocorrência começou em frente ao Quartel-General do Governo Militar de Lisboa. Ao tempo instalado estava ali instalado no Palácio Vilalba no largo São Sebastião da Pedreira. Era o dia 12 de Maio e a cidade continuava a fervilhar, o povo saía à rua, havia greves por tudo o que era sitio, ninguém sabia onde estava a autoridade ou se sabia ignorava-a alegre e insolentemente. Eram as sequelas da maravilhosa revolução cujo preço haveria de ser pago, sim, mas lá para as calendas gregas…

 

O Chico Portas estava de Oficial de Serviço pois o Oficial de Dia, o capitão Justino Rodrigues que passara a noite acordado dormia agora o sono dos justos (num aparte, quando envergava o uniforme sempre me parece um contrassenso um oficial e dia trabalhar à noite…) e estava a ler A Montanha Negra do Rex Stout criador dessas figuras sublimes do romance policial Nero Wolf e o seu ajudante Archie Goodwhin. Mais uma adenda: ambos somos doidos pelos policiais…

  

Inesperada foi a entrada duma sentinela um tanto açodada que lhe pediu para se deslocar à parada pois tinha acabado de acontecer uma bronca fodida! “Alguém morreu?” perguntou Portas já empunhando a Walter regulamentar. E a praça que nem tinha feto a continência devida: #Não, meu aspirante, nada disso, mas quase!”

 

E foram-se ambos. No meio da parada, entre uns quantos soldados, dois furriéis milicianos e um primeiro-sargento, encontrava-se um civil bastante abananado, cheio de nódoas negras, arranhões, olhos intumescidos, cabelo esgrouviado, resumindo, uma lástima resultante duma valentíssima carga de porrada. Portas, horrorizado, estacou e dirigiu-se ao sargento, o mais qualificado e superior hierárquico naquela trama:

 


“Sargento Malaquias pode dizer-me exactamente o que se passou e qual a razão por que este civil está neste estado?” Daniel Malaquias continentou deu um passo em frente (os detalhes usados pelo oficial chegavam a ser comoventes…) e disparou: “Saiba vossa senhoria meu aspirante que eu acabei de chegar aqui e portanto do que antes sucedeu esta completa e absolutamente in albis. Talvez o soldado 18674/57 que deteve o civil possa dar melhor esclarecimento. E mais não digo, porque mais não    a  posso dizer.” Bateu os calcanhares, fez a continência, e à ordem de “à vontade!” do Portas deu meia volta um passo atrás e ficou-se. No entanto e ainda segundo o Chico Portas pareceu-lhe impante com o latinório in albis.

 

O 18674/57, de seu nome Arlindo Silva (quantos Silvas haverá neste país plantado á beira mar como escreveu em meados do século XIX o poeta Tomás Ribeiro?) não teve qualquer problema quanto ao contar da estória de forma perfeitamente apreensível – o que deixou todos os presentes bem dispostos excepto o civil Edmundo Barrigas.

 

Fora assim, segundo o bravo Arlindo: “Acabava de render um camarada, o 13492/57, o “Pintas” de Oleiros, quando vi chegar este civil (que depois soube que se chamava Barrigas) conduzindo um carrinho de mão tapado com uma lona. Nos tempos que correm os nossos oficiais e não só, têm-nos alertado para os perigos do que nos pareçam suspeitos. Por isso chamei para junto a mim o gabiru.”

 

“Homem prevenido… Perguntei-lhe o que levava no carrinho e ele pareceu hesitar. Engatilhei a Mauser e repeti a pergunta. Aí o sacana respondeu-me: é uuummmaaa booommmbbbaaa…” A assistência que já sabia da conclusão do que ocorrera soltou as gargalhadas que militarmente conseguira reter.

 

“Nem esperei por mais, afinfei-lhe a primeira coronhada, seguida dumas estaladas no focinho enquanto bradava Ás armas! Acorreram mais camaradas e levámos o homem e o carrinho para dentro onde mais gajada molhou a sopa e eu destapei o carrinho. Surpresa: era uma bomba sim, mas daquelas de tirar água dum poço!..”

 

Enquanto se foi buscar a caixa dos primeiros socorros para tratar o Barrigas o Portas condoído perguntou-lhe pondo-lhe a sua mão direita no ombro dele: “Mas porque raio de razão o senhor não disse logo à sentinela o que levava no carrinho?”  E ele já pintado de mercurocromo e tintura de iodo e pontuado de pensos Band-Aid gaguejando: “Ssseee eeuu diiisseeessseee booommmbbaaa já não diziaaa águuuaaa…”