Amar e ser amado
*De Vila Nova de Cerveira a Lisboa
Antunes
Ferreira
Olímpio era um jovem com 22 anos, solteiro, natural de Vila Nova de Cerveira,
com o 8º de escolaridade e ainda tentando ser estudante para quê não sabia puto…
Os habitantes da vila olhavam-no com as pestanas cerradas dando-lhe um ar de «não
sei quê» dúbio e insinuante. Cansado daquela pasmaceira de vida resolveu ir até
um lugar citadino: Lisboa. Meteu os tarecos num trólei com rodinhas, apanhou um
autocarro da Rodoviária Nacional, já no Porto meteu-se no Intercidades chegando
a Lisboa à Gare Oriente Pelas sete e meia horas da tarde. Trazia um magro
pecúlio de 3.000 fruto da venda de terrenos rurais – herança da sua mãe já falecida
bem como seu pai e avós. Era assim completamente órfão. Mas tinha de
pernoitar. Por isso deitou-se num banco corrido da Gare servindo-lhe de colchão
o sobretudo dobrado e de almofada um dos seus casacos igualmente dobrados. Como
era uma terça-feira, na quarta iria arranjar um quarto numa pensão rasca.
Pelas oito horas da manhã, mais coisa menos coisa, tomou o pequeno-almoço no restaurante-bar da Gare: uma sandes de pão e fiambre com manteiga em pão de forma sem côdea, acompanhada por um copo de leite açucarado, e procurando por um computador na Loja dos CTT da Gare descobriu que só havia quartos para alugar em nome de pessoas diversas.
Gare do Oriente
Como
nunca estivera na capital tentou imaginar um local “simpático”. Por isso continuou
o que vinha fazendo e procurou (porque lhe pareceu patusco o vocábulo Rato.)
Para lá chegar utilizou um meio de transporte que desconhecia: o elétrico! Aquele
carro amarelo em forma de caixa de sapatos, todo metálico no exterior, deslizando
sobre carris e com um “pau” espetado, no cimo do “bicho” o ligava a um cabo que,
pensava o Olímpio, ser de eletricidade.
No Largo do Rato entrou numa leitaria e perguntou ao empregado e
possivelmente proprietário se sabia onde havia quartos para alugar e já agora
talvez soubesse o nome do dono do andar. O senhor, dos seus sessentas e muitos
anos, sabia tudo do Rato. No número 87, segundo andar, 2º esquerdo mora a
Senhora Dona Laurinda da Purificação que ainda tem um quarto disponível. Os
quartos são bons, ele, o senhor da leitaria dava pelo nome de “Chico”
Rodrigues, já os visitara a convite da Laurinda, o serviço inclui cama, lençóis
e almofada lavados e passados a ferro, as três refeições e um preço módico. O
último, dum Manuel Gorjão, falecido, era de 200 €. mensais. Olímpio lá se
dirigiu. A Senhora Dona Laurinda recebeu-o afavelmente e informou-o dos
procedimentos a seguir que correspondiam às informações do Rodrigues.
Na sala de jantar Olímpio conheceu os seus companheiros que ali também
alugavam quartos: o Senhor Renato Humberto Alves Costa, segundo-secretário do
Ministério das Finanças ao Terreiro do Paço e o Senhor Miguel Vitorino Silva
Sarzedas vice director dum ateliê de informática o INFOREMP, situada na Avenida
Almirante Réis nº 278 r/chão cujo director era o arquitecto Carlos Money Brito
de Maldonado (barão de Alcabideche). Feitas as apresentações (é a altura de - como sou o Olímpio - passo a escrever este artigo como eu) descobri que
eles me eram simpáticos. E ficando na sala de estar que era acoplada à de
jantar com dois cadeirões e um canapé em napa sintética a imitar couro,
perguntei-lhes se conheciam alguém que precisasse de um empregado e referi-lhes
as minhas mais ou menos modestas habilitações escolares.
Logo o Silva Salzedas me disse: «Você, Mendes da Silva, deve ter nascido com o cu (desculpe-me o vernáculo…) virado prá Lua. Lá na INFOREMP há um lugar vago no nível mais baixo. Contudo, se quiser amanhã acompanha-nos para conhecer o engenheiro que é um tipo porreiraço e conversamos. Sendo ele o patrão e se o quiser admitir – é tiro e queda. E foi deste modo que arranjei emprego e a manira de chegar do Rato à Almirante Réis.
Pois bem, é através do Metro, ainda que com algumas intermitências, porque certas zonas ainda em construção reclamam meios alternativos. Ficou combinado o seguinte: salário – 900€; categoria – ajudante de primeiro secretário, horário: de segunda-feira à sexta: das oito horas da manhã ao meio-dia; intervalo para o almoço: uma hora; da parte da tarde: da uma hora até às seis horas e meia. Para entrar com o pé direito começaria na segunda-feira.
Nesse mesmo dia logo no escritório da INFOREMP aterrado descobri uma
coisa de que na Cerveira já suspeitava. Ao olhar para os trabalhadores da
empresa (incluindo o engenheiro e os dois meus companheiros da casa da dona Laurinda):
gostava de homens! Era homossexual, ou como diz maldosamente a populaça “paneleiro”!!!!!!
Claro que não podia dizê-lo a ninguém! Mesmo para mim só no pensamento descobri
que “tirara do meu armário o meu esqueleto…” Mais havia outra coisa: o
engenheiro Brito de Maldonado era bonito. Cabelo moreno ondulado, olhos negros,
boca sensual, corpo ginasticado, etc.
Sonhava-me beijar-lhe a boca, apalpar-lhe o pénis completa e orgulhosamente erguido e por
aí adiante, desde que – claro – ele correspondesse! Pobre engenheiro sem o
saber, ver-se envolvido em tais sacanagens em pensamento… Nem pensar!!!! Mas
resumindo e concluindo, sou mesmo homossexual.
A partir de agora só me falta um namorado… ando há dias a procurar encontrar o homem que será da minha vida. Debalde, não me aparece ninguém. Bem olho à minha volta, mas só descubro mancebos normalíssimos, com óculos graduados, normais escuros ray-ban, com barbas, com barbas-e-bigodes, com bigode, com cabelo espetado tipo escova, com cabeça rapada, com tatuagens, altos, baixos, negros, asiáticos, mestiços, aborígenes, angolanos, moçambicanos, coreanos, tailandeses, chineses et alium. Estava a sentir-me derrotado, desmoralizado e os dias iam passando e eu só, solitário, sozinho desacompanhado, bicho do mato e outros que tais, quando, num dia de chuva, estava no dia 27 de Janeiro do ano corrente (2023), quando entrava no Metro, na linha amarela.
Alelíuia!!
Cruzei os olhos com um rapagão pendurado duma alça (o comboio ia a rebentar
pelas costuras…), 1,89 m. espadaúdo, enfim boa figura e descobri que tinha
encontrado, finalmente, o meu namorado. Numa ténue tentativa de aproximação,
sorri-lhe – e ele também me sorriu. Saímos na mesma estação. E num jacto, cheguei-me
a ele e perguntei-lhe sem parar: «Quem és tu? Como te chamas? Queres ir beber
qualquer coisa comigo? Onde vives?» E ele dando-me, carinhosamente a mão direita, respondeu-me: «Sou engenheiro civil, chamo-me Marcelo Pires Matias Gonçalves, vivo
no Restelo, sou proprietário duma moradia na rua dos Soldados da Índia, Nº 127,
com dois pisos, piscina e sauna, o que quer dizer que vivo bem, pode dizer-se
que sou rico. Adoro faisão no forno com arroz basmati á moda de Goa, pargo
assado no sal, nadar tipo tartaruga (sei usar os outros três estilos), jogar
ténis e bilhar, bridge e… “bisca lambida”. Queres que te diga mais?»
Eu comia-o com os meus olhos absolutamente deslumbrado, glorificado, com uma
tesão no pénis de levantar as trusses
e as calças! Fomos logo rapidamente cumprir o programado, ou seja, no
bar-restaurante da Gare (que eu já aquando da minha chegada a Lisboa utilizara)
o Marcelo bebeu um gin Gordon’s com água tónica e eu um uísque Bushmills rótulo
negro com duas pedras de gelo. No jantar, acompanhei-o no faisão no forno com
arroz basmati á moda de Goa e pargo assado no sal. Sem perder tempo
metemo-nos no BMW que ele tinha e mal entrámos na casa foi um rebuliço dos mil
diabos: beijos ardentes, mãos nas coisas, coisas nas mãos até que subimos ao
segundo andar onde o meu Marcelo tinha o quarto de dormir...
Foi então que nos despimos… E a discrição fica por aqui pois os nossos leitores talvez mais púdicos não achariam conveniente mais descaradas divagações… passámos a noite de princípio acordados (percebe-se porquê…) e depois fumámos eu um cigarro "Português Suave", o Marcelo um charuto Cohiba
duma caixa que – disse-me sempre tinha uma caixa na sua casa – que de resto ele me propôs que passava a ser nossa -- e finalmente adormecemos na paz dos anjos. Por uma questão de princípio continuo a trabalhar na EMPOREMP onde já cheguei a vice subdiretor. Tudo seguia de vento em popa, mas faltava-nos uma coisa? O que era? O casamento civil.
Recordo que
pela Lei nº 92010 de 21/5/2010 casámo-nos na Conservatória do Registo Civil de
Lisboa, na rua Rodrigo da Fonseca nº 198. Foram padrinhos os amigos Alves Costa
e Silva Sarzedas e madrinhas a Laurinda Gomes e a única empregada/cozinheira
Leocádia Silva. Seguiu-se um copo d’água servido por um dos melhores
restaurantes da capital o Belcanto, onde entre maravilhosas iguarias foi
servido um champanhe Moet & Chandon Brut Imperial e caixas de (charutos
já conhecidos nesta crónica) Cohiba. No entanto nem tudo acaba com o fim… O
feliz casal adorava adoptar um miúdo ou uma miúda. Porém aqui as rocas fiam
mais fino. E só em 2016 a Assembleia da República aprovou essa adopção. E entre
os órfãos instalados no Infantário da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa,
escolhes um rapazinho de seis anos, negro, nascido em Cascais, filho de pais
santomenses, de seu nome Nuno a que se juntou Olímpio e Carlos. «Tout est bien
qui finit bien»!!!!