Uma estória de convento
*Uma feira, duas freiras e um homem
Antunes Ferreira
Como era
habitual, a madre superiora encarregava as irmãs Maria da Piedade e
Maria da Purificação (esta oriunda duma das c colónias que os portugueses
tinham tido em África) de ir à vila no da feira para vender os produtos que o
convento produzia desde doces e compotas, peças de artefacto religioso até ovos
das galinhas poedeiras que cuidavam com a maior atenção e até, podia dizer-se,
carinho.
Era uma
fonte de receita que suplantava as ofertas das missas dominicais que o
capelão, o padre Constâncio, já com os seus sessenta e muitos, rezava e que era
aberta a quem nela estivesse interessado. Mas os tempos estavam difíceis e os
fieis iam-se reduzindo e consequentemente os respectivos óbolos também; além
disso, o tempo não perdoava e a média dos anos levava ao envelhecimento dos
assistentes.
O país
envelhecia, a terceira idade, as rugas, os cabelos brancos, as calvas, as
bengalas, os bordões, até mesmo as muletas eram prato frequente na celebração e
até havia quem viesse em cadeira de rodas empurrada por familiar mais chegado.
Daí que a receita recolhida ia minguando e por isso a venda dos produtos da
feira era indispensável e inquestionável. Igualmente as vocações sacerdotais
sofriam uma diminuição o que levava a que os padres cada vez eram mais velhos e
tinham de acorrer às diversas necessidades de várias ordens e paróquias .
Regressavam
da
feira onde tinham banca montada graças ao auxílio do senhor Mendonça
negociante de queijos e enchidos, com a bolsa recheada – o dia fora bem-sucedido.
Como não tinham arranjado boleia vinham a pé conversando, aliás a distância não
era grande. De repente a irmã da Piedade disse em voz baixa para a outra feira
se esta tinha reparado que um homem as seguia.
Na verdade,
assim era. As freiras estugaram os passos mas o homem fez a mesma coisa.
Aí a irmã Maria da Purificação, aproveitando uma curva do córrego, sussurrou à
sua companheira: “Ali adiante há um bifurcação. Sugiro que cada uma de nós
siga por uma delas. Eu levo a bolsa do dinheiro e vou pela direita que chego
mis depressa ao convento.”
E assim
fizeram. Entretanto o Sol ia caindo e ao chegar ao mosteiro a irmã
portadora da “massa” foi massacrada de perguntas sobre o motivo do atraso. A madre
superiora estava preocupadíssima com o passar das horas e após ouvir a versão
da estória pensou alertar a Guarda Republicana sobre o desaparecimento da irmã
Maria da Piedade.
Já caía a noite e se preparava para fazer a chamada par a GNR quando apareceu a freira faltosa tranquila
ainda que um tanto ofegante. As perguntas fora múltiplas, todo o convento
reunido em buca do que acontecera, aventando a hipótese mais negra. O canalha
abusara da freira? Ele há homens capazes de tudo, o diabo anda à solta por ai,
ninguém pode dizer que está seguro
A monja sossegou a assembleia das suas irmãs. E contou o que se
passara. Com certeza o seu Anjo da Guarda (que não da Republicana…) a
acompanhara naquele transe pois a ameaça não dera em nada. Mas que houvera ameaça,
lá isso houvera. Um silêncio d cortar à faca estabeleceu-se entre as
assistentes.
E foi a madre superiora que o quebrou: “Minha irmã acabe com
essa estória, que Deus, nosso Senhor, sabe o que se passou, mas nós não!” E
a irmã Maria da Piedade concluiu: “O homem apanhou-me, tentou ficar com o
dinheiro com maus modos, mas vendo que eu não o tinha soltou um gargalhada
bestial e disse-me que nunca «comera» uma freira e estava na altura de o
fazer!”
E então? “Mandou-me arregaçar o hábito enquanto baixava as calças. Foi então que desatei a correr e cheguei aqui ao convento sã e salva! “ Um murmúrio de alivio fez-se sentir enquanto a freira terminava: “Uma freira com o hábito arregaçado corre muito mais do que um bandido com as calças em baixo!”