2022-11-13

 


Era uma vez…

*Memórias na primeira pessoa

 

Antunes Ferreira

…e eis que de repente um estrondo se me abriu nas volutas cerebrais semelhando um 1755 sem Pombal – com as devidas proporções mais próprias das celulazinhas  cinzentas do Monsieur Hércule Poirot parido pela imortal Agatha Christie– e me fez voltar a este teclado de me tinha auto ostracizado por mais de três anos. Já que estou em módulo de confissão tenho de reconhecer que as teclas não sendo propriamente exemplares da pedra da Roseta também não são caracteres cuneiformes, mas a longa ausência do convívio origina uma pesquisa  táctil a todos os títulos lamentável. Mea culpa, mea maxima culpa!...

 

A verdadeira explosão absolutamente inesperada que me deixara embasbacado atingira, como já dissera todos os que me rodeavam: se tinha dúvidas (o que seria – pelo menos estúpido – aí estava preto no branco a famigerada sociedade). Mas felizmente não havia margem para dúvidas: eu encontrava-me capaz das proezas mais díspares, desde cantar o fado até contar cataratas de anedotas!

 

Pelo sim pelo não, a minha Raquel marcara uma consulta com a minha psiquiatra, a Alice Nobre (que me atura ao longo dos anos e que vem sendo a presidente da Sociedade da Doença Bipolar.) Mais do que médica e paciente tornámo-nos amigos. Após uma larga conversa, na presença da minha cara-metade, a Alice afirmou que eu estava a exagerar na euforia contra o que eu pensava que era o meu estado normal. Depois dela ter feito pequenos ajustes na medicação (que como já sabia terei de tomar até ao forno crematório…) saímos em beleza. Uma correcção; caíam os primeiros pingos de chuva… Como diz o outro: não se pode ter tudo…   

 


Basta de paleio introdutório. Não resiste ainda o escriba a uma citação luso brasileira que aprendeu quando frequentou o COMCurso de Oficiais Milicianos, e o digno instrutor tenente lateiro Oliveira citou esta pérola que endereçou a “porcos”; «No Exército brasileiro o marcar passo diz-se “faz que anda mas não anda…” Pronto, agora é que é. E já que estrou a utilizar terminologia castrense, meia-volta volver, em frente marche!

 

Se ainda subsistirem uns escassos Heróis/pacientes que, levados ao engano, estão a desperdiçar o seu tempo por certo precioso deitando ainda que à sorrelfa olhares enviesados a estas mal-alinhavadas linhas, desde já aqui ficam exaradas em acta as minhas mais sinceras desculpas. Mas, deixem que vos diga – não obriguei ninguém a sujeitar-se a tais despautérios. Este naco de prosa tem apenas a intenção de bradar que voltei a estar vivo – e com os decibéis que dispensam aparelhagem sonora topo de gama (que aliás confesso não saberia, não sei e julgo que nunca serei capaz de utilizar. O rótulo do PRAZO DE VALIDADE é traiçoeiro).

 

Neste primeiro arrazoado que não quero que seja longo – para não ser citada a espada do rei Afonso Henriques – tenho de trazer à sacada mais dois nomes que me «empurraram» ajudando-me a (re)ganhar a fé em mim próprio e, porque não dizê-lo, pois é a verdade, emergir das profundezas em que se encontrava submerso o meu ego.

 

Para ambas poderia percorrer a Wikipédia ou o Manual de Berros do Manuel de Barros e ficar-me-ei por apenas uma singela oftalmologista, a Dr.ª Alcina Granate, que há mais de vinte anos me trata dos olhos e que se tornou uma Amiga quem ainda por cima se confessa minha fã. Há neste Mundo gente capaz de tudo…

 

A outra é uma brasileira que me pôs a andar; explico: Os cerca de três anos de imobilidade forçada a que referi deixaram sequelas complicadíssimas. Quase não me movia sempre dentro de casa, cheguei aos 120 quilos, além de estar intratável. A Raquel e o meu segundo filho Paulo trataram de arranjar uma fisioterapeuta, a Maria Elena Pappalardo. Bendita hora,

 

Seria canalhice ocultar que quando a dita cuja chegou aqui a casa para a primeira sessão que eu antevia de tortura imaginando-a um Savonarola de saias o sorriso que trazia afivelado estoqueou-me de golpe! Conquistara-me. Um verdadeiro coup de foudre. Daí e diante foi pé no acelerador. Persisto em não acreditar em milagres; mas a Lena é uma verdadeira Santa da Agrela – não há terapeuta e amiga melhor do que ela. Hoje já tenho uma meta (???) à vista: correr a maratona… E as sessões são entremeadas com anedotas, comentários das mais diversas ordens, e até canto o fado e canções brasileiras. Num à parte que julgo pertinente e essencial decidimos que o Lula da Siva ia ganhar as eleições a m cafajeste do mais alto coturno um tal Bolsonaro. E não é que acertámos! E mais não digo, se me alongasse ainda acabaria a tentar vender de porta em porta, como nos tempos salazarentos, enciclopédias a prestações.