Era uma vez…
*Memórias na primeira pessoa
Antunes Ferreira
…e eis que de
repente um estrondo se me abriu nas volutas cerebrais semelhando um 1755 sem
Pombal – com as devidas proporções mais próprias das celulazinhas cinzentas do Monsieur Hércule Poirot parido
pela imortal Agatha Christie– e me fez voltar a este teclado de me tinha auto
ostracizado por mais de três anos. Já que estou em módulo de confissão tenho de
reconhecer que as teclas não sendo propriamente exemplares da pedra da Roseta
também não são caracteres cuneiformes, mas a longa ausência do convívio origina
uma pesquisa táctil a todos os títulos
lamentável. Mea culpa, mea maxima
culpa!...
A verdadeira
explosão absolutamente inesperada que me deixara embasbacado atingira, como já
dissera todos os que me rodeavam: se tinha dúvidas (o que seria – pelo menos
estúpido – aí estava preto no branco a famigerada sociedade). Mas felizmente
não havia margem para dúvidas: eu encontrava-me capaz das proezas mais
díspares, desde cantar o fado até contar cataratas de anedotas!
Pelo sim pelo
não, a minha Raquel marcara uma consulta com a minha psiquiatra, a Alice Nobre
(que me atura ao longo dos anos e que vem sendo a presidente da Sociedade da
Doença Bipolar.) Mais do que médica e paciente tornámo-nos amigos. Após uma
larga conversa, na presença da minha cara-metade, a Alice afirmou que eu estava
a exagerar na euforia contra o que eu pensava que era o meu estado normal.
Depois dela ter feito pequenos ajustes na medicação (que como já sabia terei de
tomar até ao forno crematório…) saímos em beleza. Uma correcção; caíam os
primeiros pingos de chuva… Como diz o outro: não se pode ter tudo…
Basta de paleio
introdutório. Não resiste ainda o escriba a uma citação luso brasileira que
aprendeu quando frequentou o COM – Curso de Oficiais Milicianos, e o digno
instrutor tenente lateiro Oliveira citou esta pérola que endereçou a “porcos”;
«No Exército brasileiro o marcar passo
diz-se “faz que anda mas não anda…” Pronto,
agora é que é. E já que estrou a utilizar terminologia castrense, meia-volta
volver, em frente marche!
Se ainda
subsistirem uns escassos Heróis/pacientes que, levados ao engano, estão a
desperdiçar o seu tempo por certo precioso deitando ainda que à sorrelfa
olhares enviesados a estas mal-alinhavadas linhas, desde já aqui ficam exaradas
em acta as minhas mais sinceras desculpas. Mas, deixem que vos diga – não obriguei
ninguém a sujeitar-se a tais despautérios. Este naco de prosa tem apenas a
intenção de bradar que voltei a estar vivo – e com os decibéis que dispensam
aparelhagem sonora topo de gama (que aliás confesso não saberia, não sei e
julgo que nunca serei capaz de utilizar. O rótulo do PRAZO DE VALIDADE é
traiçoeiro).
Neste primeiro
arrazoado que não quero que seja longo – para não ser citada a espada do rei
Afonso Henriques – tenho de trazer à sacada mais dois nomes que me «empurraram»
ajudando-me a (re)ganhar a fé em mim próprio e, porque não dizê-lo, pois é a
verdade, emergir das profundezas em que se encontrava submerso o meu ego.
Para ambas
poderia percorrer a Wikipédia ou o Manual de Berros do Manuel de Barros e
ficar-me-ei por apenas uma singela oftalmologista, a Dr.ª Alcina Granate, que
há mais de vinte anos me trata dos olhos e que se tornou uma Amiga quem ainda
por cima se confessa minha fã. Há neste Mundo gente capaz de tudo…
A outra é uma
brasileira que me pôs a andar; explico: Os cerca de três anos de imobilidade
forçada a que referi deixaram sequelas complicadíssimas. Quase não me movia
sempre dentro de casa, cheguei aos 120 quilos, além de estar intratável. A
Raquel e o meu segundo filho Paulo trataram de arranjar uma fisioterapeuta, a Maria
Elena Pappalardo. Bendita hora,
Seria canalhice
ocultar que quando a dita cuja chegou aqui a casa para a primeira sessão que eu
antevia de tortura imaginando-a um Savonarola de saias o sorriso que trazia
afivelado estoqueou-me de golpe! Conquistara-me. Um verdadeiro coup de foudre. Daí e diante foi pé no acelerador. Persisto
em não acreditar em milagres; mas a Lena é uma verdadeira Santa da Agrela – não
há terapeuta e amiga melhor do que ela. Hoje já tenho uma meta (???) à vista:
correr a maratona… E as sessões são entremeadas com anedotas, comentários das
mais diversas ordens, e até canto o fado e canções brasileiras. Num à parte que
julgo pertinente e essencial decidimos que o Lula da Siva ia ganhar as eleições
a m cafajeste do mais alto coturno um tal Bolsonaro. E não é que acertámos! E
mais não digo, se me alongasse ainda acabaria a tentar vender de porta em porta,
como nos tempos salazarentos, enciclopédias a prestações.