2018-05-05



Do smartfone à sogra

Antunes Ferreira
Manuel Assunção Pires e Francisco Pinto Galvão eram amigos desde o jardim-de-infância e percorreram ambos uma vida plana, sem sobressaltos, incolor, inodora como qualquer gás inocente que se preza, nada dos infames Mostarda da Grande Guerra ou Zyklon B da II Guerra Mundial e como já não havia colónias nem tinha ido à tropa. Um percurso escolar sem altos voos tranquilo décimo segundo ano e chega. Chegou.

Sem legenda


Para ser mais exacto quase não chegou. Os tempos do dueto Passos Portas que, pasme-se, conseguiram ser piores do que a famigerada troica originaram que os empregos de ambos tivessem isso pró galheiro. O Pires trabalhava numa empresa de transportes em Porto Alto como encarregado do escritório e o Galvão tinha a meias com um cunhado uma ourivesaria em Coimbra. De repente catrapus, caiu dos céus aos trambolhões a crise.

Ambas as ocupações foram-se à viola e para ajudar à guitarrada a Matilde e a Cláudia esposas amantíssimas de cada um viram-se também no desemprego. Duas cavadelas, quatro minhocas mailas cinco crias, três do Pires e da Matilde, dois do Galvão e da Cláudia. Bonito serviço. Poupanças – que é delas? Mesmo assim, poucas. Mas os euros estavam cada vez mais caros e sobretudo mais raros. Subsídio de Desemprego para os homens. Mas de braços caídos? Ná, não é vida. Os catraios todos os dias comem – e de que maneira, caramba! E já agora, os progenitores também.

Olhe que dois...


Pais e sogros ou já tinha sido eliminados dos cadernos eleitorais ou teimavam em prolongar os respectivos prazos de validade. Estes não os podiam ajudar, tomavam eles que os ajudassem, as reformas que não eram nada de especial mesmo assim tinham torpedeadas pelos submarinos do senhor Portas. A “dupla futura/ex PAF” fora capaz de executar o impensável: cortar nas pensões de reforma. Talvez tivessem os dois protagonistas de tal crime pensado enviar o caso para o Guiness World Records. Mas não o fizerem, acagaçaram-se.

Uma tarde em Almada consultavam o Custo Justo na Secção Emprego como todos os dias faziam, além de enviar currículos aos montões para tudo o que lhes parecia ser possível e o Galvão soltou a língua: Ó Manel tenho andado a matutar que… E o Pires: Cuidado Chico, não matutes muito, c’ ainda gastas o córtex… Ó pá deixa-te de tretas, pedíamos um empréstimo.

Porém o crédito é muito difícil de obter e o Manel Pires estava numa de negação enquanto o Chico Galvão, muito pelo contrário defendia o velho princípio de enquanto há vida há esperança. Havia o Microcrédito que podia ser utilizado para criar uma PME cujo capital seria de cem mil euros para o que seria apenas necessário um fiador e podiam contar com a ajuda do IECP. No dia seguinte iniciaram o estudo do assunto começando pelo objectivo da empresa que pretendiam criar.

O Chico Galvão desde miúdo que tinha o hobby das miniaturas tão pormenorizadas quanto lhe fosse possível. Delas passou ao fabrico próprio e aos 16 anos já mexia em tecnologia informática. Mas era apenas um passatempo para as horas livres. Agora, desempregado, por que não criar uma PME nesse campo, um cluster. Da gestão encarregar-se-ia o Manel Pires que se sentia capaz de mexer em dinheiros e começou a aprender o que era a bitcoin e como usá-la.

Melhor pensado, melhor feito. Arrancaram com a Galpicoin – tecnologias de ponta com a Matilde e a Cláudia a completar a equipa e a Internet a publicitar: Galpicoin – nascemos e estamos cá para ajudar. As duas famílias moravam em dois apartamentos do mesmo prédio em Cruz de Pau; conseguiram um espaço para instalar a empresa na sobreloja dum outro prédio quase em frente daquele onde habitavam. Perfeito. Para ir a Lisboa tinham o comboio da Fertagus sempre que era necessário. E o primeiro objectivo foi a recuperação de smartfones.

Catorze milhões de smartfones...


Por incrível que pareça em Portugal, que tem cerca de nove milhões de sujeitos, existem quase… quinze milhões de telemóveis! Donde muitos desses bicos usam os aparelhos telefónicos móveis e portáteis e sem fios sem lhes causar grandes danos, mas ainda ou também muitos milhares, centenas de milhas que não lhes dão muitos carinhos. Donde a escolha dos dois sócios parecia mais ou menos acertada. E felizmente foi. A Galpicoin singrou. Passado um ano já tinha oito trabalhadores e o capital passara a ser de 500 euros.

E não vale a pena continuar a descrever o que ainda continuava a verificar-se. Apenas uns apontamentos. As duas famílias mudaram-se para vivendas na Mata da Marinha e o seu nível de vida correspondeu a essa mudança, a empresa tinha novas instalações onde já havia vinte empregados e a facturação era impressionante. Um verdadeiro aumento exponencial.

Por uma tarde de Verão Manuel Pires e Francisco Galvão depois de uma partida de ténis com uns amigos no court da vivenda do primeiro estavam bebericando uns uísques e uns gins bebida que estava na moda quando uma das empregadas com um ar convenientemente pesaroso veio dar a notícia que acabara de saber por telefonema que a mãe da Senhor Dona Cláudia acabara de falecer.

Já no velório...


Já no velório, surgiriam as habituais conversas e as sacramentais piadas e anedotas sobre as sogras. Chico Galvão dissera que a Dona Madalena fora uma sogra bué fixe, não se metia na vida do casal e até gostava dele, tratava-o como um filho. O engenheiro Martinho que era um amigalhaço contou então que a propósito de sogras, qual é o maior azar dum homem? E perante o franzir da testa dos que o rodeavam saiu-se com a resposta é ter uma sogra chamada Esperança que é sempre a última a morrer. As gargalhadas foram contidas – sempre era um velório.