Do smartfone à sogra
Antunes Ferreira
Manuel Assunção Pires e Francisco Pinto Galvão eram
amigos desde o jardim-de-infância e percorreram ambos uma vida plana, sem
sobressaltos, incolor, inodora como qualquer gás inocente que se preza, nada
dos infames Mostarda da Grande Guerra ou Zyklon B da II Guerra Mundial e como já não havia colónias nem
tinha ido à tropa. Um percurso escolar sem altos voos tranquilo décimo segundo
ano e chega. Chegou.
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Sem legenda |
Para ser mais exacto quase não chegou. Os tempos do
dueto Passos Portas que, pasme-se, conseguiram ser piores do que a famigerada
troica originaram que os empregos de ambos tivessem isso pró galheiro. O Pires
trabalhava numa empresa de transportes em Porto Alto como encarregado do
escritório e o Galvão tinha a meias com um cunhado uma ourivesaria em Coimbra.
De repente catrapus, caiu dos céus aos trambolhões a crise.
Ambas as ocupações foram-se à viola e para ajudar à
guitarrada a Matilde e a Cláudia esposas amantíssimas de cada um viram-se
também no desemprego. Duas cavadelas, quatro minhocas mailas cinco crias, três
do Pires e da Matilde, dois do Galvão e da Cláudia. Bonito serviço. Poupanças –
que é delas? Mesmo assim, poucas. Mas os euros estavam cada vez mais caros e
sobretudo mais raros. Subsídio de Desemprego para os homens. Mas de braços
caídos? Ná, não é vida. Os catraios todos os dias comem – e de que maneira,
caramba! E já agora, os progenitores também.
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Olhe que dois... |
Pais e sogros ou já tinha sido eliminados dos
cadernos eleitorais ou teimavam em prolongar os respectivos prazos de validade.
Estes não os podiam ajudar, tomavam eles que os ajudassem, as reformas que não
eram nada de especial mesmo assim tinham torpedeadas pelos submarinos do senhor
Portas. A “dupla futura/ex PAF” fora
capaz de executar o impensável: cortar nas pensões de reforma. Talvez tivessem
os dois protagonistas de tal crime pensado enviar o caso para o Guiness
World Records. Mas não o fizerem, acagaçaram-se.
Uma tarde em Almada consultavam o Custo Justo na Secção Emprego como todos
os dias faziam, além de enviar currículos aos montões para tudo o que lhes
parecia ser possível e o Galvão soltou a língua: Ó Manel tenho andado a matutar que… E o Pires: Cuidado Chico, não matutes muito, c’ ainda gastas o córtex… Ó pá
deixa-te de tretas, pedíamos um empréstimo.
Porém o crédito é muito difícil de obter e o Manel Pires estava numa de negação
enquanto o Chico Galvão, muito pelo contrário defendia o velho princípio de
enquanto há vida há esperança. Havia o Microcrédito que podia ser utilizado
para criar uma PME cujo capital seria de cem mil euros para o que seria apenas
necessário um fiador e podiam contar com a ajuda do IECP. No dia seguinte
iniciaram o estudo do assunto começando pelo objectivo da empresa que
pretendiam criar.
O Chico Galvão desde miúdo que tinha o hobby das
miniaturas tão pormenorizadas quanto lhe fosse possível. Delas passou ao
fabrico próprio e aos 16 anos já mexia em tecnologia informática. Mas era
apenas um passatempo para as horas livres. Agora, desempregado, por que não
criar uma PME nesse campo, um cluster. Da gestão encarregar-se-ia o Manel Pires
que se sentia capaz de mexer em dinheiros e começou a aprender o que era a
bitcoin e como usá-la.
Melhor pensado, melhor feito. Arrancaram com a Galpicoin
– tecnologias de ponta com a Matilde e a Cláudia a completar a equipa e
a Internet a publicitar: Galpicoin – nascemos e estamos cá para ajudar. As duas famílias moravam em dois
apartamentos do mesmo prédio em Cruz de Pau; conseguiram um espaço para
instalar a empresa na sobreloja dum outro prédio quase em frente daquele onde
habitavam. Perfeito. Para ir a Lisboa tinham o comboio da Fertagus sempre que
era necessário. E o primeiro objectivo foi a recuperação de smartfones.
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Catorze milhões de smartfones... |
Por incrível que pareça em Portugal, que tem cerca
de nove milhões de sujeitos, existem quase… quinze milhões de telemóveis! Donde
muitos desses bicos usam os aparelhos telefónicos móveis e portáteis e sem fios
sem lhes causar grandes danos, mas ainda ou também muitos milhares, centenas de
milhas que não lhes dão muitos carinhos. Donde a escolha dos dois sócios
parecia mais ou menos acertada. E felizmente foi. A Galpicoin singrou. Passado
um ano já tinha oito trabalhadores e o capital passara a ser de 500 euros.
E não vale a pena continuar a descrever o que ainda
continuava a verificar-se. Apenas uns apontamentos. As duas famílias mudaram-se
para vivendas na Mata da Marinha e o seu nível de vida correspondeu a essa
mudança, a empresa tinha novas instalações onde já havia vinte empregados e a
facturação era impressionante. Um verdadeiro aumento exponencial.
Por uma tarde de Verão Manuel Pires e Francisco
Galvão depois de uma partida de ténis com uns amigos no court da vivenda do
primeiro estavam bebericando uns uísques e uns gins bebida que estava na moda
quando uma das empregadas com um ar convenientemente pesaroso veio dar a
notícia que acabara de saber por telefonema que a mãe da Senhor Dona Cláudia
acabara de falecer.
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Já no velório... |
Já no velório, surgiriam as habituais conversas e as
sacramentais piadas e anedotas sobre as sogras. Chico Galvão dissera que a Dona
Madalena fora uma sogra bué fixe, não se metia na vida do casal e até gostava
dele, tratava-o como um filho. O engenheiro Martinho que era um amigalhaço
contou então que a propósito de sogras,
qual é o maior azar dum homem? E perante o franzir da testa dos que o
rodeavam saiu-se com a resposta é ter uma
sogra chamada Esperança que é sempre a última a morrer. As gargalhadas
foram contidas – sempre era um velório.