Antunes Ferreira
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orria o ano de 1952. Cassiano Furtado trabalhava numa
agência de publicidade ali ao Bairro Alto quase ao lado da primeira sede do
“Diário de Notícias na Rua dos Calafates. Nada de propaganda que isso era do
foro do SNI. Era redactor de primeira, fazia equipa com o desenhador Marques
Monteiro e o chefe chamava-se Joaquim Olegário também proprietário da empresa
que começara a dar os primeiros passos por volta dos anos quarentas.
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omo morava na rua dos Fanqueiros palmilhava da casa até aos
Restauradores onde apanha o elevador da Glória que passava em frente da Casa do
Ardina. Depois era tudo à pata, que segundo ele, era um bom exercício de
“ginástica”, pois durante quase todo o dia apenas gastava o fundo da cadeira de
sumapau… Ali, começava logo a dar ao dedo porque as coisas não caíam do céu aos
trambolhões e também porque o Senhor Olegário não era para graças muito menos para
madraços.
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Lajos Biro e a sua caneta |
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caso, se assim se
podia chamar, ocorreu no dia em que comprara uma caneta esferográfica Biro,
coisa maravilhosa descoberta por um revisor húngaro com o mesmo nome e que
recentemente chegara a Portugal. Levara-a para a agência e a malta rodeara-o,
parecia a adoração do menino Jesus no presépio pelos pastores, suas ovelhas e
os três Reis Magos - mas sem estrela. Na verdade, não se pode ter tudo.
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primeira colega do
”posso experimentar?” foi a Matilde, uma morena de pôr os olhos em bico a um
cidadão integrado no regime, repudiando o comunismo e bom chefe de família. Era
toda ela chicha distribuída em conformidade, com as curvas no seu devido lugar
– e que lugar! Comparável à Vénus de Milo, mas com braços. Obviamente podia - “com
todo o prazer” Mal fizera uns riscos, “é giro, a tinta não faz borrões”, foi
uma catadupa de experimentadores, “vocês dão-me cabo da tinta que está no
tubinho!” Deram. Mas aplaudiram.
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es fe ro grá fi ca... |
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eio ver o motivo da balbúrdia e das salvas de palmas o
Senhor Olegário “que se passa aqui? Temos revolução contra o Salazar ou saiu o primeiro prémio
da lotaria ao Senhor Cassiano?” Este explicou que fora por mor da sua caneta
esferográfica acabada de comprar e acabada a tinta. “Que raio de merda é uma
caneta insfográfica?” Não era bem assim. Furtado: “Senhor Olegário, com as
minhas desculpas, mas é – e silabando – es fe ro grá fi ca…” O
chefão resfolegou qual locomotiva a vapor. “P’stá claro esfero coisa” E
retirou-se para o seu gabinete com o ar digno que utilizava quotidianamente.
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assiano deu um saltinho à Baixa e, pelo sim pelo não,
comprou um tubinho (com tinta) ao que o empregado da papelaria o informou “e
uma recarga e é melhor levar duas; são dois mil e quinhentos” Obviamente
comprou duas, nunca fiando na gente da agência que por gastar tanta tinta, mais parecia uma agência funerária, salvo seja, do que publicitária.
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s campanhas em que trabalhavam – o texto já está pronto? Olhe
que a impressora está à espera – estavam distribuídas por três redactores com outros
dois a jogar nas reservas, dois fotógrafos, quatro desenhadores e dois
revisores, mais três dactilografas e o groom Pinguinhas, além do Senhor
Olegário. Os clientes eram muitos e diversos; pudera, era a melhor no mercado…
E ainda havia a rádio mas isso eram outros quinhentos mal réis. Cassiano, em
frente do Telefunken não faltava a uma audição da “Força do Destino” a que os
brincalhões chamavam a “Força do Intestino” onde a heroína era coxinha, mas só
no microfone… Um dia quando os fãs a esperavam à porta do Rádio Graça para a conhecerem e pedirem autógrafos, deram-lhe
um enxurro de porrada porque a moça afinal não mancava…
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Rodrigues tinha a seu
cargo o Omo lava mais branco, a Singer e o leite Milo; o Assumpção (ele escrevia assim com a sua caneta de
tinta permanente) debruçava-se sobre a Binaca
põe os seus dentes a brilhar, o Palmolive, a Regina e a Tabaqueira; por seu
turno o Fosquinhas (embora fosse Vicente toda a gente o tratava assim…)
amantizava-se com o sabonete Lux, que
tinha a Amália Rodrigues a afirmar convictamente eu uso o sabonete Lux,
a Mocar com o Peugeot 203 cabriolet e
o detergente Rinso, a alegria do lar.
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e reserva estavam o Guedes e o Inácio, para quando fossem
necessários em futuras campanhas para a Farinha
33 – a Amparo era da concorrência
bem como os Rebuçados Peitorais do Dr.
Centazzi e o Vick Vaporub – o yoghurt
Veneza, a saúde à sua mesa, o Vim
para lavar melhor, o Sveltor que
emagrecia sem regimes especiais, sem tomar nada pela boca”, os fogões da Fábrica Portugal e os cafés da
Mariazinha, lotes para todos os gostos.
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orém na agência havia um desejo comum, ansioso e, muito
pior, constante. Era uma ansiedade; o “inimigo” abichara o Fiat 128, o Toyota acabado de
chegar do Japão e que vinha para ficar, o Tide, a brancura no seu lar, o não
se estafe compre um DAF o primeiro carro com mudanças automáticas, a Lambretta, até choras para andar de
Lambretta a pasta medicinal Couto, o Gibson o frigorífico de bom tom, que dura
toda a vida e o mais cobiçado e invejado:
a Mocar com o Volkswagen, o carro da família. Porém nunca mais chegava o ditoso
dia em se verificariam as mudanças. Safa!
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Brasileira do Rossio |
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assiano, nos curtos intervalos da labuta ia à Brasileira do
Rossio tomar uma bica com cheirinho de Mosca e ver as meninas que passeavam
mirando e farejando as montras da Rua Augusta. E foi então que ali conheceu a
Madalena com quem veio a casar na igreja de São Sebastião da Pedreira. Ela
vinha esplendorosa, com vestido de noiva alvo, bouquet de flores de laranjeira
e com uma barriga de sete meses. Sem qualquer publicidade. Evidentemente.
(Pesquisa do autor)