2016-12-07

A SAGA DA ALZIRA – 5


Dinamite
assalto
e dentadura






Antunes Ferreira

N
unca tinha pensado nisso, a sua especialidade era outra, mas a verdade é que o homem põe e Deus dispõe. Não é que Deus estivesse muito interessado no “negócio”, apesar de ser omnipresente e por isso estar atento a tudo. E além do mais não dormia. No entanto o Jaquim Braboleta tinha quase a certeza que Ele não dormia mas de vez em quando passava pelas brasas... Isto dizia o Quim, embora o forte dele não fosse teologia – era mais batota.
O Braboleta, ai, ai...


N
essa manhã, recuperado de boa parte da dentadura imolada aos punhos do campomaiorense (que aliás e como atrás se disse dava pelo nome de Chico Passarinho), estava o Jota no Retiro do Meio Chão tomando o pequeno-almoço – café com leite, mais carregado o primeiro, e uma sandes mista de queijo e fiambre com muita manteiga – quando entrou o Braboleta. O nome dele era Sinfrónio, mas como parecia que era mais pra lá do que pra cá era sempre o Braboleta, ai meninos, parecia mesmo uma braboleta a dar a dar… ai, ai.


A
ssentou-se ao pé dele, pediu ao Segismundo uma bica cheia em chávena escaldada e, de repente, perguntou-lhe se sabia o porquê do café se chamar bica… “Porra! Que sacana de prégunta! Sei lá, eu não sou muito de geografia… “ E o Braboleta “Tu o que és é uma besta-quadrada!” e riu-se. O Segismundo, homem prevenido vale, pelo menos, por dois ou mesmo três, quiçá quatro, retirou os copos vazios do balcão, por causa das moscas, e avisou que não queria ali merdas.

A maternidade das bicas...


C
ompanheiro está sossegado, estamos só a falar; e já agora sabes tu porque se chama bica? O balconista também não sabia. Vai daí o Braboleta explicou que o senhor Adriano Telles, que vivera anos no Brasil, em mil novecentos e troca o passo abriu um café “A Brasileira do Chiado” e mandou vir uns sacos de café moído, pois era moda no Paris da França beber café e como vira fazer nas terras brasileiras diluíra o pó em auga quente, passara-o por um saco de pano como filtro (tinham-lhe também dito que uma peúga sem ser lavada ainda era melhor, dava-lhe um gosto especial talvez do chulé…) e servira-o aos clientes, recomendando-lhes que provassem a nova bebida que era porreira e…


O
uça lá ó sôr Telles, porreira – o caralho. Vá-se foder com ela que é amarga como um quilo de fel!!! Adriano, desanimado, falou com o filho que lhe explicou que era preciso botar açúcar para o café se beber. E fez-lhe uns cartões para pôr em cada mesa: BEBA ISTO COM AÇÚCAR. B I C A. Por isso ficou bica. O homem ficou muito agartecido ao filho. E mais ainda ficaram os clientes. Segismundo ainda pensou em emendá-los. Mas, com malta desse tipo era melhor estar caladinho e deixar-se de ensinadelas. Por isso correu o fecho ecler dos lábios. 

Uma golpada em tamanho grande...


N
a rua as obras prosseguiam apesar da chuva que viera para ficar. Bátegas varriam homens e máquinas, e o barulho atormentava aqueles mais audazes que arrostavam com o temporal. No Meio Chão tirando os dois comparsas, o Segismundo e a Dona Filomena gerindo as suas panelas não havia vivalma. Ambiente propício para conspirar. “Jota já pensaste numa golpada em tamanho grande?” Pintarolas não tinha pensado, aliás pensar cansava muito e dava cabo da mioleira e portanto não pensava. Mas, mesmo assim, préguntou “golpada em grande? Homessa?!”


B
raboleta olhou em volta, ninguém!, com dizia o gajo das barbas no filme portuga que volta não volta passava na televisão. “ Tenho mais dois compinchas que já alinham…” Jota, intrigado “mas alinham em quê?” Quim respondeu-lhe “schiu, fala baixo, estamos a preparar um assalto à noite a uma caixa do Multibanco, não digas nada, e precisamos de mais um gajo; lembrei-me logo de ti. E os outros estão de acordo.”


J
á temos todo o material preparado. Primeiro pensámos num tractor, mas dava muito nas vistas. Escolhemos então o dinamite. Broboquins, brocas, martelos, alicrates e esses aviamentos está tudo nos trinques e capuchos para as cabeças bem como luvas por causa das impressões degitais. E uma carrinha para nos pormos ao fresco depois de termos o pilim. Vai ser um sucesso, menino, um sucesso!”
Desconhecem-se os autores...
E entusiasmava-se "E depois a TV, a rádio, os jornais: foi assaltada mais uma caixa de Multibanco, etc, etc, os assaltantes puseram-se em fuga, bla, bla, bla, desconhecem-se os autores, o caso foi entregue à Polícia Judiciária e etc, etc." Já viste? 


C
aramba! Pintarolas quase saltou da cadeira e ia entornando o café com leite “tu estás choné da cuca! A bófia deita-nos a luva, vai tudo pró xilindró, estamos fodidos, apanhamos uma porrada de anos à sombra, nem acabo de arranjar a puta da boca. É tudo prejuízo! Nem pó!” Braboleta não desarmou “tenho um primo que é polícia na esquadra da zona da ATM que escolhemos ou lá como se chama essa porra, o gajo está de serviço na altura do golpe, faz orelhas moucas e já está. Pensa bem. É uma porrada de caroço! ”Respondes-me amanhã, tá certo?”

A
 cheta roubada, a corrupção convencem muito “boa  gente”, principalmente banqueiros padres e políticos, e o Jota Pintarolas, depois de muito matutar na proposta, decidiu ir no golpe. Se fosse acabar a ver o Sol aos quadradinhos não seria de todo mau: casa, cama, morfos e saídas aos fins-de-semana por bom comportamento não lhe soava muito mal. De resto, quando saísse temporariamente ainda podia dar umas pinocadas com a Jaquina e durante as visitas ela iria trazer-lhe uns maços de cigarros, uns chocolates e talvez uns bocados de erva. Nada mau. Isto, claro, se as coisas dessem para o azar…

... que nem um veado do Marão


S
e o “negócio” corresse bem entrava-lhe um rico cacau no  bolso, nos bancos nada, estavam mais tesos do que um carapau frito ou do que ele… Na parte da tarde do dia seguinte voltou ao Meio Chão e ficou à espera do Braboleta. Entretanto vieram a Alzira e as outras que o olharam de viés. Começaram a cortar na casaca de uma porrada de malta, o costume. “Já sabem que a mulher do coronel Sarzedas pôs-lhe uma armadura de cornos que nem um veado do Marão?” E a menina Hortênsia “é no que dá um velhadas casar com uma gaja nova… “Não senhora, ajuntou a Dona Alzira, “diz o ditado que homem velho com mulher moça dá filhos até à poça…” Carrada de putas. Não era ele que voltaria a meter-se com elas, poderia chegar o Passarinho e adeus dentadura nova.