2022-12-20

 



 

Um Natal acompanhado

 

*Embebedar-se na noite da Consoada

 

Antunes Ferreira

Com um calor daqueles aquilo não era Natal não era nada. Bem se 
afadigavam  os pretos (era assim que se chamavam naqueles tempos, quais 
negros  quais quê) em transportar as enormes caixas de cartão que diziam por fora 
中國製造 小心輕放 碎片文章 目的地安哥拉 MADE IN
 CHINA MANUSEAR COM CUIDADO DESTINO ANGOLA  onde vinham as árvores
 em plástico que depois seriam decoradas com todo o tipo de bugigangas e 
iluminadas por lampadazinhas também originárias do país do país dos olhos 
em bico. 
Havia decidido “passar à peluda” em Angola para onde fora mobilizado 
depois dos massacres do Norte perpetrados pelos gajos enlouquecidos da UPA 
do Holden Roberto. Recorda-se bem da despedida dos seus familiares no cais de Alcântara, no dia 21

de Abril corria o ano de 1961, para embarcar no navio motor Niassa. A tropa ia convencida que seria um abrir e fechar de olhos pois os turras só dispunham de catanas e canhangulos. Que, diga-se, em boa verdade, ele nem sabia o que eram essas coisas.


Respondiam ao apelo do Senhor Presidente do Conselho, salvador de Portugal, que perante a barbárie discursara firmemente, aliás como era seu uso e sintetizara o que disser numa frase que ficaria para a História da Pátria: “Para Angola rapidamente e em força!” Depois da invasão de Goa e da tomada do forte de São João Baptista de Ajudá era preciso uma decisão fulgurante para iluminar a alma portuguesa!

 

Após a desmobilização, Júlio Joaquim Barreiros Periquito, desde a militança apodado de Jota Jota, arranjou logo emprego na Gomes & Gomes, irmãos, importadores e exportadores como amanuense pois antes de ter sido alistado ocupara tal lugar numa pequena empresa em Beja. Mas foi uma breve passagem; os irmãos desentenderam-se e deram com os burrinhos na água. Resultado: desemprego.  

 


Rajada de G3 podia chamar-se o corrupio de trabalhos/empregos que entraram na dança sempre com boas prestações – mas maus resultados. A crise viera, ao que parecia, melhor, ao que lhe parecia, para ficar, até que, numa tarde de sábado, no café Gelo encontrara o Vasco Valentim, seu alferes miliciano que com ele estivera preso em Alparqueiros, Goa.

 

O Vê Vê (sereno) sentados no prédio a que chamavam arranha-céus e perguntara-lhe pela vida. “Malzinha, meu alferes, descmandara vir duas Cucas e duas sandes duplas de presunto (do verdadeiro, de Chaves, não do espanhol jamulpe lá o tratamento, mas está mesmo muito bera!... A puta da crise! O terrorismo agora está no Leste, atacaram Henrique de Carvalho, a ligação com Neriquinha está muitas vezes cortada, há muita areia, encrava as armas, uma foda, meu alferes, uma ganda foda!”

 

Valentim chamara o criado preto e encomendara mais uma dose e ao mesmo tempo pedira-lhe para chamar o patrão que se encontrava no escritório atrás do recinto para lhe fazer uma proposta. Veio o senhor Bernardo Silva, parceiro de negócios do Vasco. Ambos tinham participado num conglomerado com empresários brasileiros que abrira um grande supermercado à saída de Luanda.

 

Jota Jota foi apresentado ao Bernardo e o Vê Vê sugeriu que o moço era um tipo porreiraço, tinham sido camaradas na tropa, referiu até a prisão em Goa, se não fosse o general Governador Geral Vassalo e Silva se calhar não estavam ali para falar  combinar uma proposta: contratar o Júlio para o supermercado como fiscal geral do pessoal.

 


Seria necessário ouvir os outros três membros do Conselho de Administração, mas eles eram mais ou menos um pouco verbos de encher. E logo na segunda-feira seguinte o Jota Jota tomou posse do cargo, mais precisamente no dia 19 de Novembro, com as festas a bater à porta. Com os dias a galopar e a camisa de Macau ensopada de suor Periquito não tivera um momento de descanso. Para além das mercadorias normais – o supermercado era mesmo super, tinha tudo, até um sector de venda de automóveis e respectivas peças sobressalentes – eram todos os artefactos próprios da época natalícia e do fim-do-ano. Engalanado a preceito, era um festival de cores, de luminárias e de festóes alusivos. 

 


Não obstante quando experimentara pela primeira vez uma lata de spray que esguichava flocos de neve de plástico ficara profundamente embezerrado. Até a neve estava “engarrafada”; pudera com aquela caloraça não podia ser de outra maneira. E os dias iam correndo num contrarrelógio fulminante se dar tempo a mais pensamentos a não ser como passar mais un Natal sozinho.

 

Talvez uma carraspana, daquelas de caixão à cova, ajudasse, já que não conseguira arranjar “encosto” apesar das frequentes marrabentas nos bailaricos de musseques que só davam noites de cama esporádicas e esporrádicas e “você és um branco purrêrro com quem eu gosta muto de dormir mas eu sabe você não vais casar com esta preta, vais na igreja com uma brana, não podes tr mulato no família, a vida ´muto madrasta eu vou ivar uito triste,tu nem o Natal ficar comido, aiué!"


Foi parar à Pensão Esmeralda onde tinha quarto alugado, eram nove horas da noite de 24, já devidamente alcoolizado e â chegada deparou com um outro hóspede, o Mendonça da drogaria Carmona que se lhe dirigiu: “Ó Barreiros isso nem parece seu, embebedar-se na noite da Consoada! Vá deitar-se, homem, curta o vinho na cama e não arme maka!” O que ele havia de demonstrar Jota Jota: este levou o braço direito atrás e zás! – ferrou-lhe um directo nas fuças!

 


Mendonça não se ficou. Engalfinharam-se. Pareciam lutadores do vale tudo. Dona Esmeralda bem tentou acalmá-los, o filho dela, o Manelzinho bem tentou separá-los, levou uma tapona, veio a polícia, esquadra, grades, meia-noite, uma cela cheia, porra! – ao menos passava o Natal acompanhado!

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Sporting-5 Braga-0

 


*Uma noite fabulosa em Alvalade

 Injustiças sempre as houve e sempre as ouvi – algumas razoáveis mas a maioria sem fundamento algum. Porquê este introito? Qual o seu principal motivo? Refiro-me tão só à minha filiação clubística.

Chamam-me masoquista. Seja. Mas, c’os diabos, porquê? Por que bulas o epitete? Muito simples: porque sou sportinguista! E com muita honra.

Quem me meteu o vírus-Sporting no sangue foi o meu tio/padrinho Armando Antunes, primeiro sargento da Aeronáutica (daí o meu nome completo: Henrique ARMANDO Antunes Ferreira) que me levou ao extinto campo de futebol no Campo Grande onde assisti a coisas de abrir a boca com espanto.

Vi jogar os cinco violinos: Jesus Correia, Vasques, Peyroteo, Travassos e Albano. Vi um dos melhores guarda-redes chamado João Azevedo jogar a segunda parte duma partida conta o Porto com um braço ao peito!!!

Vivi eufórico os largos anos em que conquistámos tudo o que havia para ganhar; assisti no velho Alvalade à vitória por 5-0 (impensável) sobre o Manchester United em 1963 para a Taça das Taças europeia. Permaneci sofrendo calado o largo período de abstenção do campeonato.

Mas ontem, segunda-feira, 19 de Dezembro, tirei a barriga de misérias. No televisor vi o meu Sporting . e só na primeira parte – arrumar o Braga com uns espantosos 5-0! Aos 4 minutos marcava-se o primeiro golo e o segundo aos 12. Numa enfiada chegou-se aos 5-0 antes do intervalo. A segunda parte foi apenas jogada porque tinha de ser… AF