Um Natal acompanhado
*Embebedar-se na noite da Consoada
Antunes Ferreira
Com um calor daqueles aquilo não era Natal não era nada. Bem seafadigavam os pretos (era assim que se chamavam naqueles tempos, quaisnegros quais quê) em transportar as enormes caixas de cartão que diziam por fora中國製造 小心輕放 碎片文章 目的地安哥拉 MADE INCHINA MANUSEAR COM CUIDADO DESTINO ANGOLA onde vinham as árvoresem plástico que depois seriam decoradas com todo o tipo de bugigangas eiluminadas por lampadazinhas também originárias do país do país dos olhos
em bico.
Havia decidido “passar à peluda” em Angola para onde fora mobilizadodepois dos massacres do Norte perpetrados pelos gajos enlouquecidos da UPAdo Holden Roberto. Recorda-se bem da despedida dos seus familiares no cais de Alcântara, no dia 21
de Abril corria o ano de 1961, para embarcar no navio motor Niassa. A tropa ia convencida que seria um abrir e fechar de olhos pois os turras só dispunham de catanas e canhangulos. Que, diga-se, em boa verdade, ele nem sabia o que eram essas coisas.
Respondiam ao apelo do Senhor Presidente do Conselho, salvador de Portugal, que perante a barbárie discursara firmemente, aliás como era seu uso e sintetizara o que disser numa frase que ficaria para a História da Pátria: “Para Angola rapidamente e em força!” Depois da invasão de Goa e da tomada do forte de São João Baptista de Ajudá era preciso uma decisão fulgurante para iluminar a alma portuguesa!
Após a desmobilização,
Júlio Joaquim Barreiros Periquito, desde a militança apodado de Jota Jota,
arranjou logo emprego na Gomes & Gomes, irmãos, importadores e exportadores
como amanuense pois antes de ter sido alistado ocupara tal lugar numa pequena
empresa em Beja. Mas foi uma breve passagem; os irmãos desentenderam-se e deram
com os burrinhos na água. Resultado: desemprego.
Rajada de
G3 podia chamar-se o corrupio de trabalhos/empregos que entraram na dança
sempre com boas prestações – mas maus resultados. A crise viera, ao que
parecia, melhor, ao que lhe parecia, para ficar, até que, numa tarde de
sábado, no café Gelo encontrara o Vasco Valentim, seu alferes miliciano
que com ele estivera preso em Alparqueiros, Goa.
O Vê Vê (sereno) sentados no prédio a que chamavam arranha-céus e perguntara-lhe pela vida. “Malzinha, meu alferes, descmandara vir duas Cucas e duas sandes duplas de presunto (do verdadeiro, de Chaves, não do espanhol jamulpe lá o tratamento, mas está mesmo muito bera!... A puta da crise! O terrorismo agora está no Leste, atacaram Henrique de Carvalho, a ligação com Neriquinha está muitas vezes cortada, há muita areia, encrava as armas, uma foda, meu alferes, uma ganda foda!”
Valentim
chamara o criado preto e encomendara mais uma dose e ao mesmo tempo
pedira-lhe para chamar o patrão que se encontrava no escritório atrás do
recinto para lhe fazer uma proposta. Veio o senhor Bernardo Silva, parceiro de
negócios do Vasco. Ambos tinham participado num conglomerado com empresários
brasileiros que abrira um grande supermercado à saída de Luanda.
Jota Jota foi
apresentado ao Bernardo e o Vê Vê sugeriu que o moço era um tipo porreiraço,
tinham sido camaradas na tropa, referiu até a prisão em Goa, se não fosse o
general Governador Geral Vassalo e Silva se calhar não estavam ali para
falar combinar uma proposta: contratar o
Júlio para o supermercado como fiscal geral do pessoal.
Seria
necessário ouvir os outros três membros do Conselho de Administração, mas eles
eram mais ou menos um pouco verbos de encher. E logo na segunda-feira seguinte
o Jota Jota tomou posse do cargo, mais precisamente no dia 19 de Novembro, com
as festas a bater à porta. Com os dias a galopar e a camisa de Macau ensopada
de suor Periquito não tivera um momento de descanso. Para além das mercadorias
normais – o supermercado era mesmo super, tinha tudo, até um sector de venda de
automóveis e respectivas peças sobressalentes – eram todos os artefactos
próprios da época natalícia e do fim-do-ano. Engalanado a preceito, era um festival de cores, de luminárias e de festóes alusivos.
Não obstante quando
experimentara pela primeira vez uma lata de spray que esguichava flocos de neve
de plástico ficara profundamente embezerrado. Até a neve estava “engarrafada”;
pudera com aquela caloraça não podia ser de outra maneira. E os dias iam
correndo num contrarrelógio fulminante se dar tempo a mais pensamentos a não
ser como passar mais un Natal sozinho.
Talvez uma carraspana, daquelas de caixão à cova, ajudasse, já que não conseguira arranjar “encosto” apesar das frequentes marrabentas nos bailaricos de musseques que só davam noites de cama esporádicas e esporrádicas e “você és um branco purrêrro com quem eu gosta muto de dormir mas eu sabe você não vais casar com esta preta, vais na igreja com uma brana, não podes tr mulato no família, a vida ´muto madrasta eu vou ivar uito triste,tu nem o Natal ficar comido, aiué!"
Foi parar à
Pensão Esmeralda onde tinha quarto alugado, eram nove horas da noite de 24, já
devidamente alcoolizado e â chegada deparou com um outro hóspede, o Mendonça da
drogaria Carmona que se lhe dirigiu: “Ó Barreiros isso nem parece seu,
embebedar-se na noite da Consoada! Vá deitar-se, homem, curta o vinho na cama e
não arme maka!” O que ele havia de demonstrar Jota Jota: este levou o braço
direito atrás e zás! – ferrou-lhe um directo nas fuças!
Mendonça não
se ficou. Engalfinharam-se. Pareciam lutadores do vale tudo. Dona Esmeralda bem
tentou acalmá-los, o filho dela, o Manelzinho bem tentou separá-los, levou uma
tapona, veio a polícia, esquadra, grades, meia-noite, uma cela cheia, porra! –
ao menos passava o Natal acompanhado!
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Sporting-5 Braga-0
*Uma noite fabulosa
em Alvalade
Chamam-me masoquista. Seja. Mas, c’os diabos, porquê? Por
que bulas o epitete? Muito simples: porque sou sportinguista! E com muita
honra.
Quem me meteu o vírus-Sporting no sangue foi o meu
tio/padrinho Armando Antunes, primeiro sargento da Aeronáutica (daí o meu nome
completo: Henrique ARMANDO Antunes Ferreira) que me levou ao extinto campo de
futebol no Campo Grande onde assisti a coisas de abrir a boca com espanto.
Vi jogar os cinco violinos: Jesus Correia, Vasques, Peyroteo,
Travassos e Albano. Vi um dos melhores guarda-redes chamado João Azevedo jogar
a segunda parte duma partida conta o Porto com um braço ao peito!!!
Vivi
eufórico os largos anos em que conquistámos
tudo o que havia para ganhar; assisti no velho Alvalade à vitória por 5-0
(impensável) sobre o Manchester United em 1963 para a Taça das Taças europeia. Permaneci
sofrendo calado o largo período de abstenção do campeonato.
Mas ontem, segunda-feira, 19 de Dezembro, tirei a barriga de
misérias. No televisor vi o meu Sporting . e só na primeira parte – arrumar o
Braga com uns espantosos 5-0! Aos 4 minutos marcava-se o primeiro golo e o
segundo aos 12. Numa enfiada chegou-se aos 5-0 antes do intervalo. A segunda
parte foi apenas jogada porque tinha de ser… AF