Antunes Ferreira
Batalhão era
o apelido que constava do seu Bilhete de Identidade N.º 00015878 válido até 20
de Agosto de 1970, de seu nome completo Segismundo Ivo Costa Batalhão, o que
dera um gozo ao sargento ajudante quando fora às sortes e estava todo nu
perante a junta militar e lhe perguntara “O
mancebo veio sozinho ou perdeu-se do resto da malta?” O filho da puta, já
não bastava a fileira de gajos de coisos pendurados, mais ou menos cabeludos
mas todos com ar fodido, ainda se metia com ele.
Esteve quase
com uma resposta na ponta da língua o Segismundo era nado e criado no beco das
Olarias tinha a escola toda de Alfama com especialidade, mas engoliu o que ia
dizer recebeu o papel com o carimbo APURADO PARA TODO O SERVIÇO pediu licença
para se retirar foi-se vestir e basou. Melhor começo para o dia não podia
desejar. Mais tarde na taberna do Arnesto o ti Luís que era estivador reformado
e sofria das cruzes atirou-lhe “Atão mê
cabrão ficaste livre?”
Escola da aldeia dos Fernandes |
O alentejano que
era de Almodôvar, mais precisamente da Aldeia dos Fernandes onde andara na escola até à terceira classe, tinha a mania de
embicar com ele mas era tudo na brincadêra
como ele dizia, mas o Batalhão nesse dia já tinha a conta dele e apenas
retorquiu com o cenho carregado “Ti Luís
vá chatear outro!” E deitou os cinco tostões do copo de três no balcão de
zinco deu corda às sapatilhas e foi a loja Ferrarias Teixeira & Monteiro
onde trabalhava na escrita a sua namorada Maria Rita. Pelo caminho ia pensando
que como dissera no local de trabalho nesse dia por mor da inspecção militar
pedira licença e não iria trabalhar.
Era torneiro na
oficina de metalo-mecânica do senhor Júlio Gaspar que ficava no Poço do
Borratem perto das fontes da água “milagrosa” que já tinham tido melhores dias.
Catrapiscara a Maria Rita numa noite de Santo António no arraial do beco de São
Miguel (pois quando e onde havia de ser?) entre duas sardinhas e um tinto do
Cartaxo. Fora então que um meia leca apalpara uma cachopa que se pôs aos gritos
e ao qual ele puxando a mão atrás ferrou-lhe dois borrachos no trombil que o lingrinhas
até caiu de cu e deu à sola.
A moça ficou
vermelha que nem uma papoila e agradeceu-lhe um tanto envergonhada, “muito obrigado meu senhor, mas não merecia a
pena sujar as mãos, o badameco não valia os sopapos…” ao que ele,
Segismundo, respondeu que quem merecia tudo era ela e que era bem bonita e
muito simpática e que tirasse o senhor e
que se chamava Segismundo e que era solteiro e torneiro e bom rapaz não
desfazendo e ia sorrindo. Pois ela chama-se Maria Rita e por coincidência
trabalhava numa loja de ferragens onde fazia a escrita e também era solteira e
por aí fora, etc. e tal…
Um tostão para o Santo... |
Já não se
tinham largado até de madrugada fora leva-la a casa, tinha um trono do santo
namoradeiro mesmo ao lado, aliás moravam pertinho coisa de cinco degraus das
escadinhas dos Oleiros, “desculpe-me
fi-la demorar demais, o seu pai ainda me tá uma trancada, mas…”, ao que ela
atalhou que a mãe era viúva e além disso cega e lá em casa vivia também uma tia
mais velha do que a mãe se não fosse ela aquilo até parecia a Mitra… Riram-se
os dois. E de repente o Segismundo deu um passou em frente de supetão agarrou-a
pelos ombros e pregou-lhe um chocho na boca e ela não disse que não. E já se
despediram por tu.
Batalhão fora
deitar-se de cabeça no ar, lá baixo nascia o sol espraiando-se nas águas mansas
do Tejo. Duma janela saíam os acordes cantados pelo Ouro Negro Maria Ritaaaaa atava os cabelos com uma
fitaaaaa. Mas na canção o Raúl e o Milo perdiam a moça mais bonita que
tinham encontrado. Com ele isso nunca aconteceria. Passaram a sair juntos e a
mãe Rosalina até gostava dele mas quem também se apaixonara pelo rapagão era a
tia Ludovina. As coisas seguiam o seu caminho naturalmente com altos e baixos mais,
mais aqueles do que estes.
Quem
continuava a gozar com o Segismundo era o Ti Luís: “Moço tal tá a moenga, arranjaste-a boa tu tornêro ela vende tornêras,
foram fêtos d’encomenda um para a outra…” O rapaz já nem se amofinava, o
velho estava cada vez mais velho e cada vez com menos dentes. Finalmente o
Batalhão assentou praça e foi mobilizado para Angola como cabo miliciano pois tirara
o curso técnico na Veiga Beirão – e a Maria Rita já empurrava uma barriga de
quatro meses. Por isso resolveram casar antes do embarque e assim aconteceu.
Uma separação de dois anos e quatro meses foi muito dura, mas felizmente nada
de mau aconteceu ao novo pai embora estivesse muito tempo na mata e em combate
como furriel miliciano.
Aerograma - o "bate-estradas" |
À volta o
pimpolho que se chamava João Joaquim (tinham acordado os dois por cartas e
bate-estradas por ser o nome do falecido pai da Maria Rita) era o menino nas
“mãos das bruxas”, porra! do pai!... O baptizado foi uma festa em grande e já
pelas alturas dos cafés, das cigarrilhas e dos uísques, prática aprendida lá em
Angola, e conhaques, aguardentes velhas e dos bagaços o ti Luís pediu “Atão ó moço conta lá uma estórias da
guerra…” Toda a gente em redor limpou os ouvidos para escutar com atenção.
E o Batalhão avançou depois de
entornar um bom gole no uísque com água Castelo. “De guerra estou farto eu, mas vou contar duas com muita piada. A
primeira passou-se em Sanza Pombo no norte de Angola onde ficaram os dois
Batalhões: eu e o de que eu fazia parte (saltaram gargalhadas e
emborcaram-se mais uns copos….). Um dos
alferes miliciano, não digo nomes, já basta o meu, é um gajo farrista à brava,
arranjou como todos os graduados – atenção não sejam bufos, não vão contar à
Maria Rita! – uma lavadeira local dum quimbo (que é uma aldeia) próxima e que
também nos aconchegava…
Ora uma noite eram para aí umas
duas horas a Miquelina, a dita lavadeira, saiu da tenda do alferes aos berros. Aka,
aka, tu mau arferis, no meu boca de comer, na minha cu de cagar nem que foras
tinente!!!!!” Os decibéis foram
tais que um diapasão honesto se recusaria a medi-los, o que levou as damas capitaneadas pela Maria
Rita que cortavam nas diversas casacas mais afastadas viessem ver o que se passava. E quando o Ti Luís informou
que era o Segismundo a contar umas piadas de Angola ela logo ordenou ao marido:
“Então conta outra que nós também somos
gente!”
Fez-se um
silêncio de cortar não à faca mas à serra mecânica com os machos todos a olhar
para o Batalhão. Que raio de estória iria o Batalhão contar? Daquela categoria? Com as senhoras presentes e ansiosas por ouvi-lo? Estava em lixado! E este, impávido e sereno como se não fosse nada com ele,
desfechou: “Quando desci do Vera Cruz no
Porto de Luanda esta um pretito a
vender jornais entre os quais “a província de Angola” a quem eu perguntei «ó menino o
jornal é de hoje e ele respondeu-me não é doje e quinhento…»” Aí sim, aí
sim, qualquer diapasão honesto e cumpridor dos seus deveres teria metido os
papeis para a reforma.