2018-08-08




Antunes Ferreira

Batalhão era o apelido que constava do seu Bilhete de Identidade N.º 00015878 válido até 20 de Agosto de 1970, de seu nome completo Segismundo Ivo Costa Batalhão, o que dera um gozo ao sargento ajudante quando fora às sortes e estava todo nu perante a junta militar e lhe perguntara “O mancebo veio sozinho ou perdeu-se do resto da malta?” O filho da puta, já não bastava a fileira de gajos de coisos pendurados, mais ou menos cabeludos mas todos com ar fodido, ainda se metia com ele.

Esteve quase com uma resposta na ponta da língua o Segismundo era nado e criado no beco das Olarias tinha a escola toda de Alfama com especialidade, mas engoliu o que ia dizer recebeu o papel com o carimbo APURADO PARA TODO O SERVIÇO pediu licença para se retirar foi-se vestir e basou. Melhor começo para o dia não podia desejar. Mais tarde na taberna do Arnesto o ti Luís que era estivador reformado e sofria das cruzes atirou-lhe “Atão mê cabrão ficaste livre?”


Escola da aldeia dos Fernandes


O alentejano que era de Almodôvar, mais precisamente da Aldeia dos Fernandes onde andara na escola até à terceira classe, tinha a mania de embicar com ele mas era tudo na brincadêra como ele dizia, mas o Batalhão nesse dia já tinha a conta dele e apenas retorquiu com o cenho carregado “Ti Luís vá chatear outro!” E deitou os cinco tostões do copo de três no balcão de zinco deu corda às sapatilhas e foi a loja Ferrarias Teixeira & Monteiro onde trabalhava na escrita a sua namorada Maria Rita. Pelo caminho ia pensando que como dissera no local de trabalho nesse dia por mor da inspecção militar pedira licença e não iria trabalhar.

Era torneiro na oficina de metalo-mecânica do senhor Júlio Gaspar que ficava no Poço do Borratem perto das fontes da água “milagrosa” que já tinham tido melhores dias. Catrapiscara a Maria Rita numa noite de Santo António no arraial do beco de São Miguel (pois quando e onde havia de ser?) entre duas sardinhas e um tinto do Cartaxo. Fora então que um meia leca apalpara uma cachopa que se pôs aos gritos e ao qual ele puxando a mão atrás ferrou-lhe dois borrachos no trombil que o lingrinhas até caiu de cu e deu à sola.

A moça ficou vermelha que nem uma papoila e agradeceu-lhe um tanto envergonhada, “muito obrigado meu senhor, mas não merecia a pena sujar as mãos, o badameco não valia os sopapos…” ao que ele, Segismundo, respondeu que quem merecia tudo era ela e que era bem bonita e muito simpática e  que tirasse o senhor e que se chamava Segismundo e que era solteiro e torneiro e bom rapaz não desfazendo e ia sorrindo. Pois ela chama-se Maria Rita e por coincidência trabalhava numa loja de ferragens onde fazia a escrita e também era solteira e por aí fora, etc. e tal…

Um tostão para o Santo...


Já não se tinham largado até de madrugada fora leva-la a casa, tinha um trono do santo namoradeiro mesmo ao lado, aliás moravam pertinho coisa de cinco degraus das escadinhas dos Oleiros, “desculpe-me fi-la demorar demais, o seu pai ainda me tá uma trancada, mas…”, ao que ela atalhou que a mãe era viúva e além disso cega e lá em casa vivia também uma tia mais velha do que a mãe se não fosse ela aquilo até parecia a Mitra… Riram-se os dois. E de repente o Segismundo deu um passou em frente de supetão agarrou-a pelos ombros e pregou-lhe um chocho na boca e ela não disse que não. E já se despediram por tu.

Batalhão fora deitar-se de cabeça no ar, lá baixo nascia o sol espraiando-se nas águas mansas do Tejo. Duma janela saíam os acordes cantados pelo Ouro Negro Maria Ritaaaaa atava os cabelos com uma fitaaaaa. Mas na canção o Raúl e o Milo perdiam a moça mais bonita que tinham encontrado. Com ele isso nunca aconteceria. Passaram a sair juntos e a mãe Rosalina até gostava dele mas quem também se apaixonara pelo rapagão era a tia Ludovina. As coisas seguiam o seu caminho naturalmente com altos e baixos mais, mais  aqueles do que estes.

Quem continuava a gozar com o Segismundo era o Ti Luís: “Moço tal tá a moenga, arranjaste-a boa tu tornêro ela vende tornêras, foram fêtos d’encomenda um para a outra…” O rapaz já nem se amofinava, o velho estava cada vez mais velho e cada vez com menos dentes. Finalmente o Batalhão assentou praça e foi mobilizado para Angola como cabo miliciano pois tirara o curso técnico na Veiga Beirão – e a Maria Rita já empurrava uma barriga de quatro meses. Por isso resolveram casar antes do embarque e assim aconteceu. Uma separação de dois anos e quatro meses foi muito dura, mas felizmente nada de mau aconteceu ao novo pai embora estivesse muito tempo na mata e em combate como furriel miliciano.
Aerograma - o "bate-estradas"


À volta o pimpolho que se chamava João Joaquim (tinham acordado os dois por cartas e bate-estradas por ser o nome do falecido pai da Maria Rita) era o menino nas “mãos das bruxas”, porra! do pai!... O baptizado foi uma festa em grande e já pelas alturas dos cafés, das cigarrilhas e dos uísques, prática aprendida lá em Angola, e conhaques, aguardentes velhas e dos bagaços o ti Luís pediu “Atão ó moço conta lá uma estórias da guerra…” Toda a gente em redor limpou os ouvidos para escutar com atenção.

E o Batalhão avançou depois de entornar um bom gole no uísque com água Castelo. “De guerra estou farto eu, mas vou contar duas com muita piada. A primeira passou-se em Sanza Pombo no norte de Angola onde ficaram os dois Batalhões: eu e o de que eu fazia parte (saltaram gargalhadas e emborcaram-se mais uns copos….). Um dos alferes miliciano, não digo nomes, já basta o meu, é um gajo farrista à brava, arranjou como todos os graduados – atenção não sejam bufos, não vão contar à Maria Rita! – uma lavadeira local dum quimbo (que é uma aldeia) próxima e que também nos aconchegava…

Ora uma noite eram para aí umas duas horas a Miquelina, a dita lavadeira, saiu da tenda do alferes aos berros. Aka, aka, tu mau arferis, no meu boca de comer, na minha cu de cagar nem que foras tinente!!!!!”   Os decibéis foram tais que um diapasão honesto se recusaria a medi-los, o  que levou as damas capitaneadas pela Maria Rita que cortavam nas diversas casacas mais afastadas viessem ver o  que se passava. E quando o Ti Luís informou que era o Segismundo a contar umas piadas de Angola ela logo ordenou ao marido: “Então conta outra que nós também somos gente!”

Sem legenda

Fez-se um silêncio de cortar não à faca mas à serra mecânica com os machos todos a olhar para o Batalhão. Que raio de estória iria o Batalhão contar? Daquela categoria? Com as senhoras presentes e ansiosas por ouvi-lo? Estava em lixado! E este, impávido e sereno como se não fosse nada com ele, desfechou: “Quando desci do Vera Cruz no Porto de Luanda esta um pretito a vender jornais entre os quais “a província de Angola” a quem eu perguntei «ó menino o jornal é de hoje e ele respondeu-me não é doje e quinhento…»” Aí sim, aí sim, qualquer diapasão honesto e cumpridor dos seus deveres teria metido os papeis para a reforma.

  


29 comentários:

  1. A anedota é velhinha, FerreirAmigo.
    Pergunto eu - quantos Segismundo houve?
    Alguns que foram e já não voltaram para conhecer o filho que entretanto nascera.
    Abraços para ti, beijos para a Raquel

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    1. Meu caro Coimbramigo

      Acho muito piada ao que dizes pois fui eu que a criei em 197 quando estava em Luanda já como tenente miliciano poi cumpri cinco anos três meses e 17 dias de serviço militar obrigatório por isso tenho "copyright"...:-)))

      O caixão de pinho do soldadinho do grande Zeca Afonso diz tudo

      Triqjs e um abração para tu deste teu amigo
      Henrique, o Leãozão

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  2. Obrigada pela partilha.
    Beijos e abraços
    Marta

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    1. Minha querida Martamiga

      Eu é que te agradeço.

      Muitos qjs deste teu amigo
      Henrique, o Leãozão

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  3. Este delicioso texto poderia ser o início de um romance.
    E, neste registo, seria um êxito de vendas.
    Pensa nisso, porque a tua narrativa, mais os enredos, são de mestre.
    Caro Henrique, continuação de boa semana.
    Um abraço.

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    1. Meu caro Jaimamigo

      Quem sabe? "Que Sera, Sera (Whatever Will Be, Will Be)" cantava a Doris Day no filme O Homem Que Sabia Demais em 1956 se a memória e a Wikipédia não me falham...

      Quanto ao resto do teu amável comentário só posso agradecer-to ó Poeta dos meus encantos... :-)))

      Um abração deste teu amigo e admirador
      Henrique, o Leãozão

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  4. Sim senhor, HenriquAmigo.

    Esse Batalhão aka Segismundo ( ou será Francisco Maria, como reza o BI?) mais a Maria Rita, pareciam feitos um para o outro e, não fora essa piada da Miquelina lavadeira vir para a rua gritar a plenos pulmões, numa fala criola (?) coisas que num entendi...diria que este texto a atirar para o alentejanês, foi escrito por ti, para mim. :)
    Só que eu nunca pus os pés em Angola, mas tive lá gente minha. :(

    Fizeste bem em diversificar os conteúdos, Amigo Henrique.
    Eis mais um interessante e divertido textículo. :)

    Um abraço amigo para ti e tua Raquel.

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    1. Minha querida Janitamiga

      Nada de confusões passeios prós automóveis, ruas prós peões, oops, parece-me que o slogan inicial não era bem assim, mas hoje é. O nosso rapaz é mesmo Segismundo e casou com a Maria Rita com a música do mesmo nome grande êxito do Ouro Negro como marcha nupcial.

      Quanto à gritaria da lavadeira/etc. Miquelina ela quer dizer coisas que não posso inspilicar porque há senhoras presentes a começar por t minha querida amiga. Só quero acrescentar que a prática amorosa etc. e tal...

      Pois foi, tu mereces tudo até este textículo tão alentejanês mas com cruzamento de portujanês...

      ... e na sexta-feita voltarei ao Frederico.

      Muitos bjs e qjs do casal Ferreira muito teu amigo

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  5. Bom dia:- Sempre contando estórias bonitas de ler.
    .
    * Versos Poéticos de Amor ( Poetizando e Encantando ) *
    .
    Votos de um domingo muito feliz

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    1. Meu caro Gilamigo

      Muitíssimo obrigadíssimo.

      Um abração e qjs à Larissmiga deste vosso amigo
      Henrique, o Leãozão

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  6. Histórias fantásticas, meu Amigo, que finalmente vou ter tempo e disponibilidade para usufruir... grane abraçoooo e estou de volta aos blogues :-)

    José Alex Gandum

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    1. Meu caro Alexamigo

      Nem quero acreditar que és o Lázaro II. Não sei se és o Mateus, o Lucas, o Marcos, o João ou o Saramago mas foram eles que contaram nos respectivos Evangelhos a estória da ressurreição do mortíssimo Lázaro.

      Mas enfim estás de volta meu grande sac..., malandro, aliás bom (que me perdoe o Zambujal) e por isso só me resta entoar Hossana, Hossana, Hossana nas alturas, Bendito o que vem em nome do Senhor (resta saber qual...)

      Enquanto espero que voltes fica um abração (que não mereces, mas, enfim...) deste teu amigo de sempre e para sempre
      Henrique, o Leãozão

      E HOJE LÁ NOS SAFÁMOS COM DOIS DO BAS DOST!!!!

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  7. HenriquAmigo.
    Este vosso amigo - brasileiro parvo - apreciou sobremaneira esta hilária crônica.
    Desejo que tenhas pronto restabelecimento.
    Lembranças para sua valorosa e pertinaz consorte, a Dona Raquel.

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    1. Meu Caro Unknownamigo

      Oi. Sei quem tu és - és e não és parvo...

      Estou tentando e vou conseguindo. E a Raquel teve um AVC mas apenas lhe afectou o equilíbrio, está a fazer fisioterapia e está felizmente bem.

      E muito obrigado.

      Muitos bjs da Raquel e um abração deste teu amigo portuga
      Henrique, o Leãozão

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  8. Gostei de ler, amigo. Peço desculpa pela ausência. Estou de férias no Algarve, não tenho pc aqui, e não me entendo muito bem com o Smartphone.
    Abraço

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    1. Minha querida Elvirinhamiga

      Muito obrigado. Desculpa? Nada, não! Férias no Algarve? Deve parecer uma colmeia tanta a gente que está por lá. Tenho um filho maila família em Tavira...

      Muitos qjs e cuidado com os doces de amêndoa deste teu amigo e admirador
      Henrique, o Leãozão

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    1. Minha querida Cidáliamiga

      Creio que é o que fica de seguida...

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  10. Gostei de ler esta publicação!! Parabéns!!

    Beijos boa noite!

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    1. Minha querida Cidáliamiga

      Fico-te muito agradecido.

      Muitos qjs deste teu amigo e admirador
      Henrique, o Leãozão

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  11. HenriquAmigo.
    A assecla de Baco, a Pilequina Martini Seco, disse que o Segismundo padece de flatulência noturna, hemorroida,chulé, disfunção erétil e mau hálito.
    Estou cá a desejar-vos pronto restabelecimento.
    Lembranças e muito vigor ao inseparável casal Raquel/HenriquAmigo.

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    1. Meu casto confradamigo

      Eu nem quero ouvir falar nessa gaja. Puta que a pariu!

      Muito obrigado. A Raquel com a sua fisioterapia vai indo melhor; pelo contrário reabriu-me a desgraçada da ferida na perna esquerda por isso voltei ao tratamento e de novo suspendi o ginásio. Uma merda! É a vida...

      Bjs e abração do casal Ferreira muito teu amigo

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  12. Uma narrativa bem ao teu jeito. Deliciosa de se ler…
    Uma boa semana,
    Um beijo.

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    1. Minha querida Gracinhamiga II

      Já nem sei como agradecer-te...

      Muitos qjs deste teu amigo e grande admirador
      Henrique, o Leãozão

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  13. Muito agradável de ler, claro.

    Boa semana

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    1. Minha querida Sãozitamiga

      Muito obrigado querida viajante.

      Muitos qjs deste teu amigo
      Henrique, o Leãozão

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  14. Ola Henriqueamigo, mas que maneira de contar a história de Portugal !
    faz parte ou fez parte, como queiram,
    sera melhor não coloca-la ainda nos livros escolares !

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  15. Minha querida Angelamiga

    E ainda não viste nada... :-))))) Em tempos já contei a estória do Dom Fuas Roupinho que pude resumir da seguinte maneira

    Na praia da Nazaré
    vai um grade burborinho
    as senhoras de roupão, olaré
    e o Dom Fuas de Roupinho


    ... e teve um enorme sucessooooooooooooo!!!!!!!!!!!!!!!! :-)))))))))))))))))

    Agora estou a pensar na linda Inês e no Lidador. A seu tempo algo sairá... Diz-me o que pensas destas ESTÓRIAS DA NOSSA HISTÓRIA aqui na Nossa Travessa. Desde já e por antecipação o meu agradecimento.

    Mas por ora, volte-se ao Frederico já na sexta-feira.

    Muitos qjs deste teu amigo e admirador da tu divulgação do nosso Portugal
    Henrique, o Leãozão

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  16. Trajectos percorridos com sacrifício e que "são" Histórias para a História.

    Abraço
    SOL

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