2018-06-14


É DIFICIL VIVER COM UM IRMÃO MONGOLÓIDE (4)
Fica a saber-se
o grande amor
do padre Jaime




Antunes Ferreira

Tudo o que te vou dizer e a conversa que disso resultar vai ficar entre nós, tens de o compreender meu querido Armando, e por isso vou já explicar o porquê desta minha afirmação pedindo-te que este seja um segredo que fique entre nós, ainda que a tua mãe, o padre Jaime, o prior Tomás e pouco mais pessoas estejam ao par do assunto. E perante o cenho carregado que eu exibia – mau, as coisas estavam cada vez mais embrulhadas e eu metido nelas sem ter culpa nenhuma – a tia continuou.

A vida é bela mas também é mesmo madrasta e é preciso saber viver com ela se não formos capazes de o fazer é uma desgraça e é por isso que sendo tão novo tens desde já ser forte, muito forte. Quem namora com o padre Jaime sou eu e vamos casar. Fiquei atónito de boca aberta qual túnel do Rossio, que mais me iria acontecer? Era impossível. Mas, tia, os padres não podem casar-se – aventei como que a medo mas ciente do que dizia pois aprendera-o na catequese, aliás com a minha catequista a Geninha e sob o controle justamente do… padre Jaime.

Armando são três as principais religiões que têm Cristo como Salvador, a Católica, a Ortodoxa e a Protestante. Só a Católica é que prescreve o celibato dos sacerdotes; nas outras os ministros de Deus podem casar e casam. No entanto em Roma, na sede da Igreja Católica os padres podem requerer deixar o sacerdócio e ao fim de um processo longo e difícil o Vaticano pode autorizá-los a deixar os votos e assim contrair o sacramento do matrimónio. O processo do padre Jaime já está em vias de conclusão.
 
Cerejeira & Salazar - duo sinistro
Os olhos da tia Elsa brilhavam-lhe espelhando a esperança viva e a alegria que lhe iam na alma e eu sentia-me contente e satisfeito com a boa nova. O Cardeal Cerejeira, grande amigo do Salazar desde jovem em Coimbra, tentou pôr os maiores entraves no caso, mas o padre Jaime tem uns amigos no Vaticano que conheceu quando fez o mestrado em Teologia na Universidade que ali existe e que foram removendo os obstáculos colocados pelo Patriarca.

Eu sabia que do lado da família da minha mãe o pessoal sempre fora da oposição desde que o dr. António de Oliveira Salazar assumira o ministério das Finanças e depois a presidência do Conselho de Ministros instituindo a Censura e transformando a PVDE, a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado em PIDE, a Polícia de Intervenção e Defesa do Estado. O falecido avô Jacinto estivera preso no Aljube sob a alegação de ser comunista, o que por acaso não era, mas se o fosse também não lhe cairiam os parentes na lama.

Mas lá em casa não se podia falar em política porque o meu pai era fanático pelo Estado Novo e adjunto-militar a Terceira Região da Legião Portuguesa, o Chefe das Milícias e, dizia-se Inspector da PIDE e por reinava o regime do bico calado pois dizia a mamão que até as paredes tinham ouvidos e nunca se sabia se havia bufos. Entretanto a tia concluía: E quem tem defendido o processo é o padre Marcelo Montini, jesuíta especialista em Direito Canónico e  assistente do Prof. Angelo Macazoni, a maior autoridade no ramo. E vou confessar-te mais um segredo: o casamento vai ser muito em breve pois eu estou grávida.

Não pude conter-me, pulei do sofá e abracei-me a ela. Que felicidade! Oxalá fosse eu o padrinho, embora fosse tão novo; mas só o pensei, nada disse… A tia prometeu-me então que mais tarde me contaria toda a sua estória com os maiores pormenores e ficámos por ali, não sem me dizer que apenas sabiam que estava grávida de dois meses naturalmente ela e o pai, o pároco e a minha mãe e a partir de então eu. Depois dessa cena e como dia estava descoberto, era véspera das marchas que pela primeira vez a RTP

RTP transmitia pela primeira vez em directo as marchas 

ia transmitir em directo e das sardinhas em Alfama, decidi dar um passeio como o Frederico no carrinho dele. Avisei-a e fui até ao Jardim da Estrela – nós morávamos na rua de Buenos Aires – e ali fiquei apanhando o sol e lendo o “Mosquito” que acabara de comprar.

Um senhor de idade que vinha trazendo pela trela um cão Cocker Spaniel preto parou junto a nós e ficou mirando o Frederico com ar preocupado e comentou pobre criança, tadinha… Palavra que não gostei, o meu irmãozinho era um ser humano talvez diferente mas não merecia um tal comentário. Por isso perguntei ao velhote Coitadinho porquê? O homem ficou à rasca, não foi capaz de me responder, meteu a viola no saco e deu à sola puxando o cão que nem ladrara muito menos se pronunciara.

Na verdade o que acontecera ia repetir-se vezes sem fim. As pessoas não percebem que nos comentários desajustados que fazem perante um portador da síndrome de Down, para além da ignorância e da estupidez há também muita maldade que ferem quem acompanha o deficiente e quando este começa a compreender o que dizem a seu respeito apunhalam-no no sítio onde mais lhe dói seja no coração seja na alma.

O que mais me danava quando mais tarde regressava a casa empurrando o carrinho do meu irmão era o sorriso feliz que lhe bailava nos lábios sem se dar conta, felizmente, do que o rodeava e do que o envolveria daí para o futuro que eu antevia e receava. Não merecia o Frederico na sua inocência estar um Mundo doido e mau ainda que também fosse bom até mesmo óptimo e decente. Mas as mais das vezes o negativo predominava e ele tinha tido a infelicidade de ter nascido com a trissomia 21.

No ensino técnico


Mal tínhamos chegado a casa fui buscar à biblioteca a Enciclopédia Médica Abreviada Salus que tia Elsa para ler mais informações sobre a malfadada doença. E li que “não existe cura para a síndrome de Down. A educação e cuidados adequados aumentam a qualidade de vida da pessoa. Algumas crianças com síndrome de Down frequentam escolas comuns, enquanto outras requerem ensino especializado, como o técnico. Algumas concluem o ensino secundário e outras frequentam o ensino superior.”

Durante a idade adulta, muitas pessoas com a condição executam trabalhos remunerados, embora seja frequente que necessitem de um ambiente de trabalho protegido. Em muitos casos, as pessoas com síndrome de Down necessitam de apoio financeiro e em questões legais. Em países desenvolvidos e com cuidados apropriados, a esperança média de vida com a condição é de 50 a 60 anos.”

Iria a partir de então colecionar todos os elementos sobre a doença e para isso pedi à tia Elsa bem como ao tio Miguel, que creio que já disse era irmão do meu pai e médico pediatra para mos fornecer ao que ambos assentiriam tinha a certeza.
(Continua?)
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Estou a cogitar sobre se devo continuar a publicar esta saga É DIFÍCIL VIVER COM UM IRMÃO MONGÓLICO. Isto porque o primeiro episódio teve uma boa aceitação (52 comentários e correspondentes respostas), o segundo ficou-se pelos 20 e o terceiro ainda menos, 18…
O apelo para uma boa polémica só teve uma resposta. A da Nonamamiga.
Perante os factos indesmentíveis verei o que farei por considerar melhor.

Qjs & abçs

Henrique, o Leãozão