É DIFICIL VIVER COM UM IRMÃO MONGOLÓIDE (4)
Fica a saber-se
o grande amor
do padre Jaime
Antunes Ferreira
Tudo o
que te vou dizer e a conversa que disso resultar vai ficar entre nós, tens de o
compreender meu querido Armando, e por isso vou já explicar o porquê desta
minha afirmação pedindo-te que este seja um segredo que fique entre nós, ainda
que a tua mãe, o padre Jaime, o prior Tomás e pouco mais pessoas estejam ao par
do assunto. E perante o cenho carregado que eu exibia – mau, as coisas
estavam cada vez mais embrulhadas e eu metido nelas sem ter culpa nenhuma – a
tia continuou.
A vida é bela
mas também é mesmo madrasta e é preciso saber viver com ela se não formos
capazes de o fazer é uma desgraça e é por isso que sendo tão novo tens desde já
ser forte, muito forte. Quem namora com o padre Jaime sou eu e vamos casar. Fiquei
atónito de boca aberta qual túnel do Rossio, que mais me iria acontecer? Era
impossível. Mas, tia, os padres não podem
casar-se – aventei como que a medo mas ciente do que dizia pois aprendera-o
na catequese, aliás com a minha catequista a Geninha e sob o controle
justamente do… padre Jaime.
Armando são
três as principais religiões que têm Cristo como Salvador, a Católica, a
Ortodoxa e a Protestante. Só a Católica é que prescreve o celibato dos
sacerdotes; nas outras os ministros de Deus podem casar e casam. No entanto em
Roma, na sede da Igreja Católica os padres podem requerer deixar o sacerdócio e
ao fim de um processo longo e difícil o Vaticano pode autorizá-los a deixar os
votos e assim contrair o sacramento do matrimónio. O processo do padre Jaime já
está em vias de conclusão.
Os olhos da tia Elsa brilhavam-lhe espelhando a esperança viva e a
alegria que lhe iam na alma e eu sentia-me contente e satisfeito com a boa
nova. O Cardeal Cerejeira, grande amigo
do Salazar desde jovem em Coimbra, tentou pôr os maiores entraves no caso, mas
o padre Jaime tem uns amigos no Vaticano que conheceu quando fez o mestrado em
Teologia na Universidade que ali existe e que foram removendo os obstáculos
colocados pelo Patriarca.
Eu sabia que do lado da família da minha mãe o pessoal sempre fora
da oposição desde que o dr. António de Oliveira Salazar assumira o ministério
das Finanças e depois a presidência do Conselho de Ministros instituindo a
Censura e transformando a PVDE, a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado em
PIDE, a Polícia de Intervenção e Defesa do Estado. O falecido avô Jacinto
estivera preso no Aljube sob a alegação de ser comunista, o que por acaso não
era, mas se o fosse também não lhe cairiam os parentes na lama.
Mas lá em casa não se podia falar em política porque o meu pai era
fanático pelo Estado Novo e adjunto-militar a Terceira Região da Legião
Portuguesa, o Chefe das Milícias e, dizia-se Inspector da PIDE e por reinava o regime
do bico calado pois dizia a mamão que até as paredes tinham ouvidos e nunca se
sabia se havia bufos. Entretanto a tia concluía: E quem tem defendido o processo é o padre Marcelo Montini, jesuíta
especialista em Direito Canónico e assistente
do Prof. Angelo Macazoni, a maior autoridade no ramo. E vou confessar-te mais um
segredo: o casamento vai ser muito em breve pois eu estou grávida.
Não pude conter-me, pulei do sofá e abracei-me a ela. Que
felicidade! Oxalá fosse eu o padrinho, embora fosse tão novo; mas só o pensei,
nada disse… A tia prometeu-me então que mais tarde me contaria toda a sua
estória com os maiores pormenores e ficámos por ali, não sem me dizer que
apenas sabiam que estava grávida de dois meses naturalmente ela e o pai, o
pároco e a minha mãe e a partir de então eu. Depois dessa cena e como dia
estava descoberto, era véspera das marchas que pela primeira vez a RTP
![]() |
RTP transmitia pela primeira vez em directo as marchas |
ia transmitir em directo e das sardinhas em Alfama, decidi dar um passeio como o Frederico no carrinho dele. Avisei-a e fui até ao Jardim da Estrela – nós morávamos na rua de Buenos Aires – e ali fiquei apanhando o sol e lendo o “Mosquito” que acabara de comprar.
Um senhor de idade que vinha trazendo pela trela um cão Cocker
Spaniel preto parou junto a nós e ficou mirando o Frederico com ar preocupado e
comentou pobre criança, tadinha…
Palavra que não gostei, o meu irmãozinho era um ser humano talvez diferente mas
não merecia um tal comentário. Por isso perguntei ao velhote Coitadinho porquê? O homem ficou à
rasca, não foi capaz de me responder, meteu a viola no saco e deu à sola
puxando o cão que nem ladrara muito menos se pronunciara.
Na verdade o que acontecera ia repetir-se vezes sem fim. As
pessoas não percebem que nos comentários desajustados que fazem perante um
portador da síndrome de Down, para além da ignorância e da estupidez há também
muita maldade que ferem quem acompanha o deficiente e quando este começa a
compreender o que dizem a seu respeito apunhalam-no no sítio onde mais lhe dói
seja no coração seja na alma.
O que mais me danava quando mais tarde regressava a casa
empurrando o carrinho do meu irmão era o sorriso feliz que lhe bailava nos
lábios sem se dar conta, felizmente, do que o rodeava e do que o envolveria daí
para o futuro que eu antevia e receava. Não merecia o Frederico na sua
inocência estar um Mundo doido e mau ainda que também fosse bom até mesmo
óptimo e decente. Mas as mais das vezes o negativo predominava e ele tinha tido
a infelicidade de ter nascido com a trissomia 21.
![]() |
No ensino técnico |
Mal tínhamos chegado a casa fui buscar à biblioteca
a Enciclopédia Médica Abreviada Salus que tia Elsa para ler mais informações
sobre a malfadada doença. E li que “não existe cura para a síndrome de
Down. A educação e cuidados adequados aumentam a qualidade de vida da pessoa. Algumas
crianças com síndrome de Down frequentam escolas comuns, enquanto outras
requerem ensino especializado, como o técnico. Algumas
concluem o ensino secundário e outras frequentam o ensino superior.”
Durante a idade adulta, muitas pessoas com a
condição executam trabalhos remunerados, embora
seja frequente que necessitem de um ambiente de trabalho protegido. Em
muitos casos, as pessoas com síndrome de Down necessitam de apoio financeiro e
em questões legais. Em países desenvolvidos e com cuidados apropriados, a
esperança média de vida com a condição é de 50 a 60 anos.”
Iria a
partir de então colecionar todos os elementos sobre a doença e para isso pedi à
tia Elsa bem como ao tio Miguel, que creio que já disse era irmão do meu pai e
médico pediatra para mos fornecer ao que ambos assentiriam tinha a certeza.
(Continua?)
*********
Estou a cogitar sobre se devo continuar a publicar esta saga É
DIFÍCIL VIVER COM UM IRMÃO MONGÓLICO. Isto porque o primeiro
episódio teve uma boa aceitação (52 comentários e correspondentes respostas), o
segundo ficou-se pelos 20 e o terceiro ainda menos, 18…
O apelo para uma boa polémica só teve uma resposta. A da Nonamamiga.
Perante os factos indesmentíveis verei o que farei por considerar
melhor.
Qjs & abçs
Henrique, o
Leãozão