2023-09-22

 

 


Uma válvula cardíaca

*Vai ser de substituição e o doente sou eu

  

Antunes Ferreira

Um dia que devia ser de festa (82 anos não se fazem sempre…) tornou-se, de repente, um pesadelo. Parece difícil de acreditar, mas passou-se comigo. Se não vos chateio muito, vou tentar explicar a expressão. Desde já vos peço perdão pelo tempo que eventualmente vos roubarei. Porém a vida é feita de pequenos nadas como canta o Sérgio Godinho, de quem não gosto, mas, mesmo assim, transcrevo um trecho: «Segunda-feira trabalhei de olhos fechados; Na terça-feira acordei impaciente; Na quarta-feira vi os meus braços revoltados; Na quinta-feira lutei com a minha gente; Na sexta-feira soube que ia continuar; No sábado fui à feira do lugar

Mais uma corrida, mais uma viagem; Fim-de-semana é para ganhar coragem

Muito boa noite, senhoras e senhores; Muito boa noite, meninos e meninas; Muito boa noite, Manuéis e Joaquinas; Enfim, boa noite, gente de todas as cores; E feitios e medidas; E perdoem-me as pessoas; Que ficaram esquecidas

Boa noite, amigos, companheiros, camaradas; A vida é feita de pequenos nadas; A vida é feita de pequenos nadas; A vida é feita de pequenos nadas; A vida é feita de pequenos nadas (…)» Há já uns tempos que me sentia muitíssimo cansado sem razão aparente para que isso acontecesse. Não me preocupei muito, a idade não perdoa e a cabeça continuava (e continua) a trabalhar. Porém a dado momento comecei a perguntar-me o que se estaria passando, pois nunca tal não me acontecera. E embora não goste de incomodar, dei conta à Raquel do que já eram as minhas preocupações. Ela pôs-se imediatamente em acção: marcou uma consulta para o Dr. Nazaré, cardiologista (que já me vira há anos) que trabalha na UCS/TAP – a Unidade de Cuidados de Saúde da transportadora aérea portuguesa, que é um verdadeiro mini hospital com valências as mais diversas, só faltando as TAC e as Ressonâncias Magnéticas.


A consulta resultou no pedido do clínico de diversos exames e análises, concluídas todas iria de novo ser visto por ele. E assim aconteceu – logo no dia do meu aniversário. Lá fomos, a Raquel, o Luís Carlos, o nosso terceiro filho a servir não só de acompanhante, mas também de condutor; entrámos (o casal) e o Dr. Nazaré, depois de analisar os documentos, virou-se para mim e disse-me: «Senhor Henrique, o seu caso é MUITO GRAVE!!! Na minha opinião e face ao que estou a ver tem de ser mudada uma válvula cardíaca e substituí-la por uma artificial.»

 Caíram-me embora estivesse sentado, umas «coisas entre pernas» aos pés; e logo no dia dos eus 82 anos! Contudo, o médico prosseguiu: «Trata-se de um assunto MUITO URGENTE! Vou escrever uma carta ao meu colega Rui Telles, que é a maior autoridade nos casos como o seu e trabalha no Hospital de São João. O senhor, na minha opinião, não tem condições para uma intervenção cirúrgica, mas isso competirá ao meu colega; penso que ele utilizará o cateter.» E escreveu a carta que devia ser entregue em mão.

A partir daí podem imaginar como eu (e a família) nos sentimos. Não tenho pejo em confessá-lo: estou um tanto «acagaçado» …