Uma válvula cardíaca
*Vai ser de substituição e
o doente sou eu
Antunes Ferreira
Um dia que devia ser de festa (82 anos não se
fazem sempre…) tornou-se, de repente, um pesadelo. Parece difícil de acreditar,
mas passou-se comigo. Se não vos chateio muito, vou tentar explicar a
expressão. Desde já vos peço perdão pelo tempo que eventualmente vos roubarei.
Porém a vida é feita de pequenos nadas como canta o Sérgio Godinho, de quem não
gosto, mas, mesmo assim, transcrevo um trecho: «Segunda-feira
trabalhei de olhos fechados; Na terça-feira acordei impaciente; Na quarta-feira
vi os meus braços revoltados; Na quinta-feira lutei com a minha gente; Na
sexta-feira soube que ia continuar; No sábado fui à feira do lugar
Mais uma corrida, mais uma viagem; Fim-de-semana
é para ganhar coragem
Muito
boa noite, senhoras e senhores; Muito boa noite, meninos e meninas; Muito boa
noite, Manuéis e Joaquinas; Enfim, boa noite, gente de todas as cores; E
feitios e medidas; E perdoem-me as pessoas; Que ficaram esquecidas
Boa noite, amigos, companheiros, camaradas; A vida é feita de pequenos nadas; A vida é feita de pequenos nadas; A vida é feita de pequenos nadas; A vida é feita de pequenos nadas (…)» Há já uns tempos que me sentia muitíssimo cansado sem razão aparente para que isso acontecesse. Não me preocupei muito, a idade não perdoa e a cabeça continuava (e continua) a trabalhar. Porém a dado momento comecei a perguntar-me o que se estaria passando, pois nunca tal não me acontecera. E embora não goste de incomodar, dei conta à Raquel do que já eram as minhas preocupações. Ela pôs-se imediatamente em acção: marcou uma consulta para o Dr. Nazaré, cardiologista (que já me vira há anos) que trabalha na UCS/TAP – a Unidade de Cuidados de Saúde da transportadora aérea portuguesa, que é um verdadeiro mini hospital com valências as mais diversas, só faltando as TAC e as Ressonâncias Magnéticas.
A consulta resultou no pedido do clínico de diversos exames
e análises, concluídas todas iria de novo ser visto por ele. E assim aconteceu –
logo no dia do meu aniversário. Lá fomos, a Raquel, o Luís Carlos, o nosso
terceiro filho a servir não só de acompanhante, mas também de condutor;
entrámos (o casal) e o Dr. Nazaré, depois de analisar os documentos, virou-se
para mim e disse-me: «Senhor Henrique, o seu caso é MUITO GRAVE!!! Na minha opinião e face ao que estou a ver tem de
ser mudada uma válvula cardíaca e substituí-la por uma artificial.»
Caíram-me embora estivesse sentado, umas «coisas entre
pernas» aos pés; e logo no dia dos eus 82 anos! Contudo, o médico prosseguiu:
«Trata-se de um assunto MUITO URGENTE!
Vou escrever uma carta ao meu colega Rui Telles, que é a maior autoridade nos
casos como o seu e trabalha no Hospital de São João. O senhor, na minha
opinião, não tem condições para uma intervenção cirúrgica, mas isso competirá
ao meu colega; penso que ele utilizará o cateter.» E escreveu a carta que devia
ser entregue em mão.
A partir daí podem imaginar como eu (e a família) nos
sentimos. Não tenho pejo em confessá-lo: estou um tanto «acagaçado» …