2016-07-21

A menina
queria ser
manequim

de montra 


Antunes Ferreira
E
specada em frente da montra de um estabelecimento de roupa interior de senhora, Alberta mira com ar pensativo os manequins, entre eles um de uma mulher com um biquíni obscenamente pequeno. Feito em tiras pouco largas de cores amarela torrado e azul marinho duas cobrem-lhe os mamilos duns seios moldados e empinados. Quase lhe deixam mostrar as auréolas, e estendem-se pelo tronco.

À
 cintura mais uma fita das mesmas cores de onde partem mais duas que se cruzam entre as pernas fazendo adivinhar a zona púdica para passando por baixo do sexo para seguirem para as costas. O manequim está de frente virado para quem passa. Alberta advinha-lhe um fio dental, embora não o veja. Uma senhora cinquentona ao lado dela comenta que lhe parece uma mulher verdadeira, que não deviam fazer estas coisas para atrair as compradoras e – quem sabe? – os compradores, certamente para oferta. Tenho a certeza, prossegue a dama, que é para a secretária ninguém daria uma prenda destas à mulher legítima.

Alguém devia proibir estas "exibições


A
liás não é só aqui que se pode ver esta desvergonha. Também há meninas com tudo à mostra nos placares publicitários espalhados por Lisboa… por Lisboa? Por todo o país. Os condutores se reparam neles ainda dão com a lata no carro da frente. “Alguém” devia proibir estas “exibições”. No meu tempo não era nada disto. As Senhoras eram Senhoras e as meninas eram meninas! Até penso que é necessário fazer uma marcha pela avenida da República com cartazes a dizer: Abaixo a devassidão! Abaixo os maus costumes!

U
m pouco atrás um cavalheiro, a caminhar para sexagenário, ou talvez já seja, está pensando: os homens hoje em dia aperaltam-se bem, vão ao ginásio (para ver as moças em calções e ti shirts), fazem plásticas, rapam os pelos mais incómodos, tentam alindar-se senão mesmo assexoar-se á maneira de mulher. E há ainda os pane… homossexuais e as fuf…lésbicas, os travestis e os transgénicos, valha-nos Deus!  Discorda da que deve ser a esposa, mas em silêncio não vá ela... No entanto Alberta adivinha-lhe o pensamento bastante pornográfico.

Obras na Av. da República


O
 cidadão que parece um tanto distraído – mas não está – acrescenta à proposta da cara-metade: na avenida da República não, está toda cheia de tratores e trabalhadores das nove da manhã às cinco da tarde, não fazem horas extraordinárias nem trabalho nocturno o que é típico dos portugueses: Além disso há os mamarrachos às listas brancas e vermelhas que só entopem a circulação; ah e também o Saldanha e a Fontes Pereira de Melo obstruídos pelos mesmos coisos plásticos das mesmas cores, para abrir o tal corredor…  Que está a Câmara a fazer? Dizem que é para circular melhor. Uma ova! Se de três faixas tiraram uma o resultado tem de ser uma merda!  A dama por uma só vez concorda. Raro.

A
lberta está num supermercado grande que fica entre o hipermercado e o centro comercial, mais maneirinho do que ambos, mas com umas quantas lojas em frente das caixas que registam os produtos depois da máquina ler os códigos de barras. Ao lado dum balcão de café de várias qualidades mas da mesma marca, fica a loja de roupa sensual para senhoras, transparente e reveladora. Outro manequim usa um baby-doll cor de rosa com rendinhas salmão. Outro ainda veste um fato de banho tão cavado que de cima se pode ver que tem as unhas dos pés pintadas. Ou devia ter.

U
m dia o pai, depois o tio Manel em seguida as mulheres, uma com os sete filhos e outra com seis abalaram da  aldeia em que viviam, Pardieiros, do concelho de Viseu em busca de uma vida melhor, faltos de pão de centeio e azeitonas. Tinham como objectivo no fim da viagem do Reboredo, em Torre de Moncorvo onde havia uma mina de ferro que diziam ter a maior reserva do metal em toda a Europa.

Caretos


L
á chegados fora uma desilusão, a mina estava prestes a fechar porque os filões já tinham acabado. Um senhor explicou aos que tinham chegado o que era a Festa dos Rapazes, que decorre do Natal ao Ano Novo e que é uma marca nordestina. Tudo bem, na altura iriam ver os “caretas” vestidos <b>a rigor</b> que percorrem bastantes aldeias. Tinham de provar os botelos e as alheiras outra classe de enchidos locais. O pai, de seu nome ti Chico, ouvia tudo com muita atenção e então decidira ficar porque dizia que a fé move montanhas ao que o ti Manel respondia: sim senhor, mas eu prefiro a dinamite…

A
ssentaram em Freixo de Espada à Cinta e logo o povo gozara com a sua maneira de falar tipicamente beirã. Mas continuaram a falar achim. O Chico Monteiro abrira um estabelecimento de sapateiro, um buraco de uma escada, alugaram dois quartos com serventia da casa de banho colectiva no fim do corredor e uma cozinha onde cabia o fogão. Assim todos ficaram a falar ao jeito das Beiras. A coisa não correu mal e tempos depois tornara-se sapataria com modelos para toda a gente, incluindo o padre cura que ainda calçava botinas.E a coisa ia andando bem.


Freixo de Espada
à Cinta


R
ecorda que quando era miúda lá em Freixo de Espada à Chinta o Cenhor Augusto alfaiate abrira uma montra onde pujera dois manequins. Nada como estes de agora: tinham um pau com rodas em bez de pés para ele os mober de um lado para o ouitro. Debiam cher em papelão ou coisa que o balha, as caras feias como um burro e muito pintadas que o merceeiro Senhor Jaquim até dijia que os póseches eram para disfrachar a feiura. As mulheres trocheram o nariz mas o Cenhor Augusto estebe-che nas tintas e continuou com os manequins na montra.

U
m dia dichera ao pai que quando foche grande queria cher manequim de montra. O pai, de pelos nas bentas chamara-lhe parba e chem chequer a ameachar dera-lhe duas galhetas daquelas de mão atrás para dar balancho. A mãe Mariana enxugara-lhe as lágrimas: tá queda Berta, olha que o teu pai te dá mais duas. Calara-che. - Como iam longe os tempos em que trocava os esses pelos ches,  os vês pelos bês e os zês pelos jotas… - mas metera na cabecha a ideia de cher manequim de montra.

E
 com qualquer bestimenta, até mesmo com aquelas que lhes davam o aspecto de terem acabado de ter chido dadas ao Mundo, tal era a diminuta porchão de fajenda que quaje nem cherbiria para dar lustro aos chapatos. O ti Manel, por parte da mãe, abijara-a que che deixache de mariquichs, tás a ber, tira echa ideia maluca da cabecha. As gajas nem se mexem e além do mais não chão bibas. Mas também dijia que ela para tirar alguma coija da cabecha era precijo cortar-lhe a… dita cuja cabecha.

Trancam o automóvel, rebocam-o...


V
iera para Lisboa, tirara o curcho (às vezes ainda resmoneava: maldito sotaque) de Economia, casara, divorciara-se e voltara a casar, dois filhos, um do primeiro, outro do segundo. E voltara a divorciar-se e hoje tinha um namorado, a amiga Eduarda que era muito brincalhona chamava-lhe… namorido. Tem o carro no estacionamento pago; olha o relógio, meu Deus já passam mais de quinze minutos da hora limite indicada no parquímetro. Ainda vem o tipo da EMEL, tranca-lhe o automóvel e a grua reboca-o - e estou fo…rnicada. Vira-se e acelera o passo. Ainda está para dar um adeus com a mão ao manequim - mas não dá. Uma economista, três vezes casada, três vezes divorciada, com dois filhos e um namorido não deve dizer adeus a um manequim. Mesmo sendo de Freixo de Espada à Cinta.