2016-06-17



Antunes Ferreira
C
oronel (na reserva) Sebastião Lopes Monteiro, viúvo, adorava contar estórias da guerra do Ultramar (continuava a dizer assim, nem pensar em colonial) em particular com ele como protagonista. Aos 82 anos conservava ou julgava que conservava o garbo e o pundonor militares, mas as dioptrias eram um problema, assim como a bengala de castão de prata pois manquejava. Gota, diziam-lhe os médicos, mas Monteiro não aceitava o diagnóstico e à porta fechada insultava-os: grandes pulhas, querem ver-me a fazer tijolo, mas comigo não, no fundo quase que se julgava eterno.

Rendição de Goa


U
sava dizer que os anos passavam por ele mas não o desarmavam. Aí, valente! Se ele tivesse estado em Goa em Dezembro de 91 como alferes (da Escola do Exército) teria derrotado os 54.000 homens do Exército, Marinha e Força Aérea indianas. Sozinho, de Mauser em punho, dizimava aquela soldadesca de pacotilha, e aqueles pan…, digo, maricas dos portugas, a mando dum general (nem queria dizer o nome do gajo) governador-geral tinham-se rendido, contrariando as ordens do Senhor Presidente do Concelho!

E
ra em casa da dr. Joaquina, companheira da sua falecida esposa, Deus a guarde à Sua direita, em Odivelas, que contava as suas estórias durante os chás das quintas-feiras onde também se jogava o king ou a canasta. Compareciam diversas Senhoras, sempre as mesmas, o reverendo padre Francisco, prior da freguesia e o conselheiro Fagundes jubilado. As Senhoras escutavam o coronel (na reserva) de olhos arregalados, nem todos os dias se podia ouvir um herói, e Lopes Monteiro era-o…

Manutenção de Piper militar


P
or uma tarde cacimbada, o aquecimento ligado, a Senhora Dona Celestina – que não fora companheira da sua saudosa cara-metade nem estudara em Odivelas, mas era uma pessoa fina – pediu-lhe que contasse mais uma estória das suas campanhas em África, mas Vossas Excelências já ouviram todas, ou quiçá…, perdoar-me-ão mas mesmo agora me recordei de uma passada em Moçambique numa avioneta que penso que não vos contei…

C
onte Senhor Coronel, que essa não ouvimos, por obséquio conte. Ao grupo de Senhoras chegaram-se o prior e o conselheiro aposentado para ouvir Lopes Monteiro. Sentaram-se todos mas o coronel (na reserva) ficou firmemente em pé apoiado na sua bengala de castão de prata e começou: ia numa Piper (uma avioneta de reconhecimento) militar pilotada por um furriel miliciano da Força Aérea, de seu nome Amável, quando passávamos sobre uma manada de búfalos.

Uma manada de búfalos


O
rdenei ao piloto rapaz faz um rase-motte sobre a manada e ele assim fez; rapei da minha Parabellum (para quem não saiba, Senhoras e cavalheiros, era uma pistola alemã muito fiável e segura), abri a janela da Piper, apontei e dei só um tiro e um búfalo caiu. Aterrámos de seguida numa chana e vi que a bala acertara justamente no olho direito do quadrúpede. Nisto Lopes Monteiro reparou que as Senhoras levantavam pudicamente um pouco das saias e os cavalheiros puxavam as calças ligeiramente.

F
ranziu o cenho e perguntou: fazem o subido obséquio de me explicar o que se passa? E a dr. Joaquina explicou que estavam a meter água. Mas, rebentou algum cano? Não é a água que metemos por mor da estória que Vossa Excelência, Senhor coronel (mas não disse na reforma) nos contou.

Nunca mais...

S
ebastião Lopes Monteiro, coronel (na reserva) pigarreou, muito boas noites a todos, saiu da sala manquejando embora apoiado na bengala de castão de prata, vestiu a gabardina pegou no guarda-chuva e zarpou. Enquanto esperava pelo ascensor pareceu-lhe ouvir um coro de gargalhadas vindo do interior do apartamento. Entrou no elevador; velhas filhas da p…, oops, da mãe, juro pela alma da minha Ernestina que nunca mais aqui volto! E carregou no botão do rés-do-chão.
  


29 comentários:

  1. Um gajo dos tesos que, provavelmente, mandava acrescentar um centímetro aos tacões para impressionar o inimigo, digo, o mulherio do chá.
    Na próxima quinta alinhará num golpe-de-mão como voluntário.
    Conheci um que não era coronel mas muito mais feroz. Apesar dos seus 1,60 m matava onças à chapada. Era conhecido por Zé da Onça.
    Abraço, Leãozão.

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    1. Agostinhamigo

      Gostei, asseguro-te que gostei mesmo muito ao primeiro parágrafo do teu comentário, +E assim memo!!!!!

      Bom, mas gostei muito também do resto do texto, Não precisava de andar aqui às voltinhas para dizer que adorei o comentário tout court

      Essas da onças à chapada pode ter sido Zé, mas por certo não o amigo da onça... :-)))))))))))

      Abç

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  2. Conheci um (não militar) que do alto dos 1,58 m de altura e 50/55 kgs de peso, afirmava que, quando esteve no Brasil, sempre que entrava num boteco. o Lampião saía, à rasca pela porta dos fundos. E também, dizia ele, apanhava animais ferozes à mão.

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    1. Cunhamigo

      Há gajos para tudo Sobretudo gajos com 1,58 de altitude, perdão, altura.

      Batendo no peito porque vou estar contra eu, o B de C não disse que tinha recusado 80 milhões?

      Abç do Leãozã

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    2. Peço desculpa ao Agostinhamigo mas esqueci-me de assassinar, oops, a minha resposta. Por isso

      Leãozão ao quadrado

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    3. kkkkkkkkkkkkkk. Parece que não conhece a história de Lampião, qualquer peão que entrasse num boteco e visse Lampião, sairia correndo mais do que um cavalo Alazão. Sei a História do Cangaço na ponta da língua.

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  3. ~~~
    No fundo, é uma grande maldade das senhoras púdicas e finas do chá e da canastra...
    Insistirem com o vetusto e empedernido coronel - de 82 anos - o relato de uma das suas aventuras apenas com o intuito de se rirem dele, é coisa de gente vulgar, que de fina só deve ter a massa encefálica.

    No entanto, sei que estes gabarolas, são uns cromos.

    ~~~ Muitos beijinhos para vós. ~~~
    http://avivenciaravida.blogspot.pt/

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    1. Madrinhamiga

      Ainda estou envergonhado do que acabei de ver, ou seja o Portugal - Áustria; pelo sim, pelo não vou comprar um ábaco ou talvez uma calculadora a vapor... É sempre assim; valha-nos o Cris,..., oops fora com o capitão - da asneira!!!! :-(((((

      Poizé, as Senhoras foram umas pu...ras velhotas. Bem fez o coronel (na reserva) Sebastião Lopes Monteiro: pôs-se a milhas ascensorianas :-))))

      Bjs da Raquel e qjs do afilhado Leãozão

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  4. Estava eu a garatujar a resposta à minha madrinhamiga e chega-me a Raquel para me informar que recebera há minutos uma chamada telefónica a dizer que o nosso irmão romeno está no hospital em Bucareste com um cancro no pâncreas.

    Porra, este ano vai de vento negro em popa: do maldito mal já morreram desde Janeiro uma Amiga durante 40 anos (já pertencia à família a Bébe Abrantes, 62, viúva doutro amigo aos 26 anos. Tinha um cancro nos pulmões e muitas metásteses. Resultado: cinco meses até à morte...

    E o outro amigo, o José Vieira Vieira dos Reis que foi bastonário da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas e meu vogal no Conselho Fiscal da ANACOM de que sou presidente. Um Homem bom, competentíssimo e vertical.

    E agora está prestes a juntar-se-lhes o embaixador Ion Floroiu um verdadeiro irmão romeno como digo acima. Porra, é demais!!!


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  5. FerreirAmigo,
    Mais uma prova que há mesmo gente equipada com um valente motor de rega!!
    Aquele abraço para ti, beijinhos para a Raquel, boa semana

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  6. Meu querido amigo, muito obrigada pelo carinho das suas palavras. Virei aqui a este endereço que me forneceu para comentar.
    Um beijo.

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    1. Gracitamiga

      Não fiz do que deixar o meu sentir; e tu merece-lo... Como sempre sou sincero e verdadeiro... :-)

      Ainda não te alistaste como seguidora,,,

      Qjs do Leãozão

      ... e um pedido: diz às tuas Amigas e aos teus Amigos que eu existo e gostarei de as/os ver por cá, obrigado

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  7. Coimbramigo

    Assim sendo todos temos de usar galochas... :-)))

    Ainda não te tornaste meu seguidor. Cuidado, Achtung minen!

    Bjs, qjs e abç para tu

    Leãozºao

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    1. Pensava que já era.
      Já corrigi o lapso.
      Toma lá um abraço

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  8. Pedrinhamigo

    Boaaaaa!!!!!!!!

    Nagyön Koszönöm

    Leãozão

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  9. Henriquamigo.

    Também um homem tão vivido,quase um herói, não desconfiava dos chás onde comparecem senhoras finas e padres.
    Um convívio assim só podia meter água :)

    Um beijinho para si e outro para a amiga Raquel

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    1. Fernandinhamiga

      Os chás mesmo de duquesas, marquesas e similares com padralhada e justiceiros são mesmo muito perigosos sobretudo para heróis... :-)))

      Poizé, meter água e de que maneira...

      Bjs da Raquel e qjs do Leãozão

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  10. Olá, querido amigo Henrique!

    Bem, prepara-te mão direita para escreveres como deve ser, caso não, o amigo Henrique não entende a tua deficitária e manca escrita, como da outra vez. Lembras-te?

    Gostei muto da história, aqui publicada, quer ela seja verdadeira ou inventada. Pois é, as meninas de Odivelas, ao que parece, foram sempre assim, para além de outros atributos, entre aspas, e que o diga, o nosso D. João V.

    Pobre de Sebastião de Carvalho e Mello, ai, não é esse, é sim o Sr. Coronel, na reserva, Sebastião Monteiro, de que fala o texto, muito bem escrito, com humor e muito traquejo.

    Agradeço a sua visita e comentário tão elogioso e olhe que para poeta, já não lhe falta nada. Tem tudo no sítio e o casto beijo foi aceite.
    Espero um poema, da sua autoria, para breve, aqui. Pode ser?

    Beijinhos com muita estima e apreço para ambos.

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    1. Céuzitamiga

      Palavra de honra que já me esqueci; das coisas boas lembro-me; as más cesta secção...

      Quando andava no Curso De Oficiais Milicianos, COM, sempre que havia marchas forçadas ou esforçadas a companhia cantava sempre: ... as meninas de Odivelas são umas pu...ras donzelas

      O D. João V, esquerdo, sabia-a toda; veja-se o episódio da Troca das Princesas um bom exemplo dum gajo que reinou durante 43 anos; quase igual só o Salazar.

      O Marquês de (sublinho de) Pombal foi um tipo muito importante mas não tem nada que ver com a estória; já o coronel Sebastião Lopes Monteiro tem; é o protagonista que pode ser chamado o herdeiro da EPAL.

      Eu sou mais prosa; mas por vezes arrisco poetar... Sai uma rimalhada que nem te digo. Prefiro escrever a eito mas tento que saia prefeito (?), digo perfeito.

      Tenho tudo no sítio? Tinha... Um destes dias - não sei quando nem prometo - arrisco-me a rimalhar. Oxalá não seja corrido a saxofone deveras, oops, de varas. E por hoje é tudo. Fico à espera do teu regresso

      Bjs da Raquel e qjs do Leãozão

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  11. Retificando, embora saiba que o Henrique deduz - muito e não muto, como, por lapso, escrevi.

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    1. Já tinha desusado, i.e, deduzido. Nagyön koszonömm que quer dizer kittos em finlândico

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  12. Oh, coitado do coronel (na reserva) Lopes Monteiro!! Achei muito cruel o comportamento daquelas filhas da.... mãe e até do senhor prior... Não se faz!

    Beijinhos, Leãozinho...

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  13. Gracinhamiga

    Milagre! Depois de muita insistências vejo-te cá. E, note-se, a apoiar o nosso coronel que mais parece as fontes do Rossio: deita água para cima e para baixo.

    O prior não tem vergonha nenhuma o que vai sendo habitual na padralhada; nem o Francisco os safa... :-)))))))

    Bjs da Raquel e qjs do Leãozi..., oops Leãozão

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  14. Amigo Henrique
    Ouvintes exigentes!
    Desde quando uma his(es)tória tem de ser verdadeira?!!!
    Obrigada pelo texto, pois é sempre um prazer ler as tuas crónicas.
    Um abraço
    Beatriz

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    1. Beatrizamiga

      Eu diria mesmo mais (cf Dupont & Dupond): ouvintas exigecentas!!! :-))))

      Qjs do Leãozão

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  15. Ja coloquei a nossa travessa na minha lista de leituras:)
    abraço
    Angela

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    1. Angelamiga

      Meri bien!!!! :-)))

      Des petits frommages

      Leãozão

      Agora vai ao Nice: volta o terror

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  16. Finalmente consigo comentar!
    Gosto dos seus textos e dos olhares!!!
    Boa semana e...

    Por aqui há novidades:
    https://mgpl1957.blogspot.pt/2016/11/olhares-e-pensamentos-outonais.html

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