...partira de Chicago em 11/11/1929
O gelo no comboio
*A travessia
dum deserto interminável
Antunes Ferreira
O comboio partira
de Chicago em 11 de Novembro de 1929. Seguiria por Illinois, passando pelos
estados de Missouri, Kansas, Oklahoma, Texas, Novo México, Arizona e terminava
na cidade de Santa Mónica. Tinha apenas três carruagens, a máquina e o vagon
para o carvão. Uma das carruagens era destinada ao transporte das bagagens dos
passageiros e outras com passageiros destinados para diversos destinos.
Já há mais de dez horas o ronceiro trem avançava,
soluçando, atravessando um deserto aparentemente interminável. Os passageiros,
metidos naquela aventura, respiravam com dificuldade o ar pesado e a água das poucas
vasilhas estava tão quente como o ambiente. Olhavam-se uns aos outros
desvairados, a morrer de sede.
Eis senão quando, do vagon das bagagens, saiu um
cavalheiro, de fraque, com um balde na mão, anunciando: «Gelo, gelo, quem quer
gelo? Cada pedra dez cents!» O pessoal nem regateou, havia pedras de gelo para
toda a malta – todos compraram e deitaram nas respectivas vasilhas. Água fresa
– que delicia!
«O cadáver decompõe-se...»
Entretanto o cavalheiro regressara à sua carruagem e o calor e a sede não desistiam. Abriu-se de novo a porta e saiu o cidadão com o balde: «Cada pedra 50 cents!» Vozes quase e uníssono: «Roubalheira!!!!» Mas compraram. O homem retirou-se outra vez, mas passada meia hora, voltou: «Cada pedra um dólar!» Um grupo organizou-se para assassinar o energúmeno! Contudo a serenidade venceu e todos esportularam a enormidade. O fulano retirou-se, mas após uns escassos minutos reapareceu sem o balde! Um brado colectivo: «Onde é que está o gelo?» E o sujeito, tranquilamente: «Se eu tiro mais gelo, o cadáver entra em decomposição…»
Beijos
& queijos flamengos Limiano