Pela primeira vez a tropa
Um problema bicudo
Antunes Ferreira
Pela madrugada, Jacinto acordou, estremunhado, com o som estridente duma
corneta – depois saberia que se tratava de um cornetim, enquanto lhe berravam
aos ouvidos. «Levantar, levantar, levantar!!!» e o abanavam
violentamente. «Mas que raio???» Ao seu lado um resmungo: «Sacanas!!!».
Só então se apercebeu que estava deitado com outros três marmanjos em cima
de palhas, numa barraca que momentos após saberia que em linguagem militar era
de «três panos»! Estava-se em 1962, um ano depois de ter começado a guerra em
Angola.
Era o
despertar para um exercício nocturno (diziam eles, os mandões), aliás o
primeiro entre os muitos que se sucederiam para mal de quê? Dos seus pecados? –
perguntava-se Jacinto enquanto atabalhoadamente ia calçando as botas sem
polainitos??? também saberia o que eram e para que serviam… e já de pé formava
a duas colunas com o Guedes à sua frente e o Martins atrás (salvo seja).
Foi então que o
alferes que comandava o pelotão mandou: «Firme! Sentido! Armas na
bandoleira, terno de garupa, em frente, marche, acelerado!!!» Madrugada
fora, de princípio a trote (mas sem cavalo) passando a galope continuado a pé
que Jacinto se deu conta de que se encontrava metido num saralho do carilho
(modo de falar tipicamente militar que começava a aprender naquela malfadada
hora entre a lua que se apaga e o sol que se acende).
Pelas cinco da
madrugada votaram, esfalfadíssimos, a tempo de satisfazer as necessidades,
fazer a barba e ao toque do clarim avançar para o pequeno-almoço: um quarto d
pão casqueiro, barrado com margarina, e no copo de alumínio uma mistela que
dizia o soldado que a distribuía tirada dum caldeirão. E, ala que se fez tarde,
de novo o clarim, uma sessão de GAM – a que o sargento instrutor chamou
ginástica de aplicação militar.
Sempre com a mesma
farpela uma espécie de fato macaco de tecido zuarte que em pouco tempo a malta
cognominou «fato de suar». Entrou-se na rotina: de manhã GAM, almoço, de tarde
instrução de armas. Jacinto aprendeu – a tropa ensina tudo. Tinha-lhe calhado a
arma de cavalaria, mas, como atrás já disse, sem qualquer réstia equestre a não
ser um conjunto de correias aplicáveis outrora aos corcéis : o terno de garupa.
Conjunto que desde a fatídica madrugada Jacinto passou a usar todos os
dias, excepto aos fins-de-semana quando estes não lhe eram cordos porque tina
as botas mal engraxadas ou um botão mal pregado na farda de saída.
Mas, não ficaria
por aqui se não referisse a primeira experiência gastronómica que o nosso
soldado-cadete experimentou. Foi ao jantar da primeira noite; dê-se alguma
ordem nesta salgalhada militar. Logo no pequeno-almoço as coisas deram um tanto
para o torto: Um café (?) com leite (?)
e um quarto de pão casqueiro com um cheiro de margarina. Depois o almoço: carne
de vaca – por certo reformada – com cimento, aliás, puré de batata.
Entre este menu e o
jantar decorrera a instrução de armamento, uma trapalhada, montar e desmontar
diversos tipos de armas individuais desde as espingardas Mauser (alemã, do
tempo da II Guerra Mundial) até às então novas FN (automáticas, belgas),
pistolas-metralhadoras FBP (de fabrico português) e Uzi (produzidas em Israel)
pistolas Walther e Parabellum (ambas alemãs).
Enfim chegou a hora
da janta à luz (?) de Petromax – bacalhau com batatas e grão, supostamente com
azeite (óleo) e um ovo cozido para quatro marmanjos/soldados-cadetes. No meio do
desalento, a malta ainda tece o desplante de tentar jogar ao berlinde com os
grãos, que parecia que nem tinham sido cozidos. O problema, entre gargalhadas, era
que os ditos tinham bicos…
Ferreira, pelo visto estás bem e nos fazendo rir com teus escritos! Que bom!
ResponderEliminarPra quem como eu, apenas lê, acha divertido. Porém pra quem viveu os fatos acima narrados, nada engraçado é!
Gostei dos bicudos,rs... Abraços, linda semana, tudo de bom! chica
Querida Chiquitamiga
EliminarSe vires a resposta que dou à Janita compreenderás o estado em que me encontro. Mas, muito obrigado pela tua visita e pelo teu gentil comentário
Beijos & queijos
Henrique
Ora, ora, HenriquAmigo...então já andas por aqui há mais de três quinze dias e não nos foste avisar? Por acaso lembrei-me de vir espreitar e fiquei agradavelmente surpreendida por te de novo às voltas com as tuas histórias de 'encantar'!
ResponderEliminarNão sou grande apreciadora de grão-de-bico - como lhe chamam cá no Norte - mas com fome marcha tudo, menos grão cru...:))
Beijos e abraços e saúde da boa!
Aparece lá pelo Cantinho.
Alentejanitamiga
ResponderEliminarA saúde está cada vez mais complicada. Recebidos os resultados da biopsia tenho já marcada uma consulta de gastro para a próxima quinta-feira. Estou mesmo desanimado e isso não anima; daí que não apareça com a frequência que desejaria. Vamos ver o que isto vai dar...
Beijos & queijos
Henrique
Desanimar, não e desistir nunca!
EliminarVamos lá primeiro à consulta de gastroenterite e depois serás medicado e/ou conduzido para outros tratamentos. Um homem como tu, ainda está aí para lavar e durar. Tens uma cabecinha com uma mente invejável. Como a mente é que domina o corpo e a vida, não podes baixar os braços.
Mas sim, HenriquAmigo, não precisas andar em visitas blogueiras.
Cuida primeiro de ti!
Um grande abraço e um beijo repenicado.
Cumprimentos com votos de Bom Natal e excelente Ano Novo. Laerte Tavares
ResponderEliminarOlá, meu querido amigo Henrique, espero que você esteja bem melhor
ResponderEliminarde saúde, pois você merece toda a felicidade possível.
Hoje é para lhe desejar um Feliz Natal com sua família e um 2025
bem melhor, com saúde e paz junto da sua Raquel, filhos e netos.
Nos veremos em 2025!!
Beijos e queijos! 🌷🌼🌺🙏🌹🌻🥂
Pois é, meu ilustre amigo Henrique Antunes Ferreira, estamos
ResponderEliminarno final de 2024, com os festejos do nascimento do Menino Jesus,
o Natal que é a data mais importante para os Cristãos. Depois, 2024
dará lugar ao Novo Ano, que esperamos seja bem melhor do que o que se finda.
Deixo meus votos de muita saúde, paz e alegria junto aos seus.
Um grande abraço amigo Henrique!