VIVER COM UM IRMÃO PORTADOR DE SÍNDROME
DE DOWN - 16
Antunes Ferreira
Pás brancas quais gigantes vão parindo electricidade girando
lentamente no cimo das torres que as sustentam umas seguidas de outras
alinhadas como soldados de um regimento eólico plantadas no alto de morros de
vegetação rasteira e eu estava sentado no restaurante-café duma estação de serviço
á beira da autoestrada ia contemplando-as absorto sem as ver. Era o dia 1 de
Agosto de 2008 fazia um calor abrasante, acolhera-me ao ar condicionado,
enquanto o carro estava estacionado sob um toldo metálico existente no parque
próprio. A bica cheia em chávena escaldada esfriara. Moscas esvoaçavam zumbindo
e uma delas aterrava em voo picado na colher abandonada no pires açucarado da
chávena.
Rememorava, solitário, tudo ou quase tudo o que acontecera nos
oito anos que tinham decorrido desde a
vez que escrevera no meu “Diário” o último episódio da saga. E quantos
tinham acontecido... Infelizmente, mais maus do que bons, alguns deles mesmo
péssimos. A ver. Começara pelo Frederico com a sua Elena a desejar ardentemente
ter um filho que ele não lhe podia fazer pois como já tinha dito ele era
estéril. Durante quase um ano o problema tinha andado penosamente a arrastar-se,
engrunhando, um passo à frente dois atrás, iludindo a mulher que não queria
aceitar a desgraça de não ter uma criança.
Elena sofria de síndrome de Down acentuada e por isso pensava que
a andavam a enganar e começara a desconfiar de todos mas em especial do marido.
Para o Frederico esta era uma situação dolorosíssima, confidenciara-me que já
não sabia o que fazer à vida
Índios Guarani Kaiowa - jogos |
Por outro lado a Leonor conseguira vencer a luta contra a droga e
saíra com uma determinação: fazer voluntariado mas longe de Portugal. O mano
Frederico, entre a visita quotidiana à Clínica
Sossego & Saúde e a atenção à irmã, empenhou-se na obtenção desse
objectivo e através da direcção da ONG
Aposta na Vida conseguiu estabelecer contactos com a FUNAI que é a Fundação
Nacional do Índio do Brasil que
a colocou no Mato Grosso do Sul para trabalhar com os índios Guarani Kaiowa. Para
lá tinha seguido muito feliz: tinha alcançado um objectivo que traçara para a
vida dela.
E foi ainda o mano Super que me trouxe a informação do fim
desgraçado do ignóbil Golfo. Os seus informadores (a rede que possuía continuava
a funcionar muito bem) tinham-lhe transmitido os pormenores da funesta
ocorrência que acontecera em meados de Julho de 2007, isto é do ano anterior.
Golfo adorava a caça e, como estava em África, ia habitualmente à noite para caçar ao farol
ou seja com uma lanterna potente montada no jeep que utilizava juntamente com
dois ou três camaradas. Embrenhavam-se
nas florestas através de picadas manhosas e de repente farolavam encadeando
possíveis animais aos quais com mais facilidade atiravam.
Mas nesse dia Golfo decidira ir caçar elefante – de dia; os
companheiros bem tentaram dissuadi-lo, era a primeira vez, os “bichos” eram muita
granjolas, um mânfio acagaça-se, eles avançavam, eu já vi um,
parecia uma locomotiva a cravão, caté bufava, se um gajo é atropelado vai pró
caralho sem dizer piu! Foda-se, nessa não caio eu!... Quem falava assim era
o Fernandes, o outro portuga do grupo de segurança do Mugabe e companheiro de
caçadas. O terceiro era queniano chamava-se Moisés Quigambo e esse alinhava.
Ainda havia um quarto que era o condutor natural de Hare, Paul Tsnangwa que
também aceitou.
Partiram de madrugada e já o sol nascera quando encontraram uma manada
de elefantas com as suas crias, mas Golfo desprezou-as. Ele queria UM
elefante macho. Quigambo, conhecedor dos hábitos dos proboscídeos
alertou-o: “Careful friend, and the
animal is in the mating period and attacks the man is very dangerous!... (Cuidado amigo, e o animal está no período
de acasalamento e ataca o homem é muito perigoso!...) Mas o tuga apenas rosnou: Don’t
fuck with me! Those who are afraid stay at home! (Não me fodas! Quem tem medo fica em casa!)
Premiu o gatilho - nada! |
E, de supetão, saindo do meio da mata apareceu um machão, de
tromba erguida que parou e soltou um berrido de fazer tremer o mais destemido!
Golfo saltara do jeep e dera uns passos afastando o capim até ficar ao alcance
do monstruoso animal. Meteu um joelho em terra, apontou cuidadosamente ao mesmo
tempo que o elefante investiu. O caçador premiu o gatilho – nada! Pólvora seca?
Percutor lixado? Em menos de um segundo fora apanhado pela tromba que o agarrou
por uma perna, volteou-o como se fora uma funda (assim contaram os
sobreviventes que tinham metido a marcha atrás, dado meia volta e cavado à
maior velocidade!)
Mas mesmo assim o Moisés voltara-se para e fizera um curtíssimo
vídeo que mostraria o caçador caçado e depois de volteado a ser atirado contra
o tronco de um embondeiro. E ali ficou feito um espantalho espapaçado no capim
tingido de vermelho. E assim o foram encontrar no dia seguinte quando voltaram
ao local para buscar o corpo já muito dilacerado pelos leões, pelos urubus e
quiçá pelas hienas, enquanto as térmitas já se afadigavam para participar no
festim. Pouco restava do Senhor D. Mário João Ruivães Lorena de Mesquitela, mais
conhecido pelo Golfo. A própria arma estava destroçada.
O Restaurante-bar estava mesmo às moscas – passe o trocadilho –
quando entrou um casalinho jovem, de jeans e blusas soltas do mesmo tecido,
botas à cauboi e capacetes para motos que pediu ao balcão duas coca-colas e
duas sandes mistas com manteiga tendo ido sentar-se a uma mesa no canto mais
fundo e escuro do salão. Não lhes liguei e continuei embrenhado nos meus
pensamentos, cada vez mais macambúzio. O processo da adopção estava a
revelar-se uma sucessão de papelada sem fim: o exemplo mais flagrante da
burogracite aguda. Aquilo que os brasucas sintetizam para dizer o nosso marcar
passo: faz-que-anda-mas-não-anda…
Por esse andar quem ia parar à Clínica Sossego & Saúde éramos
a Maria Rita e eu. Uma porra, uma grandessíssima porra!. E no entanto, numa das
creches da Misericórdia já a minha mulher tinha descoberto um parzinho de
gémeos, menina e menino, pretinhos, com oito meses de idade, lindos como os
amores, com os olhitos muito grandes e brancos no meio das carinhas muito
negras e redondas a sorrir para ela e depois para nós. São estes! São mesmo
estes! Mas o problema é que o raio dos papéis nem de empurrão não havia maneira
de andar.
Lavoisier e sua esposa Anne- Marie |
Perante a nossa aflição, o Frederico tinha sugerido: “E se untássemos umas mãos ao pessoal que
tratava do processo? Umas papilas de quinhentos euros bem acondicionadas e num
bom molho deviam fazer-lhes jeito…” E o “malandro” quando pôs os tios
Miguel e Jaime ao corrente da sua “boa proposta” deu-se ao luxo de citar o
Lavoisier: “Na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma"…. Claro que depois disto só se
ouviram como comentário umas boas casquinadas…
Coitado do Frederico perdeu a sua companheira.
ResponderEliminarEstar à espera de um filho que não chega, dá com qualquer uma em doida, independente de ser ou não deficiente, amigo. Eu quase endoideci. Já ouviu falar em cura do sono? Pois eu quando fiz a minha já estava mais doida que sã.
Também muito dolorosa a espera que a burocracia impõe a quem quer adotar, o ano de adaptação antes de o processo avançar, em que se os pais manifestarem desejo de ver os filhos leva o processo para o início, mesmo que o ano de adaptação esteja a chegar ao fim.
Outra coisa.
No episódio anterior, no ano 2000 o irmão do Frederico diz que completou 50 anos. Neste capítulo 8 anos depois o personagem estaria com quase 60 anos. Quanto mais idade pior para se conseguir a adoção. Porque o personagem esperou atá quase à idade da reforma para isso?
Abraço e bom fim de semana
Minha querida Elvirinhamiga
EliminarUm Amigo que muito prezo que foi meu colega na Faculdade de Direito conseguiu (naturalmente com a mulher) adoptar uma menina de dois aninhos linda como os amores com trancinhas e lacinhos chamada Maria Rita, a Ritinha. (Talvez por isso à esposa do Armando e também pela canção dos meus grandes amigos o Milo e o Raul chamei Maria Rita...)
Pois bem, querida Amiga, o casal quando se deu a adopção tinha ele 58 e ela 59 e diziam que a Ritinha era mais... neta do que filha. E até hoje continuam muito felizes. E a cachopa que está na Universidade do Algarve até já namora...
Muitos qjs 💋💋deste teu amigo e admirador
Henrique, o Leãozão🦁
Acredito que sim. Também conheci há anos um casal assim em Paço de Arcos. Só falei porque esse mesmo casal me disse que foi muito difícil os técnicos dão prioridade a casais mais jovens.
EliminarAbraço
É bem verdade o que dizes.
EliminarE como o assunto parece ser do interesse de muita gente e em especial de comentadoras e comentadores que poderão pensar em divulga-lo a amigos e/ou conhecidos aqui deixo um brevíssimo resumo do processo de adopção que corre seus termos pela Segurança Social, através da Equipas de Adopção do Organismo da Segurança Social. Em Lisboa pode recorrer-se à Santa Casa da Misericórdia.
Depois segue-se o processo de avaliação dos candidatos a adoptantes, suas qualidades sob diversos aspectos como por exemplo sociais, morais, financeiros, etc. aos quais é dado um curso de Formação
Só então se põem em contacto candidatos a adoptar e a serem adoptados para ver se são "compatíveis".
Para completa informação a Segurança Social possui um Guia Prático Para a Adopção e para terminar estas breves notas refiro que o enquadramento jurídico está contemplado na Lei N.º 143/2015 de 8 de Setembro que motivou a criação o CNA, o Conselho Nacional para a Adopção (2015)
E pronto, por aqui me fico.
Olá, Henrique
ResponderEliminarSempre bem disposto e a escrever textos com imenso interesse.
E, pelo meio,lá vais dizendo o que por cá se passa: é cada aventura burocrática!!!
Bom fim de semana.
Um abraço
Beatriz
Minha querida Beatrizamiga
EliminarOra viva quem é uma flor!❤❤❤❤ Há quanto tempo não vinhas comentar. Muito obrigado.
Pois eu não sou capaz de não deitar as garras de fora e fazer umas arranhadelas e também deles 🤣🤣🤣 Sou assim, como muito bem sabes e não há nada a fazer pois prometo não emendar-me!...
Muitos qjs 💋💋deste teu grande amigo
Henrique, o Leãozão🦁
Há tempo não vinha cá! Escusas pela ausência! Cá estou e com satisfação sinto nos textos beleza por forma e mensagens com conteúdos robustos! Parabéns, Henrique! Meu abraço fraterno. Laerte.
ResponderEliminarMeu caro Laertamigo
EliminarHoje é dia de festa🎉 e já deitei um molho de foguetes!!!! Pum! Pum! Pump!
... e muito obrigado pelas tuas palavras.
Um abração deste teu🦁 amigo
Henrique, o Leãozão
Registo em acta a vinda de "filhos pródigos" e até trago um bolo🎂
Sabes o que te digo, FerreirAmigo?
ResponderEliminarEsse fdp que foi dar uns tiros aos elefantes teve o fim que merecia.
Vá dar tiros em alvos, não em animais.
Aquele abraço para ti, beijinhos para a Raquel.
Meu caro João Pedramigo
EliminarNesta altura em que anda por aí uma estúpida polémica sobre as touradas (podia gastar-se politicamente o tempo em coisas muito mais importantes) o teu comentário além de correcto tem todo o meu apoio.
Um abração deste teu amigo do peito
Henrique, o Leãozão🦁
...E bai-se a ber no Dragon é um descanso..🤢
ASSINO!!!
EliminarA polémica sobre as touradas não é absolutamente nada estúpida. O Partido que acabar com as touradas leva o meu voto.
Minha querida Teresinhamiga
EliminarIch stimme dir vollkommen zu✨, obwohl ich immer PS wähle ...
Kleine Käse
Henrique, o Leãozão🦁
Sempre muito interessantes as tuas narrativas. Foi um prazer ler-te. A adopção é sempre uma boa saída para quem não consegue ter filhos. O Frederico continua a ser o meu herói…
ResponderEliminarUma boa semana.
Um beijo.
Minha querida Gracinhamiga II
EliminarDe adopção estamos conversados e felizmente a Raquel e eu não precisámos de recorrer a ela. Mas se fosse necessário...
Ainda vais ver que o Frederico tem muito para contar - e fazer.
Muitos qjs💋💋💋 deste teu grande amigo e fervoroso admirador
Henrique, o Leãozão🦁
Muito legal te ler sempre,Henrique! Vale a visita aqui! um abração, tudo de bom,chica
ResponderEliminarMinha querida Rejane/Chiquitamiga
EliminarMais uma vez muito obrigado. És uma fofinha... 💖
Muitos qjs💋💋💋 do teu amigo
Henrique, o Leãozão🦁
Querido amigo Ferreira, tantas criancinhas para adotar, a espera de pais cheios de amor e saúde, sim, pais jovens, de preferência... Uma segunda adoção seria pesadelo!
ResponderEliminarMas, assunto resolvido... e aquele desgranado a matar um lindo elefante? Por quê? Gostei de saber do seu fim, me junto ao comentário do Pedro Coimbra, teve o que mereceu.
Muito bom vir aqui ter contigo e com teus amigos, muitos deles nossos! E adorei tua visita!
Beijos, uma linda semana, meu amigo!
Deixei recadinho pra você lá no meu quadrado!
Eliminarbjs
Minha querida Taisamiga
EliminarEstou plenamente de acordo com este teu comentário. Mas digo mais. O acto de adoptar representa a assumpção de uma enorme responsabilidade💑 de que o pratica. Para mim isso justifica os trâmites do processo que talvez não devesse ser tão demorado mas, enfim, a vida tem sempre coisas boas e coisas más e o que temos de fazer é valorizar as primeiras.
Ter amigas e amigos é gratíssimo pois a Amizade não se compra nem se vende, muito menos se empresta... - vive-se🙏.
Muitos qjs 💋💋💋deste teu amigo e admirador portuga
Henrique, o Leãozão🦁
Tais
EliminarJá lá fui ver o teu recadinho. Mas como o teu Brasil também é bastante meu, prefiro dizer é nosso estou muito preocupado com o futuro dele...
ResponderEliminarHoje passei só para deixar um beijinho para ti e outro para a Raquel.
Boa noite Henrique
(^^)
Minha querida Clarinhamiga
Eliminar"Ambos os dois" (??????)🤣🤣🤣 componentes do casal Ferreira agradecem e mandam um bilião de bjs 💋💋💋💋💋e de qjs
Minha querida Isys/Teresamiga
ResponderEliminarMuito obrigado.
Muitos qjs 💋💋💋deste teu amigo ainda e também com memória
Henrique, o Leãozão🦁
A tua escrita é fabulosa.
ResponderEliminarVou ler outra vez, porque o que é bom nunca enfastia...
Caro Henrique, continuação de boa semana.
Abraço.
Meu caríssimo Jaimamigo
ResponderEliminarNão sei que hei-de te dizer perante este comentário a não ser que muito enleado já não onde me esconder rubro de vergonha (gostaste? Eu nem por isso..😇.)
Assim sendo, obrigado. Só.
Um abração deste teu amigo e admirador
Henrique, o Leãozão🦁
Gracias por tu aportacion en el blog.
ResponderEliminarTranquilo la gente si quiere se estiende
aun que no tenga el mismo idioma:
Garacias por tu visita
feliz fin de semana
Besos
Mi querida Annitamiga
ResponderEliminar¡Hola!
¡Seguro que sí, que nos entendemos!💖 Los amigos, aunque hablen idiomas totalmente distintos siempre llegan a defender su Amistad que es una de las cosas más preciosas que hay en el Mundo.
Muchos qjs💋💋💋 de tu amigo desde Lisboa
Henrique, o Leãozão🦁
Não sabia que estavas a escrever...
ResponderEliminarEstava habituada a que deixasses uns Ps discretos a anunciar
as tuas novas crónicas e fiquei esperando...
Disse crónica, mas na verdade, este conto parece um ''romance rio''
cheio de afluentes, ao estilo Agustina...
Conseguiste uma bela foto da caça ao elefante...
Gostei de te ler, Amigo...
Não te esqueças do Ps discreto nos comentários, porque o teu link
não entra na lista de leitores.
Dias agradáveis e amorosos.
Beijos e abraços para ti e tua Raquel.
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