2018-11-16


VIVER COM UM IRMÃO PORTADOR DE SÍNDROME DE DOWN - 17



Antunes Ferreira
Quando o sol começava a morrer como em todos os dias acontece borrando o horizonte dum laranja ensanguentado no Verão, eu, sem nada para fazer, começava também a ser hora de pensar em voltar a casa. Sentado no restaurante-bar da mesma estação de serviço de autoestrada onde sempre parava refugiava-me no nada.  Estava-se em 2012, dois anos mais do que constara da última entrada no meu Diário. Assim acontecia comigo mas entre a vontade de me meter no automóvel que apesar de estar à sombra devia ser uma sauna e pedir mais um café cheio numa chávena escaldada, optei pela última. Entretanto entrara um casalinho que depois de pedir qualquer coisa no balcão fora sentar-se na mesa junto ao canto mais afastado e penumbrado da sala. E de imediato puseram as respectivas mãos direitas debaixo da mesa. A decisão estava tomada(muito a contragosto…) logo tive um trabalhão para me levantar – a inércia e o far niente são muito pesados… – chegar ao balcão e fazer o pedido dizendo ao empregado que entretanto ia à casa de banho.

"Está um calar de ananases.."

 Tinha de passar pelo parzinho que só deu por mim quando estava quase junto dele. Os dois sobressaltaram-se. Fizeram um sorriso amarelo como se fossem putos apanhados a ir ao boião das gomas e puseram um tanto destrambelhadamente as mãos em cima da mesa. Eu também lhes sorri e lembrei-me do nosso Eça: “Está um calor de ananases…” E fui urinar. Já aliviado voltei para ir buscar a bica mas o empregado avisou-me que ainda a ia tirar e que ma ia levar à mesa. Estava na mira o santo sacrifício da gorjeta ou como dizem os galegos consellos o que afinal vistas as coisas são… consolos aconselháveis.

O casalinho que mirei de esguelha tinha voltado aos seus trabalhos manuais. Ambos tinham as braguilhas abertas (daí o canto mais canto e escuro…) e ambos tinham as respectivas mãos direitas ocupadas no que elas   continham ou seja os dois se masturbavam enquanto as esquerdas se afadigavam a massajar os mamilos por baixo das tichartes, pois ela  não trazia sutiã o que era perfeitamente descortinável. Desse relance também me pude aperceber que – caso raríssimo nos dias que corriam – usavam alianças; donde lua-de-mel top.

Entrara um grupo de raparigas em fato de treino com o nome de um clube regional, mais uns cavalheiros que deviam ser treinadores, dirigentes e claques. Era malta do futebol feminino e tinham vencido por isso faziam um cagaçal danado. Estava desfeito o sossego. Bebi a bica, paguei e segui para Lisboa. Fora uma tarde mal passada e logo eu que gosto dos bifes bem passados… Já no Hyundai tentei afastar a preocupação que me levava a alhear-me da realidade, porque a condução exigia o maior cuidado e além disso eu não gostava – nunca gostara – de conduzir.

 Na incubadora

Mas havia dois motivos que me levavam a esse estado, o primeiro dos quais dizia respeito à adopção. Tinha falhado a tentativa dos gémeos pretitos pois a “burrocracite” ocasionara tamanho atraso que outro casal mais cujo processo se encontrava mais adiantado fora o feliz contemplado com os petizes. Em segundo lugar a Maria Rita, incansável, descobrira na Maternidade Alfredo da Costa um bebé de sete meses, prematuro, numa incubadora filho duma timorense que morrera durante o parto e não tinha qualquer parente em Portugal. Do pai – nem pó.

Tínhamos o processo pronto, inclusive já havíamos concluído o Curso de Formação para progenitores conditio sine qua non incluída nos trâmites sem a aprovação da qual nada feito. Daí o nervosismo que era o que afinal a origem da minha (e da dela) preocupação. Se tudo corresse bem alcançaríamos finalmente o nosso desiderato. Só então daríamos por inteiramente justificado o longo percurso que havíamos feito, os obstáculos que tínhamos ultrapassado, a persistência – e por que não a teimosia – em que nos tínhamos empenhado para alcançar o objectivo tão almejado: ter um filho nosso, como se fora carne da nossa carne, sangue do nosso sangue.

Uma vez mais o Frederico acompanhava-nos e tentava sossegar-nos com o carinho e a gentileza que nele eram habituais. Nunca poderia agradecer-lhe tudo o que estava a fazer por nós e obviamente a Maria Rita também. Fora preciso “fintá-lo” para aquela fuga isolado mas eu precisava de estar só para conversar comigo mesmo no solilóquio onde a verdade tinha de impor-se num jogo de tudo-ou-nada. Nem à minha esposa dera conta dessa minha decisão. E estava de volta não completamente convencido de que encontrara o caminho certo ainda que estava perto, muito perto de o fazer.
 
Cartaz das Festas
Por outro lado, no Brasil desenrolara-se um romance inesperado. A Leonor encontrara entre os outros voluntários um médico natural da cidade de Malaca na Malásia, mais propriamente no Kampung Portugis ou seja o Bairro Português chamado Patrick Silva que tinha sido Regedor do bairro (assim dizia nos seus antigos cartões de visita) e só depois se formara já em Portugal na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Apaixonaram-se e tinham decidido casar-se na igreja do bairro português durante as Festas di San Pedro e di San Juang as maiores que ali decorrem.

E assim tinha acontecido. Toda a família voou para lá, foi um evento magnifico que durou uma semana com um ritual antigo respeitando a tradição aliás de acordo com o tio Jaime que estivera em Damão o papiá que ali se fala é muito semelhante e os usos e costumes também. Os padrinhos vão buscar a noiva a casa dos pais (ali por empréstimo…) levam-na à casa dos pais do noivo onde ele não a pode ver e só depois de dois dias se vão encontrar já no templo. Meteu um copo de água (o Frederico que foi o padrinho da mana Leonor sugeriu que seria melhor dizer muitos copos de vinho…e outros) leitões e muito peixe tudo assado envolvido em folhas de bananeira. A principal ocupação dos "portugueses" é a pesca. Claro, tinha de ser o mar, sempre presente. Pareceu-me que estava o bairro inteiro, pois os participantes eram mais que muitos…

É ver os trajes regionais...


Boas recordações, até a Maria Rita, eu, a mãe, os tios Elsa, Jaime e Miguel andámos a cantar e dançar o vira, a chula, o malhão e o corridinho com os ranchos folclóricos locais que se exibiram em honra dos noivos. È preciso r até ao Oriente para ver o prestígio angariado pelos portugueses do antigamente. Por cá não se faz a menor ideia do verdadeiro patriotismo de gente que nunca veio a Portugal mas que se considera “portuguesa”! O discurso de abertura da festa esteve a cargo do “patriarca” da comunidade, o Sr. George  Bosco Lázaro, com 82 anos que falou no português mais ou menos arcaico difícil de entender para nós, mas valeu, como é uso dizer, a intenção. O mais comovente foi que antes de ele perorar      foi cantada a “Portuguesa”. Chegaram-me as lágrimas aos olhos. Não é vergonha um homem chorar!

Voltei à realidade quando o smartfone tocou. Como ia em alta-voz ouvi a Maria Rita: “Meu querido: Está feito! Já temos o nosso menino” Só temos de esperar  mais dois, três meses para que saia da incubadora e levá-lo para casa, para a nossa casa!”

Só pude responder-lhe  por entre um soluço de contentamento: “Meu amor, parabéns, parabéns aos dois e ao nosso filho…”
(Continua)    
    


23 comentários:

  1. HenriquAmigo.
    A socióloga Ursalina Fidelina Madurolina precisou ser internada num nosocômio, no bairro paulistano de Santana, porque teve um siricutico, quando soube que o próximo presidente da República do Brasil é um ser infame integralista ignaro tosco e obscurantista.
    Quando os asseclas de Hipócrates deram-lhe alta, ela disse que o irmão do portador de síndrome de down é um gato e que está sôfrega para fazer tricô com ele.
    A socióloga socialista pediu para que - com vossa intercessão - apresente-lhe o irmão gato.
    Folguedos à parte, estou exasperadíssimo com a desgraça inexcedível de ter ciência da cruel realidade, que - no ano vindouro - teremos um presidente da República Federativa do Brasil, além das características, que a socióloga socialista disse, também é um ser infame, vil, vômito de demônio, homofóbico, racista, higienista, machista e manipulador.
    Ele que vá para a residência do Sr. Carvalho, localizada na Avenida AI-5 nº 1969, que fica duas quadras depois da Ponte que Partiu.
    Acuda, Max...
    Valha-nos Padroeira dos socialistas inconformados.
    O conhecimento acima de tudo.
    Saudações psolianas resistentes laicas, sem véus e ranços.
    CastoconfradeAmigo

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    1. meu casto Confradamigo

      Não quero imiscuir-me nos negócios internos do querido Brasil mas tenho de dizer que estou muito preocupado como democrata e como socialista com o resultado das eleições para a presidência do teu País! Oxalá não tenha razão de pensar assim mas o presságio é mesmo muito negro!...🤢

      Muitos bjs 💋💋💋e um abração solidário do casal Ferreira

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    2. HenriquAmigo.
      Estou preocupadíssimo, porque o "mito" virou mico.
      Grato pela solidariedade.
      Saudações democratas socialistas.
      Castoconframigo.

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    3. Meu casto Confradamigo

      Não tens que agradecer. Os amigos e a solidariedade também são para as ocasiões. E oxalá eu me engane mas a ocasião não não prediz, do meu ponto de vista está bem de ver, um futuro muito risonho🤢 para o meu querido Brasil. Veremos.

      Um abração deste teu amigo e camarada muito solidário e preocupado
      Henrique, o Leãozão🦁

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  2. Parabéns aos papás.Que tenha sido o primeiro passo para a felicidade dos intervenientes.

    Boa tarde, Sô Henrique


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    1. Minha querida Nonamiga

      Os papás agradecem. Ainda estão no hemisfério cerebral direito as ideias sobre o desenvolvimento da saga e da felicidade 😇(ou infelicidade👹) dos seus intervenientes.

      Muitos qjs do teu amigo e admirador
      Henrique, o Leãozão 🦁

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  3. Que coisa boa quando as coisas acabam bem.Gostando de acompanhar! abração, chica e tudo de bom!

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    1. Minha querida Rejane/Chica

      Ainda vamos ver se tudo acaba bem... Deus queira que sim, mas nem e sei...

      Muitos qjs deste teu amigo do lado de cá do nosso Atlântico
      Henrique, o Leãozão🦁

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  4. Não seja jornalista , é uma delicia ler as narrativas com tanto visualismo.
    Quanto ao bebé , tudo está bem quando acaba bem !
    Beijinho

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  5. Minha querida Manuelamiga

    Não posso deixar de ser... Como se dis na gíria fui vacinado com uma pena de pato...
    De qualquer forma, muito obrigado e quanto ao bebé há que esperar pelas cenas do próximo episódio...📺

    Muitos qjs 💋💋💋deste teu amigo
    Henrique, o Leãozão🦁

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  6. Nunca ouviste dizer que o parir é dor o criar é amor?
    Tenho tantos exemplos entre amigos, FerreirAmigo!!
    Biologia é uma coisa, amor outra bem diferente.
    Aquele abraço para ti, beijos para a Raquel, boa semana

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    1. Meu caro João Pedramigo

      Já lá vão muitos, muitos anos ouvi-a da boca da minha avó materna Dona Maria da Ascensão que só sabia escrever o nome dela☺ e fazer contas de somar e de tirar (como ela dizia), beiroa duma cana mas que sabia de tudo um pouco que também afirmava aprendera na escola da vida.

      Vem-me sempre à memória o salmo do rei Salomão, o tal da sentença que declarou que A mulher sábia edifica a sua casa, mas a insensata, com as próprias mãos a derruba.

      Quanto à biologia e ao amor💖 também eu tenho uma sentença: da biologia muitos sabem; do amor alguns e poucos mais.

      Triqjs e um abração para tu deste teu amigo do lado di cá.
      Henrique, o Leãozão🦁

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  7. A tua crónica é deliciosa. E que bom já terem um bebé para criarem como um filho… Fico à espera do que se segue.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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    1. Minha querida Gracinhamiga II

      Muito obrigado, dizes-me sempre coisas muito gentis. Bebé já têm, vamos ver se o sabem criar. Filho único quer dizer só mimo...

      Muitos qjs deste teu amigo e admirador
      Henrique, o Leãozão🦁

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  8. Nunca é vergonha alguém chorar, não---


    Beijinhos

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    1. Minha querida Sãozitamiga

      Grande, enorme verdade.

      Muitos qjs💋💋💋 deste teu sempre amigo
      Henrique, o Leãozão🦁

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  9. Creio que já disse que este tema mexe comigo, já que foram muitos anos de luta até conseguirmos o nosso bebé. E não sei se ainda é assim, mas depois que o trouxemos vivemos uma ano com o coração nas mãos. pois o juiz deu ao pai um ano para reorganizar a sua vida e decidir se mantinha ou não a decisão de nos dar o menino para adoção. E só após esse ano, podemos tratar de tudo para fazermos uma adoção plena. Já lá vão quase 40 anos e hoje temos uma neta linda.
    Abraço

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  10. Minha querida Elvirinhamiga

    Penso que viste o que escrevi sobre os trâmites do processo de adopção não só porque me tenho interessado pelo assunto mas também porque acompanhei um dos meus cunhados que o conseguiu alcançar e no qual de alguma forma o ajudei.🙏

    Por isso tenho de te felicitar pelo êxito que alcançaste - melhor dizendo que alcançaram tu e o teu marido - coroado com uma neta que como para todos os avós é a mais linda do Mundo...

    Muitos qjs 💋💋💋deste teu amigo e admirador
    Henrique, o Leãozão🦁

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  11. Muito interessante meu amigo e gostei bastante deste magnifico texto.
    Um abraço e continuação de uma boa semana.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    O prazer dos livros

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    1. Meu caro Franciscamigo

      Muito obrigado.

      Um abração e m bom domingo deseja-te o amigo

      Henrique, o Leãozão🦁

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  12. Uma verdadeira História de Vida que nos deixa na meditação do que somos, o que fazemos e o que somos capazes.


    Abraço
    SOL

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  13. Meu caro Solamigo

    Sou suspeito porque sou o autor mas tenho de te dizer que concordo inteiramente contigo. A vida é assim, tim-por-tim😙

    Um abração deste teu amigo de sempre
    Henrique, o Leãozão🦁

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