Antunes Ferreira
Não sei como isto me aconteceu porque há muito
tempo que não sucedia, mas vejo-me obrigado a condescender, as teclas têm
razões que os próprios dedos desconhecem, que me desculpe o Monsieur Blaise
Pascal a pseudo citação aliás canhestra numa adaptação que dá imenso jeito ao
autor. Posto isto dito para a acta que hoje escrevo na primeira pessoa sobre
tema que eu próprio vivi por ter estado no local da ocorrência mas de cujos
trâmites não me recordo precisamente dada a minha tenra idade. Porém quem mos
contou posso considera-la fonte mais do que fidedigna como é uso escrever nos
periódicos. Vamos então à questão.
No Vale de Santarém mais exactamente na curva que
antecede a Fonte dos Amores contada por Almeida Garrett onde a Menina dos
Rouxinóis de olhos verdes quais esmeraldas – palavra d’honra que não é o eu que escreveu isto, foi o romântico –
ficava o casarão da minha tia-avó Dona Etelvina Ferreira, solteirona militante
com os seus setenta e muitos, no qual com os meus sete/oito/nove anos passava
um mês mais coisa menos coisa das férias grandes no tempo em que as havia.
Um peru mamute |
A propriedade urbana (assim rezava a
escritura) era também enorme pois além da moradia contemplava um lagar de
vinho com adega adjacente (dez tonéis enormes para dois mil litros) quatro figueiras
duas pereiras, três damasqueiros e duas macieiras, mais uma horta e um
galinheiro lá no fundo o quintalão onde
eram criados à tripa-forra todos os tipos de aves comestíveis e poedeiras desde
galos e galinhas passando por patos e gansos
e fracas até se chegar aos diversos tipos de perus mesmo os perus mamute
que me assustavam quando arrasavam a asa
às peruas. Coisas de namorados atiradiços.
En
passant (Óbvio que podia
grafar de passagem mas um francesismo dá sempre um ar de
erudição que ilumina a escrevinhadela e dia de trovoada) refiro que também
tinha eu catrapiscado uma namoradinha a Berta, filha o feitor, o senhor
Raimundo, amor de Verão, que dizia a senhora Maria Martins verão qu’isto passa e passou mesmo quando passei para a segunda
classe e para as segundas férias. É aqui a altura de nomear a citada senhora,
criada da minha tia-avó que, caso curioso e atá surpreendente, conseguia
realizar a magia de ser mais velha do que a patroa, pelo que almas maldosas
chegaram a chamar-lhe bruxa. Há gente para tudo. Outros mais evoluídos a nível
cultural, como o senhor Jimbrinhas da Farmácia Bem-te-curo, apelidavam-na de
pantomineira. Despeitados.
Um Ford T - o primeiro carro produzido em série |
Num dia de Agosto o senhor Raimundo levou-me à
garagem que era a antiga casa das carruagens e esteve a explicar-me com a maior
paciência e para mim uma insigne sabedoria o que eram dois carros que lá
estavam enferrujados e carregados de poeira que me pareceu ser do tempo dos
afonsinhos a par duma charrete em que a Dona Etelvina e alguns de nós incluindo
eu nos passeávamos na Feira de Santarém. Até apontei no bloco “Lusitano” que levava sempre comigo, antecipando o futuro repórter, os nomes dos calhambeques:
um fáeton Hudson de 1917 e um Ford T de 1923. Hoje valeriam uma pipa de massa.
Em euros, está claro.
A estória – a que aliás já me referi por algumas
vezes ouvi contá-la à minha mãe que a dava como absolutamente verdadeira – tem
a sua piada. Pelo Vale passava o senhor Freitas joalheiro ambulante com sede no
Cartaxo (terra do meu pai) que corria todo o distrito. Carlos E o seu irmão Fernandes eram os sócios e proprietários da joalharia Anel Doirado base do negócio. Fernando geria a loja, Carlos ia para o terreno. Era paraplégico, não mexia as duas pernas e por isso usava uma cadeirinha de rodas à qual fora
acoplado um motor Zündapp de dois cavalos nas costas da qual transportava uma
mala metálica fechada com cadeado onde transportava um mostruário de madeira onde tinha os produtos para venda em
prateleiras sobrepostas forradas de veludo vermelho. Com um engenhoso sistema
de manivela rodava o mostruário/balcão para a sua frente, abria-o e expunha a
mercadoria a fregueses e sobretudo freguesas.
A Senhora Dona Etelvina Ferreira (que era a segunda
pessoa mais rica do Vale de Santarém com sete tapadas de vinha e nove prédios
urbanos na terra alguns a cair) e a criada senhora Maria Martins eram clientes
habituais do Freitas que por lá passava uma vez por mês e quando chegava tocava
uma buzina e logo acorria o pessoal mais ou menos endinheirado. O vendedor era
o verdadeiro artista pois já descortinava à légua as e os potenciais
adquirentes e os sacanas dos mirones bem como os pilha-galinhas que contudo com
ele não tinha muita sorte. Dizia que não havia bambúrrio que escapasse a uma
Browning 22 que por causa das moscas trazia sempre debaixo da manta com que
cobria as penas inúteis fizesse chuva ou sol – e as velhas embrulhadas num
lençol como dizia o povo.
Porém chegou um mês em que ele não tocou a buzina porque não apareceu, se calhar está doente, dizia-se no Vale
e dizia a Senhora Dona Etelvina Ferreira bem como a senhora Maria Martins. No
mês seguinte, nada de Freitas, e trinta depois cadeirinha nem vê-la. E assim
foi acontecendo durante seis meses. Não
me diga minha Senhora, o pobrezinho deve ter dado a alma ao Criador lamentava-se
a criada para a patroa. Por via disso, foram-se à igreja paroquial e
encomendaram ao padre cura uma missa por alma do senhor Joaquim Manuel Freitas,
o que aconteceu com responso e tudo.
A perninha do meio não é aleijadinha... |
Mas, no mês que entrou, para espanto dos espantos,
ao portão da propriedade ouviu-se a buzina. Podia lá ser? Seria o Freitas?
Teria ressuscitado? Era. Açodadamente as duas foram-se ao novo Lázaro e a
Senhora minha tia-avó perguntou-lhe: Mas
que lhe aconteceu? Com estes meses todos sem aparecer julgámos que tinha
falecido e até mandámos rezar uma missa pela sua alma… E o ourives
ambulante: Credo, lagarto, lagarto,
lagarto, longe vá o agouro, pagar e morrer quanto mais longe melhor, foi a minha
Alzira que deu à luz o nosso sétimo filho e eu fiquei para ajudar os trabalhos
em casa…
Foi a senhora Maria Martins quem não se conteve: Sétimo filho? Então o Senhor Freitas tem as
duas pernas aleijadinhas salvo seja e já vai nos sete filhos? Retorquiu-lhe
um Freitas impante com sorriso de dentadura postiça recheada de dentes de ouro
naturalmente: Ó senhora Maria Martins a
perninha do meio não é aleijadinha!..
'Olhá, perninha, a perninha da menina, olhá perninha, a perninha a dar, a dar... neste caso uam perninha substancial e morfologicamente diferente... grande abraço e grande (H)e(i)stória.
ResponderEliminarÓ meu gradecíssimo pulhíssima
ResponderEliminarKomquentão a perninha a dar a dar... Deixa-te de morphologyas e como castigo ficas obrigado a vir cá e comentar 69 vezes por dia, oops, mês!!!! :-))))
Vê lá se arranjas um tampão, oops, tempinho para nos reencontrarmos
Embora não mereças toma lá um abração deste teu amigo muito fod..., rnicado
Henrique, o Leãozão
Bem esgalhada.
ResponderEliminarPois então parabéns pelo aniversário.
Meu caro Cunhamigo
EliminarAinda tenho as mãos doridas de tanto palmear depois de foguetear perante uma ocorrência que deixou estupefactíssimo, boquiabertíssimo até mesmo delirantíssimo face ao suposto comentário que levava a que nem acreditasse nos meus globos oculares.
Daí que um tanto à socapa pela calada da noite, pé ante pé cuidadosamente, não fora a NASA topar-me utilizei-me do Hubble e só então desfiz a quase alucinação que me assoberbara e descobri que eras tu ó Ribeiro que também metes Cunha ainda que não saiba a quem.
Porra que desde o Paleogéneo não vinha cá comentar e a coisa, a tuacoisa da não comparência contínua trazia-me não apenas preocupado mas também saudoso, digo até plagiando o génio quase em desassossego. Mas enfim voltaste. Adoro-te – mas no bom sentido, nada de paneleirices.
E muito obrigado por me parabenizares.
Um abração deste teu amigo sulista, alfacinha e socialista
Henrique, o Leãozão
E ninguém para o Sporting!!!
PARABÉNS
ResponderEliminarMeu caro akuñadmigo
EliminarBanyak terima kasih (malaio) ou මුතෝ අවරෝඩෝ (cingalês) ou మౌంటోఓబ్రిగాడో (bengalês) ou Margir takk (istandês) ou Mèsi anpil (crioulo italiano) ou Parechje ringraziatu (corso) ou seja muito obrigado (*)
Qjs à famelga e um abração para u do akuñado
Henrique, o Leãozão
_________
Com a ajuda à produção do Tradutor Google
Mais uma boa estória
ResponderEliminarFeliz Aniversário
Bué fixe! Obrigado.
EliminarMuá, Ai, Ixe.
7 filhos? Nada impediu,rs... Mais uma boa história li por aqui! abração e parabéns! chica
ResponderEliminarMinha querida Chiquitamiga
EliminarNadinha mesmo. Pontaria mesmo... Obrigadíssimo.
Henrique, o Leãozão com mais um ano...
HenriquAmigo.
ResponderEliminarQue deleite ler reminiscências do tempo que eras petiz, na década de 40 e inicio da década de 50, do século XIX, digo, XX.
A socióloga Ursalina Fidelina Madurolina, disse que a criada da vossa distinta e endinheirada tia-avó paterna,tinha desejo de fazer aquilo com o Sr. Freitas.
Também disse que o sétimo filho do Sr. Freitas virou lobisomem.
Outro fato relevante que a Ursalina disse foi que - a Dona Etelvina Ferreira - deixou sua polpuda herança para si.
Lembranças para a valorosa e cativante Dona Raquel, que desejo muito vigor.
Caloroso abraço. Saudações raquelianas.
Até breve...
João Paulo de Oliveira
Um ser vivente deboista hipertenso em busca do conhecimento e do bem viver, sem véus, sem ranços, com muita imaginação, autenticidade e gozo.
Meu casto Confradamigo
EliminarAs tuas considerações mais ou menos pertinentes levam-me a que te diga que essa socióloga fajuta limitou-se a bolsar mentiras vis e abjectas sobre as principais figuras femininas desta estória, só não se referindo à digníssima esposa do Senhor Freitas pois sendo ela fundamental para o enredo e produção não coube da realização muito menos na interpretação da cena.
No que concerne à herança o Henrique Silva Ferreira, meu pai e descendentes ficaram a ver navios porque o meu progenitor que era um bonzanas foi dizendo à tia Etelvina que queria fazer o testamento a favor dele e portanto de nós foi-lhe dizendo que havia tempo para ir ao notário a Santarém, que não se preocupasse...
E de repente a velha morreu de ataque cardíaco sem ter feito o tal testamento e quem ficou com as ma$$a$ foi um irmão, tio do meu pai, também Henrique Ferreira que em três repito três meses espatifou tudo no jogo e com então se dia com espanholas de Carcavelos... Enfim, não tinha de ser rico - mas, como sabes sou feliz e isso o dinheiro não paga.
Cumprimentos calorosos do casal Ferreira
Embora não me esquecesse, que no dia 20 deste mês ficaste ainda mais velho, só hoje é que te dou um abraço de parabéns, querido leãozinho.
ResponderEliminarSete filhos? Carago! O tipo tinha uma perninha muitíssimo laboral e nada aleijadinha 🐸
PS: You seem to know me best 😘
Minha querida Teresinhamiga
EliminarNão te amofines pois das amigas como tu os votos quais quer que sejam vêm sempre a tempo e quando se gosta de uma pessoa - e é o caso não tenhas dúvidas - recebê-los é sempre gratificante e reconfortante. Also vielen Dank
Setenta anos passados ainda acho imensa piada com esta estória verídica. Neste nosso tempo em que impera a produtividade (???) o Herr Freitas seria considerado um verdadeiro "empreendedor"...
kleine Käse
PS: Yes I do.
Mein lieber Freund
Ich bitte Du, mir per Email beizubringen, wie Du Emojis in die Antworten oder Kommentare der Blogs einfügen können. Alter Arsch muss lernen ....
Vielen Dank
Olá, Henrique! Como é bom poder lembrar tantos anos passados, tantas coisas hilárias e que na época muitas palavras tinham até outra conotação. São imagens que guardamos com muito carinho, tesouros.
ResponderEliminarDescia o texto e vi o carro, tive uma história com um caranguinho desses, aliás, meu pai ganhou de um cliente, velhinho já, um carro muito antigo que o tal cliente guardou anos e anos com carinho e depois presenteou meu pai. E fomos dar uma volta naquele carango do outro século, virgi... eram gargalhadas muito gostosas que guardamos daquela experiência.
Gostosa sua história, porém aqueles 7 filhos, hum...É verdade, "uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa" como se diz aqui no Brasil. Vá lá, deixa assim.
Perfeito, querido amigo!
Beijo, uma ótima semana pra vocês!
Minha querida Taisamiga
EliminarSabes que não sou saudosista nem mentiroso…, por isso não precisava de to referir. Porém há pessoas, coisas, acontecimentos que são indeléveis na nossa massa cinzenta e que passados tantos anos voltam à tona e quase vemos os lugares onde estivemos nessa precisa altura e a maneira como me contaram como as coisas se passaram…
Estou a ver os carros que o meu saudoso pai (aqui para nós vou-te fazer uma confidência: adorava o meu progenitor, nunca gostei da minha mãe. Há que diga que raio de filho sou eu. Mas, a verdade acima de tudo; nunca gostei, ponto.) tencionava mandar recuperar mas já não foi a tempo porque o seu tio Henrique já dera cabo deles!
Conheci o Sr. Freitas que por vezes me/nos (às crianças) trazia rebuçados e torrão de Alicante e por isso era um tipo muito porreiro, mas como escrevi não assisti à cena. Mas parece que tinha mesmo sete filhos, o que dizia bem da pontaria que tinha…
Muitos bjs qjs e abçs para o casal Luso de Carvalho do casal Ferreira
Estava mesmo a ver no que isto ia dar!
ResponderEliminarSabias que se costuma dizer que quando um dos sentidos é diminuído os outros são mais apurados??
Se calhar era o caso... :)))
Aquele abraço, boa semana para ti, beijinhos para a Raquel
Meu caro João Pedramigo
EliminarVou passar a chamar-te "Pitono" de Macau com tamanha adivinhação... :-)))
E essa estória de aumentar o diminuidor penso que no caso é ABSOLUTAMENTE o normal... :-)))))))))))))))))))))))
Triqjs e um abração para tu deste teu amigo sulista
Henrique, o Leãozão
A sua narrativa é, como sempre, muito gostosa de ler. E sempre com o seu quê de malandrice…
ResponderEliminarUma boa semana, meu Amigo.
Um beijo.
Minha querida Gracinhamiga II
EliminarMais um comentário gentil - mas recomeço a ficar preocupado pois o caso é recorrente: um dia tratas-me por tu; outro por você. Em que ficamos? Um "apaixonado" como eu tem direito de resposta... :-)
Muitos qjs deste teu amigo e admirador
Henrique, o Leãozão
Uma boa história, que gostei muito de ler. Muito louco esses perus mamutes risos.
ResponderEliminarUm beijo e ótima semana Amigo.
Escrevinhados da Vida
Minha querida Smareisamiga
EliminarMuito obrigado. Recheados e no forno são excelentes, melhor, são excelentíssimos... :-))))
Muitos qjs deste teu amigo❤😊💖
Minha querida Bonequinhamiga
ResponderEliminarMuito obrigado e qjs deste teu novo amigo
Henrique, o Leãozão
Caro amigo Henrique, para mim tudo bem e como disse o grande poeta Ary dos santos: "serei tudo, poeta castrado é que não".
ResponderEliminarNeste capítulo com ideias bem explanadas, merece-me referência: "a perninha do meio não é aleijadinha"!...
Abraço amigo
Meu caro Danielamigo
ResponderEliminarRecebi o teu recado que compreendi perfeitamente e que te agradeço. Um destes dias espero que tenhas a mesma atenção de sempre quando comentares o novo episódio da saga que terá por título O Super Frederico... :-))
Um abração deste teu muito amigo
Henrique, o Leãozão
Mais um ano de vida significa que nos deixa um legado de mais um ano de bons e divertidos momentos de leitura...e agora um ano de cada vez!!! 🎉
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