É DIFÍCIL TER UM IRMÃO MONGOLÓIDE (2)
Antunes Ferreira
No fim-de-semana
a tia Elsa tinha tudo arranjado para receber a mamã e o neófito – foi assim que
ela me ensinou a dizer – que deviam chegar antes do almoço. Como ela não podia
dar o peito ao Frederico pois tinha os bicos dos peitos pouco salientes já se
tinham comprado umas duas latas grandes de leite em pó Nido da Nestlé para ser
dado em biberão.
O maninho
ia ficar no quarto dos pais num berço em madeira polida torneada que já vinha
da avó Natália passara para o Henrique, o primogénito em seguida para a mãe Maria de Fátima e depois para a mana Elsa, mana mais nova e o
“inquilino” seguinte fora eu, quatro anos mais tarde a Leonor e agora o
Frederico. Era mais uma cama pois tinha dormido nela até que chegara a Leonor
ou seja aos meus quatro anos. Sempre pensei que era uma espécie de jaula como
as do jardim zoológico só que sem grades por cima…
O enxoval
estava um mimo. Para o baptizado o novo mano ia usar o fato/vestido que eu
usara e para cúmulo da minha felicidade o padrinho seria eu. Nem queria
acreditar. De resto e seguindo as determinações paternas no meu caderno de
encargos constava ainda motorista do carrinho do bebé, mas sem carta de
condução e lavar-lhe a chupeta sempre que ela caía no chão. Aliás o Frederico
era um puto porreiro quase nem chorava e se o fazia mais parecia um miado de
gatinho perdido da sua ninhada.
Mas o melhor
de tudo eram os ensinamentos que a tia Elsa me fornecia sobre as
“técnicas” de lidar com a criança. Era ela que lhe dava banho, depois de caído
o cordão umbilical, também lhe mudava as fraldas, dava o biberão, apanhava a
chupeta quando ela caía no chão e outras ao mesmo tempo que me ia ensinando
depois de eu chegar do colégio. Sempre comigo a assistir, para ver, dizia ela como São Tomé... E além disso ainda me proporcionava tempo para brincar.
Porém não havia
só obrigações; tinha a vantagem de ser o primogénito, um quarto só para mim ao
lado do dos meus pais. E certa noite, quando me levantei para ir à casa de
banho a fim de fazer chichi ouvi um barulho de discussão que vinha do quarto do
casal. Fiquei alarmado. Nunca tal acontecera ou, pelo menos, ouvira. Sem fazer ruído sentei-me no chão e encostei o ouvido à porta. Sabia que era feio mas a
curiosidade venceu. E pior, espreitei pela fechadura, os candeeiros das
mesinhas de cabeceira estavam acesos e os pais discutiam num tom acentuado que
ia aumentando de volume. A mãe sentada na cama e o pai andando para cá e para
lá.
Consegui
descortinar que o berço estava vazio e logo ouvi a explicação “Pelo sim pelo não, a Elsa levou o menino
para o quarto dela para podermos elevar a voz se for necessário. É que pela
primeira vez tenho de te dizer que a desgraça que nos aconteceu é por culpa
tua!” O meu pai abriu muito os olhos e retorquiu num brado “Minha??? Porra!!!” Fiquei estarrecido
pois nunca ouvira dizer tal palavra na nossa casa.
“Sim, sim, tu foste o culpado, com a mania de tropa de quereres ter mais
um filho que seguisse a carreira militar já que o Armando não tem queda para
isso e sabias muito bem que para mim com 37 anos a gravidez era de risco!!! E o
Dr. Fontes bem alertou para o perigo,” Estava de vez o caldo entornado, Mas
haveria mais. “Maria de Fátima (o pai
Gilberto tratava a mamã por Fatinha…) com
tal acusação cortaste a ponte que ainda nos ligava. Vou deixar-me de
fingimentos. Mas também te quero dizer nas trombas que não gosto de ser corno e
o puto não deve ser meu mas do teu amante o padre Júlio com quem andas a foder
que nem uma vaca com cio… És uma puta! Eu já desconfiava! Falsa beata! Rata de
sacristia!!!!” E como a mamã se tivesse levantado com os olhos esbugalhados
de espanto o pai levou a mão direita atrás e deu-lhe duas chapadas com tal violência
que a atirou sobre a cama!
Para mim
já bastava. Levantei-me num salto silencioso e entrei no meu quarto fechando de
imediato a porta muito devagarinho. Mas ainda ouvi o pai bater com estrondo a
porta do quarto deles. Abandonara o quarto com uma ultima ameaça “Nunca mais aqui entro!!!!” Meti-me na
cama e não conseguia adormecer por mais que fechasse os olhos. Pelo que tinha
escutado eu também fora parte da causa da doença do Frederico. Estava
amaldiçoado e tinha de expiar esse pecado que por certo era quase mortal. Mas
que berbicacho.
De manhã
como era habitual o pai levou-nos ao colégio no carro dele mas durante o caminho
foi-nos alertando que durante uns meses que não sabia quantos tinha de
ausentar-se para o estrangeiro e por isso não podia transportar-nos “mas, certamente a vossa mãe pode fazê-lo
usando o carro dela” e reparei que ele acentuara o
possessivo. Estava o caldo esturrado, ou como dizia a Lucinda, que era a nossa
cozinheira, tinha chegado o bispo ao fundo da panela.
...dormia sossegadinho |
Quando
voltamos do colégio o Frederico dormia sossegadinho e a mãe mais a tia Elsa
chamaram-me à sala de estar. Enquanto a Leonor ficava no quarto dela a brincar
às donas de casa com uma amiga a Rosinha filha dos nossos vizinhos e amigos
Fonsecas. “Armando senta-te aqui ao pé de
nós pois temos de conversar é um assunto muito sério mas desde já te digo que
não fizeste nada de mal. Porém, a partir de hoje…”
(Continua)
Se o que publicas é real, é terrível de todas as formas.
ResponderEliminarSe é imaginação, então elogio-te a imaginação e a capacidade de nos fazer sentir inquietos enquanto lemos.
Grande abraço para ti, beijos para a Raquel
Meu caro Coimbramigo
EliminarFicção é ficção, ponto. A intenção quando escrevo é prender os leitores aos textos que faço. Se não acontecer assim - então me vale a pena escrever: é fazer perder tempo aos leitores que ficam desiludidos, é gastar as teclas é deitar-me tarde sem razão de ser e finalmente é perder o meu próprio tempo. Repito: isto é mesmo ficção. E para o fazer tenho forçosamente de ter alguma... imaginação...
Triqjs e um abração para tu deste teu amigo
Henrique, o Leãozão
Faço minhas as palavras do Sr. Pedro Coimbra.
ResponderEliminarBom dia Sô Henrique :-)
Minha querida nonamamiga
EliminarFaço minha a resposta que dei ao Senhor Dr. Pedro Coimbra
Muitos qjs deste teu amigo
Henrique, o Leãozão
Momentos tristes, violentos pra qualquer pessoa assistir e viver... Vamos acompanhando...beijos, chica e feliz JUNHO!
ResponderEliminarMinha querida Chiquitamiga (Rejane Tazza)
EliminarPoizé, as rosas também têm espinhos...
Muitos qjs deste teu amigo portuga
Henrique, o Leãozão
Isto sucede em muitas famílias...
ResponderEliminarUma história, muito bem contada, parabéns.
Bom fim de semana, caro amigo Henrique.
Um abraço.
Meu caro Jaimamigo
EliminarAinda bem que assim achas. Muito obrigado.
Também para ti
Um abração deste teu amigo e admirador
Henrique, o Leãozão
Uma história muito bem contada, e real para muitas famílias. Quando alguma coisa corre mal num casamento, poucos o assumem como uma coisa natural que nada tem a ver com o outro e a tendência é culpar o outro com consequências quase sempre fatais para o casamento.
ResponderEliminarParabéns.
Muito bem! Gostei de ler!
ResponderEliminarDesejo que se encontre bem!! ;)
Especial:-Descalça de preconceitos sigo os trilhos. [Poetizando e Encantado]
.
Beijos. Bom fim de semana.
Minha querida Cidáliamiga
EliminarMuito obrigado.
Eu estou bem e a Raquel continua no Santa Maria mas também parece bem felizmente. Na semana que vai entrar rá fazer uma ressonância com contraste. Não sei bem o que é mas oxalá corra bem. Tenho a certeza de que vai correr!
Muitos qjs deste teu amigo e admirador
Henrique, o Leãozão
Minha querida Elvirinhamiga
ResponderEliminarVindo duma prosadora como tu esse elogio enche-me de satisfação e - por que não dizê-lo? - até de orgulho... A vida é feita de realidades mas também e de que maneira de sonhos, de ideais, de intenções, boas ou más, e de milhentas coisas que moldam as personagens que actuam nos seus palcos e que são as pessoas.
Quanto aos casamentos o amor é de longe o mais importante mas não dura sempre ou melhor dizendo não tem ao longo dos anos a mesma intensidade. Quando isso começa a acontecer - esta é a minha modesta opinião... - tem de ir a jogo a compreensão, a serenidade e a placidez e até mesmo a desculpa. Continuar juntos para o bem e para o mal já é em si um privilégio. Discussões? Qual é o casal que as não tem? Saber ultrapassá-las isso sim - esse é um dos segredos um dos quesitos para um bom casamento ao longo dos anos.
Se quiseres opinar sobre esta afirmação fá-lo aqui. Pelo-me por um bom debate para o qual convido mais maltamiga...
Muitos qjs para o eu amigo e admirador
Henrique, o Leãozão
Acredito que às vezes a realidade seja pior do que a ficção.
ResponderEliminarHá famílias que são uma benção como a minha família, mas na tua história é uma família pesadelo.
Continuação de um bom domingo.
Minha querida Teresinhamiga
EliminarHá famílias e famílias. Como tenho dito e redito, como tenho escrito e rescrito a nossa família é felicíssima, ponto.
Mas a ficção é assim: criar o bom ou criar o mal é a opção de quem escreve. E não gosto particularmente do delicodoce.
kleine Käse
Henrique, o Leãozão
A Raquel continua bem e tratam-na excelentemente no Santa Maria. Em Portugal há muita coisa que funciona bem e uma delas é o SNS.
Caro amigo Henrique
ResponderEliminarEstou a gostar de acompanhar o assunto, pois estas incidências, podem sempre servir como causa próxima para desencandear outras que vivem à tona, mas até então faltou a coragem para abordar. Ora, o trabalho de jornalista também é alertar o seu publico para todas as possibilidades. É normal, que um trabalho jornalístico ao abordar em facto real, investigue todo quanto possa ser adjacente e alerte para todas as possibilidades.
Há que ter em conta, que o espaço da blogsfera, pode e deve também servir para criar espaços de jornalismo.
Deixo um grande abraço
Meu caro Danielamigo
EliminarAinda bem que assim seja pois gosto de saber que os leitores vão acompanhando o que escrevo e ainda por cima quando gostam como é o teu caso; portanto muito obrigado.
Deixo, no entanto, aqui um reparo:
Este texto não é um trabalho de jornalismo - é pura ficção. É ponto adquirido, pelo menos para mim que sou o autor, que na vida real há muitas situações que infelizmente assim acontecem.
Quando ui jornalista em plenitude fiz muito jornalismo de investigação e também o mandei fazer e ainda o coordenei pois era da minha responsabilidade enquanto chefe de Redacção. E claro que na blogosfera (que é local muito atraente mas também muito perigoso quando usado para fins até criminosos) cabe perfeita e naturalmente a investigação. Um dias destes vou enveredar por esse caminho.
Um abração deste teu amigo
Henrique, o Leãozão
«Oh diabo» pensou o Armando, «Aqui há gato!»...
ResponderEliminarVamos ver no que isto dá!
Beijinhos e abraços para o casal Leãozão e boas e rápidas melhoras da Raquelamiga.
Minha querida Gracinhamiga
ResponderEliminar... e há mesmo sem o rabo de fora ...
Palavra que também não sei. Como dizem os futebolistas isto vai passo a passo (en passant Continua o circo em que o palhaço e criminoso suposto presidente transformou nosso Sporting).
Quanto à minha querida Raquel continua bem e também continua a ser tratada excelentemente no Santa Maria. Hoje falei com a médica que a segue e fiquei contente e feliz. Não se registaram sequelas face aos TAC que lhe fazem todos os dias.
Quanto à ressonância magnética com contraste que estava prevista para amanhã não poderá ser pois estão mais doentes à frente dela para o exame. De qualquer forma deve ser feira durante a semana que hoje começou. Mas só terá alta quando recuperar o equilíbrio medicus dixit.
Muitos bjs e qjs deste muito teu amigo casal Ferreira
Uma realidade em muitas famílias, esta que descreves de forma magnífica… É sempre um gosto ler-te.
ResponderEliminarUma boa semana.
Um beijo.
Minha querida Gracinhamiga II
ResponderEliminarInfelizmente acontece. Muito obrigado.
Muitos qjs do teu amigo e admirador
Henrique, o Leãozão
Bom dia amigo, a partilha é uma realidade de vida, muitas famílias de uma maneira silenciosa vivem o que descreve e muito mais.
ResponderEliminarVotos para que amigo se encontre em forma e Bom fim de semana,
AG
Meu caro Antóniamigo
EliminarPoizé, há famílias e há famílias e não digo mais nada neste contexto. Apenas acentuo que a minha é muito feliz. E muito obrigado pelas tuas palavras.
Um abração deste teu amigo e admirador
Henrique, o Leãozão
boa noite Henriqueamigo,
ResponderEliminarpois é! e os cuidados a ter com os ouvidos das crianças ?!
um alerta para que os adultos sejam responsáveis…
vou ler a continuação :)