Antunes Ferreira
E
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ra uma velha mercearia cujo dono, o senhor Vicente lutava
todos os dias para manter a porta aberta. Num bairro de gente pouco abonada,
uma classe baixa a descer para a miséria. Na linguagem das agências de notação (dizem
que é o raiting que a população, incluindo o Senhor Vicente, não sabe que raio
de coisa é) a classificação dos quarteirões e seus habitantes seria BB o que
significa “lixo” É óbvio que há que ter muito cuidado quanto à forma
cabalística que os financeiros usam a fim de baralhar os indefesos cidadãos.
Que não ficam a perceber patavina dela.
Ó Evaristo tens cá disto? |
T
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odas as manhãs ao correr a porta ondulada que fechava o
estabelecimento à moda do antigamente, o senhor Vicente deitava uma vista de
olhos pelas prateleiras onde se alinhavam (?) os produtos que vendia e só
depois ia à arrecadação/escritório vestir a bata cinzenta com que se
apresentava aos clientes. Se fosse no cinema dos anos quarenta seria o senhor Evaristo
interpretado pela António Silva e a quem o Vasco Santana chateava com a
pergunta provocatória ó Evaristo tens cá disto? Mas isso era no “Pátio das
Cantigas”…
N
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essa manhã Vicente sobressaltou-se: faltava qualquer coisa;
eram as caixas de fósforos familiares e da marca Quinas. Não lhe faltavam todas
mas simplesmente uma; ele sabia exactamente as quantidades das mercadorias. Se
fosse um quilo de batatas que agora já vinham com preservativos de sacos de
plástico era mais fácil dar pela falta, era só subtrair, quem de vinte tira um
restam dezanove. Já com as caixas de fósforos dariam um trabalhão: conta-las
para ver se nas fileiras faltava uma. Mas para Vicente não era necessário;
bastava olhar para a prateleira e dar logo pelo hiato. E o problema era que
faltava uma.
...era agora empregado de mesa |
N
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ão era caso para a Judite que os agentes se rebolariam
a rir de eventual queixa. Mas lá que
faltava uma – faltava. O suspeito do crime de furto veio-lhe de imediato à
cabeça: tinha de ser o Fagundes marçano militante que o ajudava e que por causa
da crise tivera de despedir sem lhe pagar a indemnização devida e contemplada
pela lei do trabalho, era ele, sem dúvida. E logo se lembrou de contactar o
Calheiros, subchefe da Polícia reformado, a quem ofereceu uma ginjinha na
taberna do Miranda mesmo ali ao lado.
D
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isse-lhe que lhe pagaria bem se descobrisse o mistério, aí
coisa de cem euros por dia, evidentemente sem recibos verdes muito menos IVA. O
antigo cívico tentou trava-lo, ó amigo Vicente, tanta preocupação por uma
ninharia, uma caixa de fósforos…Mas era minha e aliás era do tamanho familiar:
50 amorfos. Bem tentou Calheiros dissuadi-lo, a malta vai gozar com essa
encomenda; mas pensando bem sempre eram no mínimo cem euros / dia. Com despesas
de alimentação? Coma o que quiser com algumas excepções: lagosta ou caviar ou
peito de faisão.
Palitos de Lorvão |
C
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alheiros deitou mãos à obra. Chovia e de que maneira. O
dilúvio universal do senhor Noé era um niquinho comparado com os cordões de
água desse dia. Mesmo assim foi falar com o Manuel Fagundes - que então já era
empregado de mesa - que se encheu de gargalhadas, o Vicente é um somítico,
tanta verborreia por uma caixa de fósforos. O tipo pôs-me na rua porque deu por
conta que lhe tinham bifado umas merdinhas: palitos. Ainda se fossem de
Paradela de Lorvão.. . Mas eram apenas chineses feitos de bambu. Nada, ele
Fagundes não tinha nada que ver com fósforos mesmo sendo Quinas e de tamanho
familiar. E deu-lhe um conselho: vá pregar para outra freguesia,
O
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subchefe reformado da
PSP recolheu a penates um tanto cansado, desanimado e muito ensopado. A dona Etelvina – sábia esposa – disse-lhe
que ele estava a criar uma gripalhada. Se viesse com uma carraspana não seria
pior. Já não comeu a sopa de alho porro e carregado de espirros, A mulher
meteu-o entre lençóis e receitou-lhe a mezinha
clássica, abafa-te, avinha-te e abifa-te e preparou um grogue com muito
chá de limão, mel e dois decilitros de medronheira vinda directamente do
produtor, o pai dele era de Paderne, que lixe a ASAE. Meteu-lhe duas aspirinas
no buxo e fez-lhe um bife do lombo com todos os matadores, sal, pimenta e alho
à farta que o obrigou a comer. Durante a noite a febre que chegara aos 39,7
baixou à custa duma tal suadeira que levou a Etelvina a mudar-lhe o pijama.
M
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uito contra vontade dela, ainda apanhas uma pneumonia, anda
por aí um andaço nos pulmões, Calheiros levantou-se, gabardina, cachecol e
guarda chuva, embora já não chovesse, apenas pingolejava, e decidiu-se pelas derradeiras diligências: ver
se nas contas das caixas de fósforos Quinas, modelo familiar não se dera o caso
de Vicente ter-se enganado nas contas. Debalde. Estava vencido, nunca tal lhe
acontecera que se recordasse… Mas perseverou. Correu todos os estaminés do
bairro inteiro e nicles.
... um par de te... olhos |
A
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té foi ao salão de beleza unissexo Pluma de Seda da Dona Deolinda. Na
verdade não o levara ali a pega da caixa de fósforos. Foi ver a Gigi, uma
mulata brasileira que lá trabalhava de manicura e de pedicura e que tinha um
par de te…, oops, de olhos que até enfeitiçavam o cego Jeremias, de óculos
escuros e que se safava fazendo uns recados com a bengala ás riscas vermelhas e
brancas tentando o percurso
E
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ntrou na mercearia e por descargo da consciência foi ao
cubículo a que Vicente da Purificação chamava escritório e mal abriu a porta
cheirou-lhe a ovos podres. Mirou e remirou e finalmente descobriu o caso. Então
informou Vicente que estava encontrado o ladrão: uma ratazana que era inquilina
da mercearia, farta de queijo flamengo e de chouriço de Portalegre
experimentara os fósforos. E pum! -
dera-lhe o badagaio. Como é que você fez isso? Bem merece os duzentos euros (relembra-se
que tinham sido dois dias de pesquisa ingrata, dois dias em que dera o melhor
do seu esforço e da sua pituitária…)
A falecida está morta... |
Gostei muito do conto, caro Henrique ! :)) ... Um final imprevisível ! rsrs
ResponderEliminarAliás todo ele imprevisível e a "agarrar" o leitor !
Muito bom !
Abraço ! :))
Ruizinhamigo
ResponderEliminarAinda bem que gostaste e ainda bem que foi neste blogue que comentaste. Estou a estudar a hipótese de começar uma série (katé pode vir a ser televisada) com o títalo O PERRY MASON NÃO TINHA RAZÃO QUEM A TEM É O CALHEIROS
Já fui jogador de râguebi portanto não me é difícil placar o leitor...
Bjs da Raquel e abç do Leãozão
Já cá cheguei, FerreirAmigo.
ResponderEliminarE é para ficar, como é claro.
Abraços para ti, beijinhos para a Raquel
Coimbramigo
ResponderEliminarFica, fica - que me dás muita pica... :-)))))))
Qjs = 3; Tu = 1
Leãozão
Isto é caso para se dizer que o criminoso "quinou".
ResponderEliminarRaposamigo
EliminarMuito bem trocadilhado. Parabéns!
Abç
Leãozão
Henrique, desculpa a quadriplicação do comentário, mas é o que dá utilizar um telefone esperto para escrever em blogues
ResponderEliminarRaposamigo
ResponderEliminarQuadruplicação? Eu diria 22ªpublicação; quando chego ao sacana que remove as mensagens já me estendem a passadeira vermelha, banda e foguetes... :-))))))))))))))))))))))))
E depois desculpas-te com o talinphone...
+ abç
Leãozão
Gentamiga
ResponderEliminarTenho o grato prazer de aqui inserir uma informação que já enviei por imeile:
Gentamiga
Retomamos daqui a poucos dias uma iniciativa que foi bem recebida por quem a ela respondeu anteriormente. Trata-se de um concurso aqui, na Nossa Travessa www.anossatravessa.blogspot.com
que desta vez será sobre livros ou um livro. Como sempre haverá prémios para quem acertar e para quem que ficar muito próximo da resposta certa. Convido toda a malta a concorrer não só pelos prémios, mas sobretudo pelo gozo que dá, penso…
O regulamento também será publicado na Nossa Travessa. Muito obrigado.
Qjs & abçs
Leãozão
ok, mais uma história mtº. interessante.
ResponderEliminarConcurso, livro, regulamento? Ok, fico à
espera.
Desejo que esteja tudo bem convosco.
Um abraço
Irene Alves
Irenamiga
ResponderEliminarMais uma história mtº interessante dizes tu e eu digo muito obrigado... :-)
Quanto ao concurso que vem aí aguenta os cavais...
A Raquel vai melhorando devagarinho duma enorme gripe que até lhe atacou os pulmões! Diferenças de temperatura? O tempo vai assim, infelizmente. Estou preocupado!...
Qjs do Leãozão
E nem foi preciso autópsia... :)
ResponderEliminarMuito divertido, este conto.
Oh my god!! So much ado about ... a rat!!!! Coitada da ratazana que pensava que estava a tomar Fósforo Ferrero!... (ou seria antes Ferrero Rocher?!) eh eh eh...
ResponderEliminarBeijinhos cheios de phosphoro...
o Evaristo tens cá disto?
ResponderEliminarresponde o Evaristo.
Os colhões do Padre Ináccio para si ó seu labrego
:)
Boa noite
não me conhecem mas costumo ser divertido ;)