Antunes Ferreira
Chinelando os seus paquidérmicos 92
quilos bem pesados a dona Ernestina mal terminara a transmissão do episódio da Escrava Isaura de que não perdia pitada
e quando o cuco do relógio comprado numa venda de garagem cantava as 21 e 30
entrava no quarto da Janette que ocupava há mais de três anos. Na banquinha de
cabeceira tinha a sua xícara com a tisana de camomila que tomou pois achava que
a ajudava a dormir. A digna viúva do comerciante Manel Ximenes, depois do
infausto acontecimento voltara para a casa dela onde aliás também vivia a filha
com a família (era uma vivenda grande quase uma mansão de estilo vitoriano) mas
sob o olhar desconfiado e crítico q.b. da família Ximenes.
Montreal estava em 1977 a lamber as
feridas de muitos milhões de dólares de prejuízos causados pelos Jogos
Olímpicos do ano anterior. Mas ainda se recordava a medalha de prata do Carlos
Lopes nos dez mil metros. Fora durante a competição que pela primeira vez no
mundo uma ginasta conquistara a pontuação máxima: 10. A romena Nadia Comăneci
nas paralelas que aliás ganharia mais dois. Estava-se num Novembro frigidíssimo
e a Dona Ernestina meteu-se na cama com o saco de água quente aos pés, apesar
da casa estar bem aquecida.
Na sala de jantar o senhor Teófilo
Ximenes tinha decidido unanimemente só ele reunir o conselho de família para
discutir pela quinquagésima segunda vez uma questão de suma importância sobre a
qual até à data não fora possível chegar a acordo. Ximenes trabalhava com o
Eng.º Joaquim Fraga, Cônsul honorário de Portugal em Montreal no escritório
dele de import/export como despachante oficial que tinha 28 empregados a tempo
inteiro mais dez em part time dos quais oito eram dactilógrafas. Uma firma
importante. A menina Ermelinda, dactilógrafa, estava adstrita a ele, Teófilo só
para tratar dos assuntos consulares que o engenheiro Fraga levava muito a
peito. Era no 32.º andar da Torre Norte
da Place Desjardins.
O seu nome de baptismo fora-lhe
atribuído pelo falecido pai, republicano dos quatro costados, em homenagem ao
fugaz Presidente da República Teófilo Braga. Tinha vindo como imigrante para o
Canadá chamado pelo tio Manel Ximenes, irmão do seu progenitor, que tinha um
restaurante no bairro de Saint Laurent onde vivia a maior parte da comunidade
portuguesa. Uma coisa pachola bem recheada onde às sextas e as sábados havia
fados e guitarradas com caldo verde e bacalhau na brasa bem como rojões à moda
do Minho com arroz dos miúdos do porco, arroz doce, leite creme, pudim caseiro
e mousse de chocolate verdadeira, não daquelas de pacote, a que a cozinheira
que era a dona Ernestina e esposa do patrão Manel depreciava de plástico.
Fados e guitarradas |
Abreviando. A Amélia Rodrigues,
enteada dos patrões, era a caixa do Comida à Portuguesa, e o restante pessoal militava na equipa familiar e adjacente.
As folhas dos calendários foram-se arrancando e foi acontecendo o que tinha de
acontecer. A Amélia era boa a cantar o fado (e no resto) e chamava o público: Hoje fados com a grande Amélia Rodrigues (Compreendem,
esperteza, alusão à grande Amália Rodrigues…) Como lhe competia ao tio Manel
deu-lhe o badagaio, a dona Ernestina mandou às urtigas tachos e panelas e
transferiu-se para o Sport Clube Das Viúvas Consoláveis, SCVC, à espera de
alguém que o fizesse, não obstante debalde, dizia uma das netas, a Beta, nem de
balde algum lá ia. Maldosa q.b., a moçoila.
O rebento Jean, em casa o João, e as
rebentas, Jaquina, a Janette, a Ernestina, aliás Nanette e a Madalena, ou seja
Maddy, eram o fruto do matrimónio do Teófilo com o Amélia. De resto fora este
que se metera literalmente debaixo dele nas traseiras, alto lá, do restaurante,
quer dizer fora ela quem comera o Teófilo, numa verdadeira ser comida à portuguesa, depois
de um verdadeiro assédio sexual no local de tralho que fizera no dito ao
semi-primo, ingénuo e puro que chegara da Europa Para ganhar honestamente a
vida sem saber a emboscada que a jovem semi-virgem (???) lhe iria montar e que afinal quem seria
montada era ela, a jovem não a emboscada.
Postos ao corrente das incidências e
das concorrências e ainda das influências que delimitavam o plenário familiar
relate-se o que e como ele decorreu, o que sendo recorrente para quem lê este
estrago de linhas e parágrafos e etcs., para outros chega a ser novidade: o
ponto da situação dos aposentos da dona Ernestina. Presentes: o Teófilo, que
presidia, a Amélia que secretariava, as três filhas mais os três consortes (o
Marc quebecois da Nanette dizia ser
comazar mas era pura provocação, ele lá sabia porquê), o papagaio Vicente e o
gato Minou. O cágado Fosquinhas não compareceu, devia andar à caça de moscas,
mas como não tinha enviado procuração teve falta injustificada.
No basement |
Finalmente concluíram que à viúva, aliás
proprietária da vivenda como atrás se disse, seriam apresentadas duas
alternativas: ou passava a dormir na cave – aí o Marc perguntou o que era a
cave? – era o basement traduziu a esposa o que motivou um comentário soez do
gajo no horrível francês quebecois Enfin ça va pour n'importe quoi… o que
motivou um olhar assassino da visada e umas quantas gargalhadas entupidas à
saída – ou seguia directa e
imediatamente para a Maison des Retirés du Commerce de Montréal, solução
que estavam certos ela não aceitaria. Assim, fariam uma limpeza dos trastes eu
lá em baixo havia mandavam reparar o frigorífico antigo e punham lá o anterior
televisor bem como dispunham os móveis dela que ali estavam arrumados e pronto.
Meu dito, meu feito. E a dona Ernestina desceu à cova, como ela disse, perdão
disse a família ao basement.
Entretanto
no Consulado honorário as coisas iam de vento em popa. Passaportes, Bilhetes de
Identidade, Certidões diversas tudo nos conformes, tudo nas aplliances devidas, tudo com selo
branco, enfim, um céu na terra, até que um dia a menina Ermelinda, rápida de
dedos, parca de massa cinzenta comentou para o seu chefe: “Ó Senhor Teófilo aqui em Montreal há muitas primas na Segurança Social.
Mete-me muita impressão haver tantas primas. É uma grande família…”
Código da Segurança Social |
Ximenes que estava a estudar a tradução de um documento notarial para efeitos de naturalização nem a estava a ouvir. Mas a menina Ermelinda insistiu na estória das primas da segurança social. Então ele franziu o sobreolho: “Primas? Quais primas? Ó
mulher, o que é que você está para aí a dizer?” E ela muito senhora do seu
nariz: “Pois pode crer, sempre que vem cá
muitas portuguesas meter as
appliances para a Sécurité Sociale
dizem que têm primes a receber…”
Fez-se luz na cachimónia tiófiloniana: Não eram primas, eram prémios, eram subsídios! E esteve quase para
dizer à dactilógrafa que era uma besta, mas chegou o engenheiro e…
Como é que adivinhaste que andamos a planear uma viagem a Montreal para depois ir até Nova Iorque??
ResponderEliminarCá para mim tens uma escuta na maison de Coimbra em Macau...
Aquele abraço para ti, beijos para a Raquel, bfds
Meu caro João Pedramigo
EliminarVale a pena. Fui lá muitas vezes pois o meu sogro morava lá com uma das minhas cunhadas. E até morreu lá. Há lá duas. Por isso conheço bem quase todo o Québeç. Conheço menos bem Toronto, e vi o Niagara do lado canadiano e do americano. Vidas...
Não tenho nenhuma escuta onde quer que seja, muito menos no O Mun. Vai para o Car...valho, B. Bjs ao JNPdaC.
Triqjs e um abração para tu
Nesta altura 23:10 TMG parece que o Varandas vai à frente...
Um texto delicioso.
ResponderEliminarNão para ser comido com os olhos, mas para ser saboreado à medida que ele (o texto) vai passando. Quando for grande quero escrever como tu...
Ainda me lembro da madrugada (deviam ser umas 2 horas) em que o Carlos Lopes ganhou. Era só pele e osso, foi por isso que ele ganhou, já que não tinha que transportar carne nenhuma...
Caro Henrique, um bom fim de semana.
Abraço.
Meu caro Jaimamigo
EliminarNagyon köszönöm ou vă mulțumesc frumos ou Wielkie dzięki ou Margir takkou seja muito obrigado em hungarês, romanês, polandès e ilhandês.
Comida (e não sei se pelo olho) foi a Amélia... e penso que saboreou, o Teófilo é que foi assediado. E já agora quando eu for grande quero ser poeta como tu...
Mas o fdp (por extenso filho da puta) do polícia finlandês Lasse Viren que ganhou o ouro dizem que antes dos dez mil fez uma transfusão total de sangue para aumentar a energia. Dopping que não podia ser detectado. Eu vi a prova na televisão mais o Zambujal no DN e o (bom) malandro fez um título fabuloso Dez mil metros de prata!
Um abração deste teu amigo e admirador
Henrique, o Leãozão
Um texto onde o real e o imaginário se cruzam com muito humor. Adorável.
ResponderEliminarAbraço e bom fim-de-semana
Minha querida Elvirinhamiga
EliminarObrigadíssimo. E parabéns pelo happy end do FOLHA EM BRANCO.
Muitos qjs deste teu amigo e admirador
Henrique, o Leãozão
Extensivo e maravilhoso texto!
ResponderEliminarHoje [Poetizando e Encantando] ... libertando esta ansiedade.
Bjos
Votos de uma boa noite.
Minha querida Larissamiga
EliminarDepois de uma grande ausência voltaste. Muito obrigado por isso e também pelo comentário.
Muitos qjs deste teu amigo e adirador
Henrique, o Leãozão
Comentário muito rápido para reproduzir em parte o que escrevi na resposta do dona-redonda: "não desprezo nada, nunca! tenho andado é um pouco para baixo mas vou tentar ser mais assídua em visitas, um beijinho e bom fim-de-semana"
ResponderEliminarEspero pouco a pouco começar a regressar à blogosfera e voltar mais tarde
Minha querida Gabrielamiga
EliminarPodes crer que tinha muitas saudades de te ver cá e por isso deixei um desabafo sentido no Dona-Redonda mas agora folgo com o resultado obtido. Por isso é com a maior satisfação que registo o teu regresso e a esperança que me dás de pouco a pouco (como dizem os futebolistas...) ires regressando à blogosfera e principalmente aqui.
Muitos bjs e qjs do casal Ferreira qe continua muito teu amgo
Como sempre, uma história bem interessante....
ResponderEliminarEstive de férias, regressei agora ao trabalho e estou ainda a reorganizar-me....
Obrigada pela visita
Beijos e abraços
Marta
Minha querida Martamiga
EliminarPoizé as férias são sempre curtas, eu diria mesmo mais, curtíssimas e a volta ao trabalho é uma chatice graúda. Em tempos tinha feito uma proposta ao Parlamento, aliás muito simples: onze meses de férias e um de trabalho. Nunca cheguei a saber o motivo que levou os dignos representantes do povo (???) a rejeitá-la...
Foi com muito agrado que descobri uma estória policial em curso. Pelo-me pelo policial. Vou continuar. Um destes dias se tiver vida e pachorra e não for preguiçoso - o que me é difícil - também vou começar um folhetim criminal tipo Poirot (sou mesmo parvo...)
Muitos qjs deste teu amigo e fã
Henrique, o Leãozão
Um texto cheio de humor que se lê com gosto…
ResponderEliminarUma boa semana, meu Amigo.
Beijos.
Minha querida Gracinhamiga II
EliminarMais uma atenção benevolente e carinhosa. Não sei mais que te diga sob pena de repetir-me. Só - muito obrigado.
Muitos qjs deste teu grande amigo e enorme admirador
Henrique, o Leãozão
Me ha encantado esta entrada con ese punto de humor y originalidad.
ResponderEliminarBesos.
Bona semana
Mi querida Annamiga
EliminarA veces llego a pensar que yo encanto a la gente lo que es una ilusión. Sin emargo las hice reír o al menos sonreír y entonces me siento feliz...
Muchos qjs de tu amigo alfacinha
Henrique, o Leãozão
Estimado Afilhado.
ResponderEliminarTadinha' da velhota!!
Fico à espera de mais enredos picarescos e hilariantes...
Um restinho de Verão muito agradável...
Abraços e beijinhos para ti e tua simpática Raquel.
~~~~~~~~~~~~~
Minha querida Madrinhamiga
EliminarTambém penso assim e por isso o escrevi.
Espera sentada porque tenho de tratar também do Frederico que não é exactamente tema picaresco mito menos hilariante...
No dia 4 de Outubro partimos para um cruzeiro no Mediterrâneo. Mas antes, a 20, caio na asneira de fazer na quinta-feira 77 aninhos, que tolo!
E já agora, complete-se o João de Deus
Ainda se os desfizesse...
Mas fazê-los não parece
De quem tem muito miolo!
Não sei quem foi que me disse
Que fez a mesma tolice
Aqui o ano passado...
Agora o que vem, aposto,
Como lhe tomou o gosto,
Que faz o mesmo? Coitado!
Não faça tal: porque os anos
Que nos trazem? Desenganos
Que fazem a gente velho:
Faça outra coisa: que em suma
Não fazer coisa nenhuma,
Também lhe não aconselho.
Mas anos, não caia nessa!
Olhe que a gente começa
Às vezes por brincadeira,
Mas depois que se habitua,
Já não tem vontade sua,
E fá-los queira ou não queira!
Muitos bjs e qjs do casal Ferreira que inclui obviamente o teu afilhado
Pois é ! ninguém escreve melhor do que o Henriqueamigo !
ResponderEliminarum campeão da crónica, imagino que poderia ter participado nuns jogos olímpicos dessa modalidade !
abraço
Angela
Minha querida Angelamiga
ResponderEliminarPara dizer a verdade e porque sou um sem vergonha conhecido e reconhecido já me disseram (não posso revelar o nome do meu amigo que é o Fernando Bandeira, ops) que escrevo como o Jorge Amado... Assim fora e concorreria ao Prémio Mobel que é um guarda-roupa fabricado em Paços de Ferreira...
Quanto a medalha só se fosse de platina pois não me contentaria com a de urso, oops, ouro que está muito vulgarizada... :-)))
Muitos qjs deste teu amigo e admirador e que em nome de Portugal te agradece
Henrique, o Leãozão
Boa noite! Vim agradecer sua visita e apreciar sua maravilhosa postagem. Um crônica com um toque de humor aguçado que da gosto ler. Gostei muito,parabéns. Abraços, sucesso no blog e em sua vida.
ResponderEliminarMinha querida Lourdesamiga
ResponderEliminarNão tens que agradecer pois é sempre um prazer visitar o teu blogue de tal forma que sendo um escriba mais ou menos aceitável até me dei ao luxo de nele postar uma desajeitada quadra. Vela lá o despautério... :-))
Muitos qjs deste teu amigo lusitano
Henrique, o Leãozão
Henrique, meu caro. Da paquidérmica tia dos tempos da primeira República, as primas em toda a linha, ao fim e ao cabo, uma história da emigração portuguesa, menos conhecida, talvez por ser fora da Europa, e de menor amplitude desta.
ResponderEliminarAbraço
Meu caro Danielamigo
EliminarEsta estória inventada cá pelo rapaz teve origem numa circunstância que passo rapidamente a explicar.
Em Montreal vivem duas irmãs da Raquel com os respectivos maridos e proles bem como morava com uma delas o meu sogro viúvo um tipo catita que foi meu segundo pai e ali faleceu. Por isso fomos lá muitas vezes gozando das facilidades dos bilhetes grátis ou quase a que a minha mulher e eu tinha direito por ser ou tr sido funcionária da TAP.
Por isso não me foi difícil situar a acção naquela cidade, aliás muito agradável e simpática bem como outras do Canadá ao contrário de muitas dos EUA ainda que as cidadezinhas norte-americanas do interior também sejam bué fixes.
E pronto, corri realmente mundo. De acordo com os meus filhos quando fiz meio século de vida (há quanto tempo, vou fazer 77 no dia 20...) passei por 130 países - mais de metade do Mundo... Quando for para o crematório não levo €€€€ mas levo a barriga cheia de experiências de vida...
Um abração deste teu amigo
Henrique, o Leãozão
HenriquAmigo.
ResponderEliminarA Capetina Terebentina Putina, disse que já teve um "affair" com o Teófilo Ximenes.
Segundo a insaciável - o TX - tinha um mau hálito insuportável e, como era muito ligeiro, a deixava a ver navios.
Lembranças para sua valorosa consorte, a Dona Raquel.
Meu casto Confradamigo
EliminarNão entendo bem a estória que me comunicas pois ela não tem nada que ver com a que conto aqui. Ou seja não não se pode misturar alhos com bugalhos... :-))) Eu nem conheço muito menos quero conhecer a putéfia que mencionas e que não é para aqui chamada. Como sabes eu sou assim pão, pão, queijo, queijo :-)))))))))))))
Bjs e um abração da família Ferreira do lado de cá
HenriquAmigo.
ResponderEliminarFoi para te arreliar e apimentar a bem urdida crônica.
Saudações apimentadas.
Meu casto Confradamigo
EliminarCompreendi ferpeitamente oops, perfeitamente as tuas "malandrecas" :-)) intenções. Os bons amigos como é felizmente o nosso caso estão sempre bem qualquer que seja a situação sobretudo quando ela for risonha
+ um abração
Henrique, o Leãozão
Como sempre textos muito interessantes e agradáveis ao ler!
ResponderEliminarBj
Minha querida Gracinhamiga III
EliminarMuito e muito obrigado minha boa viajante...
Muitos qjs deste teu amigo e admirador
Henrique, o Leãozão