A Roda dos carretos
Antunes Ferreira
O cajado de sobreiro
seguro pelas mãos nodosas serve-
lhe de apoio enquanto sentado
num bando de madeira, mirando o
seguro pelas mãos nodosas serve-
lhe de apoio enquanto sentado
num bando de madeira, mirando o
horizonte infindo e pensando
nos ciclistas. Mestre Jacinto tem 83
nos ciclistas. Mestre Jacinto tem 83
anos, foi corticeiro, hoje não faz nada, apenas recebe um auxílio
da Misericórdia de Beja, uns míseros
quinhentos paus, tudo o que
lhe resta é a memória. Como esta agora, a dos ciclistas. Já não
tem
pernas para os ver passar à bêra da estrada por isso fica pensando
que os está
vendo curvados cobre o volante dobrando a curva da
Cortegaça que é sempre
a subir.
E vai recordando. Vai práí
uns bons cinquentas e tais anos, tinha
ele vinte e seis, ou seriam vinte e
sete? e já tinha quatro catraias e
dois moços tinha ido vê-los passar
exactamente naquela curva, o
Trindade um lagartão de merda ia à frente do pelotão, de resto o
gajo ia ganhara volta era
o ano de mil novecentos e trinta e
quatro, uma porra, pois ele, Jacinto Marques Milhariço
era, sempre
fora do Benfica, valia-lhe o
Nicolau, águia dos quatro costados,
um gigante que ganhara três voltas, enquanto o magricelas do
Nicolau e Trindade eram amigos |
Trindade só ganhara duas! Mas, valias-
lhes isso: eram da mesma terra, o Cartaxo
e eram amigos.
Ah, bons tempos eram
aqueles, os anos trintas, a sua Guida,
dera-he oito
rebentos, cinco miúdas e três ganapos, agora todos
fora do monte, menos a Judite que ali ficara para tia solteirona
para
o acompanhar, não fazia cá falta nenhuma. O Maneli fora-se à tropa
para Lisboa e por
lá ficara diziam-lhe que era padêro, nunca mais
voltara, o Jacinto viera só três vezes, estava estabelecido de
merceeiro em Mafra, que ele nem sabia onde ficava,
e os outros
andavam por aí espalhados, só soubera que a Lurdes estava de
porteira em Paris da França e a Maria da Luz era criada na Suíça.
O padre Francisco prior da freguesia de Beringel (ele não
gostava mesmo nada
de padres nem de igrejas até de papas e
quejandos) mas o gajo contava-lhe estórias do
arco-da-velha que o
entretinham por exemplo sobre o ciclismo. Para o que lhe havia de
dar. O padreca sentado ao borralho (vinha visitá-lo pela entrada da
noite e ele mais a Judie ficavam a ouvi-lo) e começa
normalmente
assim: que tinha lido na biblioteca e explicava que a bicicleta era
um “bicho”
que alguns escritores diziam que tinha sido inventado
homem dos sete-ofícios, que vivera nos anos
de 1440 a 1500 mais coisa menos coisa e que
pintara um
quadro chamado Gioconda.
Enfim, o sacerdote sabia muito e perante o espanto dele e da
filha, de boca
aberta, o cura dissera que voltaria no dia seguinte
para explicar tudo, o que,
de facto, acontecera.
Acrescentara, que
outras pessoas estavam envolvidas na história do ciclismo. Na
Alemanha, em 1680, o senhor Stephan
Farffler, construtor de
relógios, projectou e construiu umas cadeiras de rodas que
avançavam com manivelas mexidas às mãos e depois um tal barão
von Drais, também alemão, foi
considerado o verdadeiro inventor
da bicicleta. O padre Francisco contava a
história “a galope”
noite apos noite e eles escutavam-no percebendo-o
cada vez
melhor.
Celerífero |
Desenhou e construiu um brinquedo a que chamou
celerífero, que depois foi desenvolvido pelo Conde de Sivrac em
1780. O celerífero fora construído em madeira com duas rodas e
destinava-se apenas a
tracção utilizando-se apenas os pés enquanto
o “velocipedista” se colocava na viga de
madeira. Drais instalou
nele um sistema de direcção – o guidão – que permitia fazer
curvas
e com isto manter o equilíbrio
da bicicleta quando em movimento
e também um rudimentar sistema de travagem.
O sucesso foi enorme, Drais fez a patente do invento; mas,
todo o bem se acaba. Depois de ter apresentado o seu invento em
Paris e outras capitais europeias e de ter completado o trajecto
Baden-Paris, o produto
não consegui tornar-se popular e o barão
foi ridicularizado e faliu. Mas estava-se em
pleno século das
revoluções industriais e científicas como foi o século XIX, e por
melhorada. Poucos anos se
passaram, após o registo de Drais, e o
veículo foi apresentado com uma estrutura de
ferro e também
recebeu uma sela, melhorando em resistência e conforto. No dia 20
de Abril de 1829 aconteceu a primeira competição
que se tem
conhecimento utilizando-se o veículo de duas rodas da época.
Neste dia, competiram 26 draisianas
percorrendo 5 quilómetros
dentro da cidade de Munique.
Rodas desiguais |
Note-se que os velocípedes do início
da segunda metade do século XIX tinham
os pedais fixos ao eixo da roda da frente
que era, portanto, simultaneamente motora
e directriz. A velocidade de deslocamento dependia
exclusivamente da aceleração rotativa dos pedais e o desejo de
obter maior rendimento levou os construtores a procurar um
recurso que favorecesse a acção mecânica do velocipedista. A
solução mais fácil foi o aumento do diâmetro da roda motora,
levando ao aparecimento, em 1874, da "grande bi" ou "biciclo",
com rodas desiguais, ou seja, uma que atingia um diâmetro de um
metro e meio e a de trás reduzida ao mínimo necessário para
garantir o equilíbrio.
A partir da década de 1870, os progressos foram rápidos e
consecutivos. Em 1877 os pedais passaram a funcionar
na base do
quadro, presos a uma engrenagem dentada que uma corrente ligava
ao
eixo da roda traseira por intermédio doutra engrenagem de
menor número de
dentes (um sistema on-line de transmissão),
assegurando assim, a multiplicação
variável conforme as
dimensões relativas das duas engrenagens, a roda de carretos..
Em 1890 aparecia,
na Inglaterra, um aparelho chamado
"cripto", cujas principais alterações consistiam na presença de
rolamentos sobre esferas
nos pedais e na aplicação de câmaras-de-
ar às rodas, pois antes, as rodas dos
velocípedes não passavam de
aro metálico ou de madeira, recoberto, em sua
periferia, de
borracha maciça destinada a amortecer os choques e ressaltos nos
acidentes do caminho. A roda tubular em borracha com uma
"alma" contendo ar comprimido foi uma invenção do
veterinário escocês Dunlop.
Trindade |
Ti Jacinto
levanta-se, está na hora da janta,
na aldeia, ouvem- se na aldeia os sinos a dobrar,
encaminha-se a passos pesados para a casa térrea e
continua a recordar aquela
vez em que o Trindade
teve um furo e ao descer da bicicleta para tirar
a bomba para
encher o pneu, os outros que o perseguiam caíram todos em cima
dele e da bicicleta e os papalvos que assistiam à chegada na meta
desataram a
rir em gargalhadas altas, loucas e roucas! Os
parvalhões! As bestas! Os filhos da puta!!!. Quem dera que fossem
eles a
levar com os ciclistas em cima e que lhes partissem os
cornos! Felizmente não
houve vítimas.
Me gusta venir aquí, disfruto con lo que leo y además, aprendo!!!
ResponderEliminarSaludos.
Mi querido Toramigo
EliminarMuchas gracias por todo lo que me dices.
De tu amigo desde Lisboa
Henrique, o Leãozão
As memórias do Ti Jacinto. Uma maravilha, meu Amigo! E também aprendi aqui a história da bicicleta. Uma crónica excelente!
ResponderEliminarUma boa semana.
Um beijo.
Minha querida Gracinhamiga II
EliminarSempre amável. És uma fofinha, minha querida Amiga... Desvaneces-mes!
Desejo-te o que me desejas.
Um enorme queijo do teu grande amigo e admirador
Henrique, O Leãozão
Magnífica lembrança!
ResponderEliminarSó faltou dizer que o ti Jacinto não conheceu o Agostinho, nosso e da volta à França. E do indispensável pente no bolso do cidadão-ciclista, para alisar brilhantados cabelos arrepiados a cada jornada de pedalada.
Gostei, Henriqamigo, mas ainda mais por sentir-te com pedalada nos carretos.
Meu caríssimo Agostinhamigo II
ResponderEliminarMuito folgo ao volto aparecer-te por aqui, pois há bastante tempo que não me visitas. Que te aconteceu? Oxalá não tivesses estado doente?
O pobre do ti Jacinto já devia ter desaparecido quando o nosso Jaquim Agostinho também desapareceu vítima de um acidente estúpido. Mas, ninguém tem quais dúvidas foi dos melhores entre os melhores.
Há uma rua transversal àquela onde moro que leva o nome dele - e muito justamente. E por hoje fico-me.
Um abração meu caro Amigo do
Henrique, o Leãozão
O coração é do chamando, Henriqamigo.
EliminarGostei de como está escrito o texto e como nos conta tanto sobre os velocípedes - oito rebentos hoje seria uma família super, super grande
ResponderEliminarum beijinho e uma boa semana
Minha querida Gabrielamiga
EliminarMuito obrigadinho. P'stá claro, naquela altura não habia televisão...
Que se passou contigo? Desde a guerra dos Cem Anos que não me escrevias. Até pensei que fosses a Joana do Arco - disfarçada :-)))
Muitos beijos e queijinhos do casal Fereira
Tão boa essa leitura,Henrique. Vais nos levando contigo até o final...abração,chica
ResponderEliminarMinha querida Chiquitamiga
EliminarOba! Gosto muito de te ver por cá. Muito obrigadíssimo!
Henrique, o Leãozão
Qeijinhos do teu amigo do lado de cá do nosso Atlântico
HenriquAmigo.
ResponderEliminarMais uma vez aqui estou a ler-te, deliciada, e nem preciso foi ires lá chamar-me nem nada. Olha, até rimei, sem querer.
Mestre Jacinto e a filha ouviam tudo o que o Padre lhes dizia sobre esse invento de duas rodas e eu leio o que escreves com o mesmo espanto e agrado.
De ciclismo não percebo nada, lembro-me do nosso infortunado Joaquim Agostinho, mas disso quem não se lembra?
Com grande pedalada te vejo eu e rejubilo por isso.
Um grande abraço e força aí no pidali! :)
Minha querida Janitamiga
ResponderEliminarBoa! Ramalhaste e fica-te muito bem!
Quem sabe, sabe, mas a Wikipédia é uma grande ajuda... não rima mas é verdade...:-))
Palavra que de ciclismo sei umas coisas, até ia à calçada de Carriche, quando era puto como o mê tio Maneli e outro mê tio e padrinho Amando ver passar os ciclistas que vinham esfalfados da subida: mas também reportei para o "Mundo Desportivo" - o então rival de a BOLA, a Volta, a partir de Santiago do Cacém até ao Estádio de Alvalade.
E eu que nunca tinha feito uma prova de ciclismo e fora empurrado para ela, aprendi uma data de coisas e... gozei imenso. Um dia destes contarei a estória.
Muito obrigado.
E, amos à vida, que a morte é certa, que ó que a Raquel diz, herdou-a do Pai e transmitiu-a ao neto Vicente. Família...
Bjs & qjs do casal muito teu amigo Ferreira
HenriquAmigo
ResponderEliminarRegressado há poucos dias de Barcelona, onde fui tentar obter, sem sucesso, um prolongamento para o meu prazo de validade, passo por aqui e dás-me o prazer de conhecer o Ti Jacinto. Bem hajas
Abração do Dragão
Meu caríssimo Carlinhosamigo
EliminarAguenta meu Amigo, aguenta, aguenta, tens de aguentar que és Homem para isso e tens aguentado - e não é agora e não será no futuro que desistirás de o fazer porque o teu prazo de validade vai durar até que que as galinhas tenham dentes!
Quanto ao ti Jacinto estou feliz pelo facto de o teres conhecido e há tantos tis Jacintos ara conheceres que se calhar tens de mandar prolongar como no futebol o prazo de validade...
Um multi abração do teu grande amigo
Henrique, o Leãozão
Ia lendo e ia lembrando alguém que partiu muito cedo e de maneira estúpida.
ResponderEliminarSim, o Joaquim Agostinho.
Grande abraço para ti, beijos para a Raquel
Meu caro Coimbramigo
ResponderEliminarTodos nós nós nos lembramos do gigante das estradas e da sua trágica e como muito bem dizes estúpida morte. O mundo é feito de ses, "se ele usasse o capacete" etc. e tal.
三個奶酪和一個擁抱
Três queijos e um abraço para tu do teu amigo
Henrique, o Leãozão
HenriquAmigo.
ResponderEliminarApreciei sobremaneira teu relato circunstanciado - desde os primórdios- a respeito de um meio de transporte, que tem uma legião de adeptos, bem como não é deletério para o meio ambiente.
Parabéns!
Lembranças para a valorosa Dona Raquel.
Caloroso abraço. Saudações ciclísticas.
Até breve...
João Paulo de Oliveira
Um ser vivente em busca do conhecimento e do bem viver, sem véus, sem ranços, com muita imaginação, autenticidade e gozo.
Meu caro e brasuca Casto Confradamigo
ResponderEliminarAqui à socapa que ninguém nos ouve faço-te um confidência (mas que grande salgalhada, ouve - por escrito? faço-te uma confidência? ou digo-te?), bom, não sei andar de bicicleta!!!!!!
Bjs e abração do casal Ferreira
Meu caro casto Confradamigo
ResponderEliminarAqui para nós que ninguém (ou quase) me lê, faço-te uma confidência: não sei andar de bicicleta... Uma vergonha.
Bjs e um abração do casal Ferreira
A travessa continua a não mostrar atualizações. E desta vez não recebi o seu mail a avisar da postagem, e essa é a razão porque ainda não tinha vindo aqui.
ResponderEliminarGostei muito da história das bicicletas, que desconhecia. Quando me falam em ciclismo lembro imediatamente o Joaquim Agostinho.
Abraço
Minha querida Elvirinhamiga
EliminarNão percebo o motivo de não teres recebido o meu imeile, dado que o enviei a todos os meus comentadores, tenho-nos numa lista para não cometer faltas. Bom, adiante.
Fico feliz com o teu comentário e agradeço-to
Muitos qjs do teu amigo e admirador
Henrique, o Leãozão
Memórias no tempo onde é realçada a "evolução" da bicicleta!...bj
ResponderEliminarMinha querida Gracinhamiga II
EliminarMuitíssomo obrigado, és sempre gentil.
Muitos qjs do deste teu amigo e admirador
Henrique, o Leãozão
Eu cá sou como o Mestre Jacinto e não tenho 83 anos. Também não sabia nada da história da bicicleta com todos os pormenores. Mas lembro-me do Trindade que eu cá também sou uma lagartona de merd@... eh eh eh...
ResponderEliminarBeijinhos e abracinhos...
Minha querida Gracinhamiga I
ResponderEliminarP'stá claro, quem diz claro diz branco mas podia ser ser tinto, clarete, verde, verdelho, rosé, porto, madeira, bordeaux etc; sei que não tens 83 anos, claro (safa, lá volt...) mas essa do Trindade é um boa mala, muitos parabéns!
Muitos qjs e bjs do casal Ferreira, ah Leozona
Bom dia. Cá estou eu, a fim de agradecer a sua gentil visita. Obrigada.
ResponderEliminarGostei do seu longo, mas interessante texto. :))
Já agora mais um convite: :)
Hoje:- {Poetizando e Encantando }...Se o Amor fosse perfeito.
.
Bjos
Votos de um Domingo Feliz.
Minha querida Larissamiga
EliminarOra muito bem, estou felicíssimo com a tua primeira visita ao meu covil e agradeço-te o teu primeiro comentário que espero e desejo que venham a ser muitos.
Podes ter a certeza de que lá irei pois amor com amor se paga:-)))
Muitos qjs e uma boa semana do teu amigo
Henrique, o Leãozão
Não conhecia esses factos!
ResponderEliminarBjxxx
Ontem é só Memória | Facebook | Instagram
Minha querida Memóriamiga
Eliminar(Se não é pedir muito podes dizer-me o teu primeiro nome por imeile? Obrigado,)
Agradeço-te e penso que já leste o meu curriculo, já fui professor
Muitos qjs do teu novo amigo
Henrique, O Leãozão
Uau! Muito interessante Henrique, adorei saber todas estas coisas. Fantástico.
ResponderEliminarBoa noite e um abraço
Minha querida Gaja Mariamiga
EliminarPoizé, fui buscar ao baú da minha infância (onde vai isso?...) essas coisas e saiu-se a estória.
Muitos qjs deste teu amigo
Henrique, o Leãozão
Passando para lhe deixar um miminho ;))
ResponderEliminarMagia sem Rumo
.
Bjos
Votos de uma boa noite
Minha querida Larissamiga
EliminarAgradeço-te ao... quadrado
Vai ser uma longa noite, até das tantas da madrugada, a ver o Brainstorm, dois episódios do Investigação Criminal - Los Angeles, um do New Tricks e um da nova Silent Witness. E só então chi chi chi cama. Normalmente este horária vai pelas quatro/cinco da madrugada.
Muitos qjs do teu amigo
Henrique, o Leãozão