2016-11-07






Antunes Ferreira

É
 caso raro que isto aconteça por aqui; mas mesmo eles têm as suas excepções que, sendo também raras, surdem à socapa e por motivos que têm de ser, não fortes. Mas fortíssimos. É o caso vertente e quem o fez explodir foi a nossa querida Gabrielamiga quando em post anterior perguntou, quase ansiosa, pela sequência da estória da Dona Alzira. Tinha-se ficado na oferta feita pelo campomaiorense dum pastel de nata – com açúcar e canela – à digna Senhora. Mas não é aí que se retoma a acção. Ela é muito mais anterior.



E
stava-se na cena em que Senhor Doutor Deputado (que alguns mal-intencionados diziam Deputedo… credo, t’arrenego Satanás!) tirava os três vinténs à jovem Alzira. Tudo indica que ambos gostaram da cegada, pois a heroína – a Alzira, que não a droga -  prosseguia a revelação em bom ritmo sob o olhar atento mas um pouco esgazeado das comparsas e do Segismundo que fingia seguir a telenovela “Benvindos a Louriçais”, mas estava de orelha em riste.

Camisa sem mangas para não ter filhos



D
ê-se, por conseguinte, a primeira pessoa à Senhora Dona Alzira. “E assim vivemos muito felizes durante dois anos ou quase até a malvada da desgraça cair sobre nós os dois. O Chico – chamava-se Francisco o Senhor Doutor Deputedo, porra!, Deputado, tinha-me alugado um quarto com águas correntes quentes e frias, ali à Engraça na Rua Não Digo o Nome, quarto andar sem alivador. E usava sempre o que ele chamava camiza- de-vénus, um tubo em borracha ou lá o que era que enfiava no coiso – para a gente não termos filhos. Faça-se aqui uma breve explicação: Alzira fora à escola, tirara a quarta classe com especialidade - uma ganda cunha do protector, mas dava erros de palmatória. E dá, até hoje.



P
orém um dia o meu Chico que tinha estado três semanas de cama com uma maleita nos pulmões, uma pulmografia ou coisa assim, vinha com tal vontade, logo que se levantou, de dar uma queca que deu duas, três ou quatro esquecendo-se da tal camiza sem mangas. Foi o Mafarrico, juro mesmo que foi o Demo que nos armou a armadilha. Resultado, engravidei e quando se começou a notar a barriga a crescer a Senhora Dona Adosinda, arquitecta e esposa do meu Chico deu conta (pois já tinha sido emprenhada pelos ouvidos pela Laurinda a cozinheira que e estava cheia de inveja de mim pois queria também trucar com o patrão e ele só tinha olhos e pau para mim,) armou uma saralho do carilho e eu fui para a rua.
Ou entra na linha...



Q
uarto com águas correntes quentes  e frias -  idem; sem alivador - aspas. A exigência fora da arquitecta que encostara o marido à parede, ou ela, ou eu! E nunca mais quero ouvir falar dessa gaja com falinhas mansas. Nem sequer respirar. Ou entras na linha, ou volto para casa dos meus pais e vou à Assembleia Nacional descobrir-te a careca e então é que vais ver o que é que são elas. E a partir de agora, camas separadas! Pensando bem, quartos separados – o que não falta praí é espaço. E o pandeleiro do Senhor Doutor Deputedo, o ex-meu Chico, acagaçou-se cumpriu indescrupolozamente as ordas da Senhora gaja e deu-me com os pés. Nunca mais lhe pus o olho em cima.



R
ecorri outra vez ao primo; a minha mãe já tinha entregado a alma ao Criador com um fleimão de caixão à cova e a rapaziada à minha volta pareciam abelhas em roda de uma flor. Estou práqui a roubar-vos tempo; ó Senhora não rouba nada, somos todas reformadas. Segue-se que passei por mais umas casas e um dia fui parar à Farmácia Boa Seringa, cujo proprietário era o Senhor Doutor Farmacêutico Ângelo das Neves que estava quase a bater a bota e tinha como ajudante um rapaz meio enfezado, o Manel Jimbrinhas que aviava algumas receitas e dava as injecções. Era para lá da Cruz de Pau, quase no Alentejo.
Tira o pé do tubo do oxigénio



O
 ancião, aliás muito contrariado, que eu bem vi, resolveu passar-se para o outro lado. Ninguém gosta de velórios, especialmente do seu, mas dali não e pode fugir é inivultável.  Houve até uma cena muito comovente. Com o velho já a despedir-se deste Mundo cruel e impiedoso, o Jimbrinhas (que afinal era seu sobrinho em segunda mão e por isso seu herdeiro) chegou-se à beira do moribundo para recolher as suas últimas palavras que foram estas, muito baixinho, mas eu ouvia-as: ó meu grande filho da puta tira o pé de cima do tubo do oxigénio.  



R
esumindo e concluindo: casei com o Manel Jimbrinhas nas Noivas de Santo Antoino (o sonso andava atrás de mim, vamos ser muito felizes etc. e tal) tive quatro filhas, cinco filhos e seis desmanchos e enviuvei à oito anos e já tenho cinco netos: três putos e duas pu…,chiça! miúdas. Não tenho vivido mal até à três semanas; mas a Cambra veio dar-me cabo da mona, que o Segismundo e Dona Filomena bem sabem; vivemos na mesma rua. Homessa!? Atirou a Menina Hortênsia. E a Dona Ester acrescentou, que se passa, há gatunagem? Drogados a dar por um pau?
Fazemos ou não os ninhos?



N
ada disso, minhas amigas. Eu conto, mas termino já, que tenho de ir acabar de fazer a janta. São as obras, foda-se, são as putas das obras! Mas, quais obras? A Cambra Municipal decidiu que estava na hora de mudar as canalizações da rua que aliás não é grande. E logo na época em que começam as chuvas. Ou deviam começar, que o tempo está como o resto, uma ganda merda. Até as andorinhas andam tresloucadas: fazemos ou não fazemos os ninhos?



P
rimeiro plantaram uns cartazes a dizer que pediam muitas desculpas pelos incomódos que causavam aos tenentes, a dona Esperança da Loja da Fruta diz que o que lá está prantado são os utentes. Mas que prometiam demorar pouco para não sacrificar os tais sargentos/utentes. Quero lá saber! Que se lixe a Cambra, que se lixem os cartazes! Depois vieram espetar nos passeios e no asfalto uns taipais em rede metálica cheio de mariquices – sinais de é proibido passar e outras frioleiras. Depois, bom, depois, descansaram ainda que não fosse o sétimo dia. 



B
em lá para o fim da semana seguinte chegaram uns Senhores de capacetes coloridos e uns instrumentos tipo binóculos a que chamaram tios de litros com os quais começaram a fazer observações e medições gastronómicas, foi o que me pareceu ouvir. Astronómicas, mulher astronómicas. Mas para quê? Ainda não estamos na Lua; na rua, sim, mas na Lua… Pois. Descansaram mais uns bocadinhos. Caramba, que gente mais cansada!... E finalmente vieram uns camiões, umas mánicas de escavar a terra outras de levantar os tubos que la estavam dentro, afastar os cabos que também ali se encontravam.
O Inferno no Inverno



F

ogo! Nunca pensei que debaixo de uma ruazita houvesse tanta confusão. E sobretudo lama. E para ajudar cortes de água e para ainda ajudar mais e mais tubos grandes em cimento, em plástico, em todos os materiais possíveis e imagináveis. O Inferno no Inverno como é o caso deve ser o Paraíso. E antes que me vá. O horário de trabalho é simples: de segunda à sexta – das nove da manhã à uma da tarde e das duas da tarde às cinco da tarde. Aos sábados e aos domingos: um bom fim-de-semana. Se isto não é produtividade… E a Dona Alzira foi-se. Fazer a sopa de feijão encarnado. Para a janta.

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Uma grande saga a vida da D. Alzira. Gostei.
    Um abraço

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  3. Então a D. Alzira acaba a sopa de feijão? Quero eu dizer, toda a vida a comer do bom e do melhor e deixou-se ficar sem poder transitar, enlameada, quiçá enrolada pelo Jimbrinhas!?
    De curriculum não está mal servida,não, mas será difícil que alguém lhe pegue. Nem o alentejano defensor dos três. Não é isso que vês ou ainda lhe dás mais uma volta, perdão, um novo capítulo, para que não haja equívocos.
    Ficamos à espera dos ossinhos e depois bebemos um penalty do Cartaxo.
    Grande abraço.
    PS Não te esqueças de ir à Alvalade com ferramenta apropriada apertar os parafusos àquela gente.

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