Antunes Ferreira
É
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caso
raro que isto aconteça por aqui; mas mesmo eles têm as suas excepções que,
sendo também raras, surdem à socapa e por motivos que têm de ser, não fortes.
Mas fortíssimos. É o caso vertente e quem o fez explodir foi a nossa querida
Gabrielamiga quando em post anterior perguntou, quase ansiosa, pela sequência
da estória da Dona Alzira. Tinha-se ficado na oferta feita pelo campomaiorense
dum pastel de nata – com açúcar e canela – à digna Senhora. Mas não é aí que se
retoma a acção. Ela é muito mais anterior.
E
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stava-se na cena em que Senhor Doutor Deputado (que alguns mal-intencionados
diziam Deputedo… credo, t’arrenego Satanás!) tirava os três vinténs à jovem
Alzira. Tudo indica que ambos gostaram da cegada, pois a heroína – a Alzira,
que não a droga - prosseguia a revelação
em bom ritmo sob o olhar atento mas um pouco esgazeado das comparsas e do
Segismundo que fingia seguir a telenovela “Benvindos a Louriçais”, mas estava
de orelha em riste.
Camisa sem mangas para não ter filhos |
D
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ê-se, por conseguinte, a primeira pessoa à Senhora Dona
Alzira. “E assim vivemos muito felizes durante dois anos ou quase até a malvada
da desgraça cair sobre nós os dois. O Chico – chamava-se Francisco o Senhor
Doutor Deputedo, porra!, Deputado, tinha-me alugado um quarto com águas
correntes quentes e frias, ali à Engraça na Rua Não Digo o Nome, quarto andar sem
alivador. E usava sempre o que ele chamava camiza- de-vénus, um tubo
em borracha ou lá o que era que enfiava no coiso – para a gente não termos filhos.
Faça-se aqui uma breve explicação: Alzira
fora à escola, tirara a quarta classe com especialidade - uma ganda cunha do
protector, mas dava erros de palmatória. E dá, até hoje.
P
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orém um dia o meu Chico que tinha estado três semanas de
cama com uma maleita nos pulmões, uma pulmografia ou coisa assim, vinha
com tal vontade, logo que se levantou, de dar uma queca que deu duas, três ou
quatro esquecendo-se da tal camiza sem mangas. Foi o Mafarrico,
juro mesmo que foi o Demo que nos armou a armadilha. Resultado, engravidei e
quando se começou a notar a barriga a crescer a Senhora Dona Adosinda, arquitecta
e esposa do meu Chico deu conta (pois já tinha sido emprenhada pelos ouvidos pela
Laurinda a cozinheira que e estava cheia de inveja de mim pois queria também
trucar com o patrão e ele só tinha olhos e pau para mim,) armou uma saralho do carilho e eu fui para a rua.
Ou entra na linha... |
Q
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uarto com águas correntes quentes e frias -
idem; sem alivador - aspas. A exigência fora da arquitecta que encostara
o marido à parede, ou ela, ou eu! E nunca mais quero ouvir falar dessa gaja com
falinhas mansas. Nem sequer respirar. Ou entras na linha, ou volto para casa
dos meus pais e vou à Assembleia Nacional descobrir-te a careca e então é que
vais ver o que é que são elas. E a partir de agora, camas separadas! Pensando
bem, quartos separados – o que não falta praí é espaço. E o pandeleiro do Senhor Doutor Deputedo, o
ex-meu Chico, acagaçou-se cumpriu indescrupolozamente as ordas
da Senhora gaja e deu-me com os pés. Nunca mais lhe pus o olho em cima.
R
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ecorri outra vez ao primo; a minha mãe já tinha entregado a
alma ao Criador com um fleimão de caixão à cova e a rapaziada à minha volta
pareciam abelhas em roda de uma flor. Estou práqui a roubar-vos
tempo; ó Senhora não rouba nada, somos todas reformadas. Segue-se que passei
por mais umas casas e um dia fui parar à Farmácia Boa Seringa, cujo
proprietário era o Senhor Doutor Farmacêutico Ângelo das Neves que estava quase
a bater a bota e tinha como ajudante um rapaz meio enfezado, o Manel Jimbrinhas
que aviava algumas receitas e dava as injecções. Era para lá da Cruz de Pau,
quase no Alentejo.
Tira o pé do tubo do oxigénio |
O
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ancião, aliás muito
contrariado, que eu bem vi, resolveu passar-se para o outro lado. Ninguém gosta
de velórios, especialmente do seu, mas dali não e pode fugir é inivultável.
Houve até uma cena muito
comovente. Com o velho já a despedir-se deste Mundo cruel e impiedoso, o Jimbrinhas
(que afinal era seu sobrinho em segunda mão e por isso seu herdeiro) chegou-se
à beira do moribundo para recolher as suas últimas palavras que foram estas, muito
baixinho, mas eu ouvia-as: ó meu grande filho da puta tira o pé de cima do tubo
do oxigénio.
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esumindo e concluindo: casei com o Manel Jimbrinhas nas
Noivas de Santo Antoino (o sonso andava atrás de mim, vamos ser muito felizes etc. e tal) tive quatro filhas, cinco filhos e seis desmanchos
e enviuvei à oito anos e já tenho cinco netos: três putos e duas
pu…,chiça! miúdas. Não tenho vivido mal até à três semanas; mas a Cambra
veio dar-me cabo da mona, que o Segismundo e Dona Filomena bem sabem; vivemos
na mesma rua. Homessa!? Atirou a Menina Hortênsia. E a Dona Ester acrescentou,
que se passa, há gatunagem? Drogados a dar por um pau?
Fazemos ou não os ninhos? |
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ada disso, minhas amigas. Eu conto, mas termino já, que tenho
de ir acabar de fazer a janta. São as obras, foda-se,
são as putas das obras! Mas, quais obras? A Cambra Municipal decidiu
que estava na hora de mudar as canalizações da rua que aliás não é grande. E
logo na época em que começam as chuvas. Ou deviam começar, que o tempo está
como o resto, uma ganda merda. Até as andorinhas andam tresloucadas: fazemos ou
não fazemos os ninhos?
P
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rimeiro plantaram uns cartazes a dizer que pediam muitas
desculpas pelos incomódos que causavam aos tenentes, a dona Esperança da Loja
da Fruta diz que o que lá está prantado são os utentes. Mas que prometiam demorar pouco para não sacrificar os
tais sargentos/utentes. Quero lá saber! Que se lixe a Cambra, que se lixem os
cartazes! Depois vieram espetar nos passeios e no asfalto uns taipais em rede
metálica cheio de mariquices – sinais de é proibido passar e outras frioleiras.
Depois, bom, depois, descansaram ainda que não fosse o sétimo dia.
B
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em lá para o fim da semana seguinte chegaram uns Senhores de
capacetes coloridos e uns instrumentos tipo binóculos a que chamaram tios
de litros com os quais começaram a fazer observações e medições gastronómicas,
foi o que me pareceu ouvir. Astronómicas, mulher astronómicas. Mas para quê?
Ainda não estamos na Lua; na rua, sim, mas na Lua… Pois. Descansaram mais uns
bocadinhos. Caramba, que gente mais cansada!... E finalmente vieram uns
camiões, umas mánicas de escavar a terra outras de levantar os tubos que la
estavam dentro, afastar os cabos que também ali se encontravam.
O Inferno no Inverno |
F
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ogo! Nunca pensei que debaixo de uma ruazita houvesse tanta
confusão. E sobretudo lama. E para ajudar cortes de água e para ainda ajudar
mais e mais tubos grandes em cimento, em plástico, em todos os materiais
possíveis e imagináveis. O Inferno no Inverno como é o caso deve ser o Paraíso.
E antes que me vá. O horário de trabalho é simples: de segunda à sexta – das
nove da manhã à uma da tarde e das duas da tarde às cinco da tarde. Aos sábados
e aos domingos: um bom fim-de-semana. Se isto não é produtividade… E a Dona
Alzira foi-se. Fazer a sopa de feijão encarnado. Para a janta.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarUma grande saga a vida da D. Alzira. Gostei.
ResponderEliminarUm abraço
Então a D. Alzira acaba a sopa de feijão? Quero eu dizer, toda a vida a comer do bom e do melhor e deixou-se ficar sem poder transitar, enlameada, quiçá enrolada pelo Jimbrinhas!?
ResponderEliminarDe curriculum não está mal servida,não, mas será difícil que alguém lhe pegue. Nem o alentejano defensor dos três. Não é isso que vês ou ainda lhe dás mais uma volta, perdão, um novo capítulo, para que não haja equívocos.
Ficamos à espera dos ossinhos e depois bebemos um penalty do Cartaxo.
Grande abraço.
PS Não te esqueças de ir à Alvalade com ferramenta apropriada apertar os parafusos àquela gente.