A
farmácia
Antunes Ferreira
C
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á fora há
uma cruz verde iluminada e piscando onde passam GLICEMIA, TRIGLICÉRIDOS E
COLESTEROL indicando as análises que ali se fazem. Depois o nome da farmácia, a
data, a hora e a temperatura. Era uma das maiores que o Justino via, e ao
entrar descobriu que abarrotava de gente. Um sujeito disse-lhe que era preciso
tirar uma senha com o número que lhe anunciava o atendimento. Indicou-lhe a
maquineta e explicou-lhe como funcionava, é só carregar no botão…
Felgueiras - Moncorvo |
J
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ustino Silva
Gonçalves era transmontano natural da aldeia de Felgueiras junto a Moncorvo,
onde também vivera toda a vida, 22 anos de idade, solteiro e as vizinhas
consideravam-no um bom rapaz, temente a Deus, missa semanal. Terra curiosa, dentro dela não se apanham as chamadas do telemóvel...: ali
vive o último cerieiro de Portugal. Pela primeira vez vinha a Lisboa. Para ele
era tudo uma novidade, sentia-se como um boi a olhar para um palácio, era tudo enorme.
C
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omo tinha
combinado foi ao Bairro Alto para ver o primo Manel natural de Maçores, um
bagaço de estalar e porque torna e porque deixa, puseram a escrita em dia. O
primo indicou-lhe que devia ver a turística
travessa do Cunhal das Bolas (Seria
da família do chefe dos comunistas?) que até tinha tabuleta na parede e era
pequena como tudo no bairro, Iria, tá claro, mas só na próxima visita à Capital.
Sem legenda |
Q
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uando vinha
embora Manel explicou-lhe que o Bairro Alto do antigamente era o que se chamava
um antro de perdição, porque tinha muitas pegas e casas de passe juntamente com
tascos e restaurantes onde as rameiras cantavam o fado, acompanhadas à guitarra
pelo Zé Falcão e à viola pelo Chico Aventureiro. Porém muito desses
“inconvenientes” estavam a desaparecer.
R
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ameiras? São
as mulheres da vida respondeu o Manel, e o Jaquim, com uns pontos de interrogação,
o que é isso? São as protisputas como lhes chamam as pessoas finas e nós
dizemos putas. Se galares alguma lembra-te do que te digo; toma cuidado e atenção.
E foi precisamente quando chegava à travessa da Queimada onde o Manel lhe tinha
dito que era a Redacção da BOLA, que uma senhora dos seus cinquenta e muitos o
convidara para dar uma queca.
Uma senhora dos seus... |
P
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orém em
Felgueiras o Jaquim Gomes avisara-o que sem camisa-de-vénus não podia fazer
nada e por isso fora à farmácia para comprar uma. Possa! A velhota a caminho
dos cinquenta e muitos, carregada de pó de arroz e de outra porcaria que na
televisão diziam que era meique âpe, as
beiçolas pintadas de vermelho forte e pestanas postiças, dissera-lhe que não
era preciso, que era muito cuidadosa e limpinha, lavava-se por baixo todos dias. Duvidoso,
fora-se pelo Jaquim Gomes que era da aldeia e barbeiro, homem de saberes e
sobretudo amigo. Mas ficou a ruminar: como era tão grande a desgraça, a austeridade,
o desemprego e a fome que levavam uma gaja já muito fanada a prostiputar-se…
Estamos cá para isso |
N
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a farmácia
coubera-lhe um papel saído da mánica com o númaro
0169 e no mostrador na parede ainda ia o 0032. Safa, eram mais de cem númaros de diferença. Três horas e meia
depois uma Senhora com ar de duquesa ou coisa assim que tinha o 0165, raio de
lotaria, amanhã é que anda à roda, chegou-se ao balcão e disse ao empregado que
queria comprar um batom mais primeiro precisava de experimentar para ver a cor
exacta que costumava usar. Mas não queria abusar do tempo que lhe roubava. A atendedora, minha Senhora estamos cá para isso…
E
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ntretanto
aproximavam-se em alta velocidade as sete da tarde hora em que fechava o
estabelecimento, o que aconteceu num instante. Pelo altifalante, uma voz
maviosa informou: as senhas restantes ficam para amanhã respeitando a ordem
deste dia. Por favor têm de trazer as senhas. Chiça! logo lhe havia de
acontecer uma tal coisa, e a camioneta para Moncorvo saía às sete e meia. Estava
perdido e estava perdida a camioneta. Telefonou ao primo Manel dando-lhe conta
da chatice que tivera, ao que ele lhe respondeu: antes isso do ter partido uma
perna. Dormes cá em casa, vestes um dos meus pijamas, escova de dentes e pasta
há e mais, depois xixi e cama no quarto das visitas que agora não há nenhuma.
Um antro de perdição ou de salvação? |
T
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Iro e queda,
assim aconteceu, ainda jantou umas postas de pescada frita com arroz de tomate
que estava de lamber os dedos. No quarto das visitas deu consigo a fazer
trabalhar a cachola. E resmoneou que não comprara o persebatibo, não comera a gaja e arranjara casa e comida. Lisboa
era mesmo um antro de perdição, o Jaquim Gomes bem lhe dissera. Mas também de
salvação, o primo Manel ? – não a capital.
É uma história e como tal, aceita-se...
ResponderEliminarAzar teve algum...
E não há mais farmácias em Lisboa?
Já tinha que não acontecer.
Abraço, amigo.
Irene Alves
Irenamiga
EliminarÉ a vida...
Qjs do Leãozão
Estória bem esgalhada, comme d´habitude. Pena ser dos anos 40/50 do século passado, quando não havia telemóveis para telefonar ao primo.
ResponderEliminarAbração de um Lampião.
Cunhamigo
EliminarJá lá dizia o meu Pai
De acordo com os cânones
Não telefones
Vai...
,,,ao Bairro Alto - não dá rima; sofro de acrofobia e por isso tenho vertingeis
Abç do Leãozão
~~~
ResponderEliminarTadinho do Justino, ingénuo, mas bom menino.
Talvez o Camilo Castelo Branco saiba a resposta...
Pois, há quem pense que o mundo vice dependente de telélé...
Um conto malandreco...
Para vós, beijinhos e abraços.
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Madrinhamiga
EliminarPoizé Justino rima com menino; O Camilo de Castelo Branco era muito prolífico, o Camilo de Oliveira morreu ontem...
Telelé já não uso, agora tenho um semartefone no qual não sei mexer... Foi a prenda de anos dos meus netos...
Malandreco sou eu...
Bjs da Raquel e qjs do afilhado Leãozão
Uma história deliciosa que até podia ser de hoje. Afinal as coisas não mudaram tanto por aqui. Você, meu amigo sabe mesmo prender a minha atenção...
ResponderEliminarUm beijo.
Gracitamiga
EliminarVindas de uma Senhora da Poesia estas palavras deixam-me muito contente. Querida Amiga oxalá continue-te a prender a tua atenção. És um encanto.
Qjs do Leãozão
Os malandros persistem, apesar do cenário se pintar ao gosto de cada época. "Aqui à atrasado", talvez há trinta anos fui abordado por um "Justino" junto a uma farmácia que depois de um enredo intrincado me pediu para lhe comprar a roupinha pró zé.
ResponderEliminarA tua crónica está uma pérola. Vê lá tu que aprendi mais um termo a acrescentar aos milhentos que existem para a profissão de...:"prostiputa". Já conhecia o termo de substituta, meretriz...
Abraço.
Agostinhamigo
EliminarFizeste-me rir à gargalhada com essa da roupinha pró zé; nunca tinha lido ou ouvido essa expressão e na televisão não precisa de bolinha vermelha!!!... :-))))))))))))))))))))))))))))))))))
Um homem seja novo, velho, assim-assim, tem dias para aprender. Tu ficaste-te com a prostiputa e eu com a tal roupinha hoje já nem sei para quê...
Abç
Leãozão
DECLARAÇÃO SOBRE FÉRIAS
ResponderEliminarA maltamiga está a seguir pra férias e quase toda a gente escolhe praia ou campo - ou mesmo ficar em casa e ir até ao Parque das Conchas e dos Lilazes ali à alameda das Linhas de Torres para desanuviar e respirar o ar poluído bem como sentir o ganda vento que ali faz...
É a CRISE em todo o seu esplendor; infelizmente é porque a gaja, por mais que lhe peçam até genuflectido, está para lavar e durar. E por lavar, se não se pode ir banhar-se nas salsas ondas, use-se a banheira ou o chuveiro...
Embora vocês não tenham nada com isso, declaro que não vou de férias - lavre-se o auto da declaração que vai assassinado, oops, assinado pelo escriba e pelo escrivão para ser inserido na acta.
Dizem por aí que já estive (estivemos) quatro meses em Goa. Poizé mas ali não é local para férias: vida caríssima, frio polar, nevoeiros diários, granizo e por vezes neve nas terras baixas. A água do mar - gelada (2,7º) e as hipóteses de tsunami são gradas.
Por isso digam-me lá se se pode chamar a estas condições férias? Nem pó. Por isso este ano não vou de férias que além do mais até eram merecidas... :-(((((((
Leãozão tristérrimo. E ainda vamos ver o que dá o europeu2016??????
Gostei tudo tratado com bom humor.
ResponderEliminarUma linda tarde pra vc =)
Bellamiga
ResponderEliminarObrigado pelas palavras gentis
E para ti também
Qjs do Leãozão
Amigo Ferreira,
ResponderEliminarOlhando pelo lado bom, pelo menos ele arrumou casa e comida e ainda conservou a senha para o outro dia... Ainda há uma esperança para o bom moço...
Adorei o texto, leve e bem-humorado.
Um beijo e ótima semana.
Dianamiga
EliminarFolgo muito em ver-te aqui e muito obrigado pelo teu comentário. Na realidade no meio da atrapalhação citadina aconteceram-lhe coisas boas. Quando voltar a Felgueiras vai ter muito para contar... o possível :-)))))))
UM PEDIDO: Conta as tuas e aos teus comentadoras/es que eu existo e adoro que cheguem aqui; não pagam bilhete nem imposto...
E espero e desejo que entres no grupo dos seguidores
Qjs do Leãozão
Ganhou uma belissima refeição e um quarto para uma noite descansada, não se pode ter tudo!
ResponderEliminarXX
Papoilamiga
ResponderEliminarTékinfim te vejo por cá! Hip,hip, hip, hurraaaaa!!!!!!!
E é verdade - não se tudo pode ter :-))))))
Volta mais vezes que estás a agradar
Qjs do Leãozão
Um belo e expressivo texto escrito com um bom toque de humor. Parabéns pelo o enredo com nomes populares os quais crescemos ouvindo os mais velhos falarem. Agradeço a sua preciosa visita e desejo um belo e maravilhoso fim de semana... Abraço
ResponderEliminarFrancisamigo
EliminarMuito obrigado pelas palavras do comentário e também por teres vindo aqui pela primeira vez. Por isso, volta mais vezes!
Retribuo o desejo de bom fds
Ab do Leãozão
É necessária audácia
ResponderEliminarPara esperar tanto tempo.
Não se serviu da Farmácia
Porque Lisboa e Engrácia
Têm ligações com portento.
Uma boa Crónica, Leãozinho. Parabéns.
Abraço
SOL
Solamigo
EliminarMil vezes obrigado
pois vir a Lisboa
cumprindo o seu fado
pior do que o do Pessoa?
Pelos vistos gostaste do texto... Portanto volta mais vezes
Abç do Leãozão