SANGUE EM GOA
Primos a 8 mil quilómetros
«No fundo, pouco interessa saber
se a faca tem sentimentos
,o que interessa é que corte bem»
Pepetela
Antunes Ferreira
Tudo
começara com uma chamada via Skype. Estava a navegar tranquilamente na
blogosfera – um passatempo que se transformara numa mania quase uma dependência
quando fora alertado para uma chamada para meu espanto vinda de Goa. Não fizera
a menor ideia de quem se tratava e qual o motivo desse contacto inopinado mas
aceitara com a curiosidade correspondente. Mas, com mil diabos…
Antes
de prosseguir com a estória quero apresentar-me o que para mim representa o
mínimo da boa educação e desta que recebi desde miúdo uso e abuso
quotidianamente. Chamo-me Diogo Manuel Santos Bragança, sou Inspector-chefe da
Polícia Judiciária reformado, tenho 48 anos, viúvo sem filhos, nascido em
Lisboa e vivo na bairro do Restelo das casas económicas (?) acima das quais
ficam as vivendas do pessoal com massas antes escudos hoje euros, muitas
embaixadas e etc.
Que vinha fora de mão! |
Quando
tinha 28 anos estava casado com a Maria Eduarda, farmacêutica de 27 que já
estava grávida de seis meses, uma menina que se iria chamar Cristina como a
minha mãe que seria a madrinha. Tínhamos
ido passar o fim de semana a casa dos pais dela em Castro Verde e quando íamos
a entrar no acesso à A2 um filho da puta que vinha desembestado fora de mão
matou-ma bem como a nossa futura filha. E o gajo safou-se, bem como eu, ele com
um braço partido em dois lados, quatro costelas e várias contusões e equimoses
e eu com a fractura das duas pernas, traumatismo craniano e também contusões e
equimoses. Para mim duas operações e três semanas de hospital; fui ilibado de
quaisquer culpas no acidente.
Mas, no
fundo culpabilizei-me ainda que sem razão e esse sentimento perseguiu-me anos a
fio. Entretanto como era considerado um excelente profissional fui progredindo
na carreira e finalmente encontrei-me no topo dela. Pelo caminho e no aspecto
sentimental tivera duas ou três namoradas mas nenhuma me convencera e todas
tinham ido à vida. Porém a pouca sorte parecia não se afastar de mim. Tal como
o fado cantava, tinha o destino traçado – e ele, pelos vistos, não seria
famoso.
O que
me ajudara a tornar-me um internautodependente fora o facto de ter criado um
blogue com o título um tanto pomposo «Os
casos do reformado em caso» pelo qual se podia ver a adoração que tinha
pelo advogado/investigador Perry Mason uma imortal criação no domínio do
policial pelo Erle Stanley Gardner. De resto na minha biblioteca que era bem
abastecida a literatura policial tinha, naturalmente, lugar destacado. Além
disso seguia cuidadosa e atentamente as séries temáticas da FOX CRIME e da AXN,
a principal das quais era “The Silent Whitness”,"A Testemunha Silenciosa" pelas madrugadas. Ninguém me obrigava a
levantar-me a toque de alvorada e a dona Perpétua que era minha governanta, ou
melhor fac totum não se atrevia a
acordar… Nunca!
Quando
a ligação se estabeleceu eram três da madrugada no ambiente de trabalho surgiu
um senhor goês que me pareceu de meia idade e que me disse logo ”Bom dia primo!” Passei-me. Primo? Eu?
Porra! Mas de onde saía este gajo e logo a chamar-me assim? Devo ter feito uma
tal cara que o homem prosseguiu “Não se
amofine! Chamo-me Salviano Francisco
Xavier Albuquerque de Noronha e Braganza
com z porque agora por cá a família teve de deixar cair o cê cedilhado que não
se encontra nos teclados… Mas claro que somos da mesma ascendência. Primos
muito afastados, mas… primos!”
Penso
que fiz um sorriso de circunstância enquanto digeria tão rapidamente quanto
possível essa carilada (vinda de Goa uma tal novidade tinha forçosamente de
ser… caril) e retorqui “Pois muito me diz
e tenho de confessar que não estava à espera de uma tal coisa às tês horas da
manhã…” E o primo Salviano “O primo
desculpe mas os fusos horários são uma maçada, por certo acordei-o, faz-me o
obséquio volte para a cama que eu depois torno a ligar-lhe. É que preciso mesmo
da sua ajuda. E sendo da família…”
Em
resumo acabava de ser fodido a oito mil quilómetros de distância via Skype e
ainda por cima por um alegado primo que não sabia que existia mas que pelos
vistos era mesmo meu primo ainda que sem exibição de árvore genealógica muito
menos certidão de idade mas na ocasião seria difícil… “Não te preocupes meu caro Salviano – e logo acrescentei para
reforçar os laços familiares ora descobertos – nós por cá entre primos tratamo-nos por tu e assim farei se não te
importares…” E ele de imediato “Por aqui usamos mais você, mas vamos habituar-nos pode continuar, primo
Diogo. E se não se vai deitar vou explicar-lhe sucintamente ao que venho
dar-lhe este incómodo. Trata-se de um mistério…”
Olá,
mistérios eram comigo, eram desde sempre a minha profissão, a minha vida, o
curso de direito servira-me de muleta para a investigação e agora surgia-me um ainda
por cima em Goa, que com Damão e Diu constituíam o antigo Estado Português da
Índia até que a 18/19 de Dezembro de 1961 a então União Indiana a invadiu com a
intenção de o libertar do alegado colonialismo português. “Muito bem, Salviano, diz-me o que pretendes de mim pois estou
completamente ao teu dispor!”
O enorme riso dele... |
O
enorme riso dele no centro de uma barba e bigode bem aparados foi
resplandecente. Na face morena carregada os olhos brilharam-lhe tanto quanto os
dentes branquíssimos. “Tinha absoluta
certeza de que o primo Diogo aceitaria o encargo e por isso tenho já tudo
preparado. Quando pode vir? Não quero incomoda-lo; gostaria que fosse tão breve
quanto lhe fosse possível, mas não queria desviá-lo de qualquer assunto mais
premente que já tenha programado e…”
Atalhei-lhe
o discurso, nestas coisas o pragmatismo é o mais importante, como dizem os
brasucas conversa mole para encher pneu não dá certo, “Por mim, pode ser já hoje, talvez amanhã a fim de deixar arrumadas
algumas coisas, poucas, não tenho nada de especial para me ocupar é só fazer as
malas comprar os bilhetes do avião e…” Só que desta feita foi o Salviano
que me interrompeu pedindo-me muitas desculpas de o fazer pois estava tudo
óquei, só precisava de reconfirmar a reserva dos bilhetes na Emirates – Lisboa
/Londres /Londres /Mumbai / Mumbai / Dabolim na Air India para o dia seguinte.
Ele estaria à minha espera no terminal goês.
Fui
deitar-me e sonhei com coqueiros e praias com água quente a 28/29º.
(Continua)
NE - Este é o primeiro episódio de um conto (?) policial que decorre em Goa onde o autor (que como é sabido é terra de que é fanático...) se encontra. Trata-se de uma primeira tentativa neste género de literatura, mas duas circunstâncias me levam a isso: primeiro, tal como o protagonista sou um "doido" pelo policial e segundo porque há sempre uma primeira vez. Oxalá não me espalhe...
*A foto do cabeçalho representa uma prática goesa: à noite e à beira-mar convive-se, bebem-se uns copos à luz de pequenas velas ou candeias. Podem crer que é lindo...
Imagino o quanto é legal estar aí! E te saíste muito bem nesse primeiro policial assim! Gostei de ler,vamos esperar mais! abração,chica
ResponderEliminarMinha querida Rejane/Chiquitamiga
EliminarSendo brasileira podes perfeitamente saber como é este Paraíso! Quanto ao policial, ainda está a dar os primeiros passos... De qualquer jeito, muito obrigado
Muitos qjs desde Goa
Henrique, o Leãozão
Gostei do começo da tua narrativa, coisa que fazes sempre bem. Fico à espera da continuação.
ResponderEliminarUma boa semana meu Amigo.
Um beijo.
Minha querida Gracinhamiga II
EliminarResponder a partir de Pangim é outra coisa, podem crer - pelo menos para mim, Dito isto agradeço-te mais uma vez a tua maneira gentil e amável com que me tratas como sempre o fazes.
Muito qjs (picantes...) deste teu sempre amigo e admirador
Henrique, o Leãozão
HenriquAmigo.
ResponderEliminarFiquei condoído ao saber da desgraça, que ceifou a vida do feto e da esposa do Inspetor.
Meu casto Confradamigo
EliminarDe um coqueiral para outro segue um abração do tamanho do Mundo e o obrigado pelo teu comentário sempre oportuno.
Do teu luso-amigo
Henrique, o Leãozão
Não te espalhas coisa nenhuma.
ResponderEliminarSó a tua vida dava um romance.
Com momentos bem trágicos, infelizmente.
Grande abraço para ti, beijos para Raquel.
Meu caro João Pedramigo
EliminarPor uma vez e só por uma e correndo o risco de me repetir concordo contigo a minha vida dava um romance ou, mais modestamente, uma novela, tendo corrido como corri as sete partidas do Mundo (que me perdoe o Namora...).
E também como dizes com momentos bem difíceis, mesmo trágicos, mas com outros excelentes, sendo que estes felizmente sobrelevam aqueles.
Triqjs para as tuas mininas e um abração para tu deste teu amigo agora geograficamente mais próximo
Henrique, o Leãozão
Gostei deste capítulo mas um reformado com 48 anos nao será um exagero?!
ResponderEliminarAbraço
Minha querida Leonildamiga
EliminarMuito obrigado, mas cuidado, o nosso Diogo foi reformado por ferimento grave em serviço no entanto está absolutamente dentro do prazo de validade e continua a dar as suas cambalhotas se negas...
Muitos qjs com leite de coco deste teu velho amigo
Henrique, o Leãozão
Apesar de "o policial" não ser o que mais gosto... parece-me um bom início...
ResponderEliminarAgora aguardamos a continuação.
Estou muito grata pela presença na festa de Aniversário do meu “pimpolho”. Ele gostou muito de te ver lá… 😘
Obrigada!
Desejo bom Fim-de-semana
Beijinhos
MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS
Minha querida Mariazitamiga
EliminarNão podia faltar! E por isso não tens que me agradecer pois já sabes que gosto muito do teu "pimpolho"!
Quanto ao policial não se pode satisfazer toda a gente. Mas espero que continues a seguir a estória como prometes.
Muitos qjs picantes deste teu amigo e ex-fadista
Henrique, o Leãozão