2018-12-23


Natal

e torrão
de Alicante

Antunes Ferreira
Nesta época festiva peço-vos autorização para vos contar um segredo pessoal. Conto com a vossa aceitação. No entanto se me derem uma nega – conto na mesma!

Natal para mim está sempre, mas sempre, associado a torrão de Alicante. Presumo que quando isto lerem estejam de imediato a chamar-me vendido a nuestros vecinos e consequentemente miserável traidor. Livrem-se e livrem-me disso. Não mereço tal epíteto, bem pelo contrário. E se querem que vos diga já fui europeísta convicto – mas hoje,  de todo, não apoio a (des)União Europeia. Ponto final, parágrafo.

A Nau Catrineta por Fausto


Explico. Tal como a Nau Catrineta esta é uma estória de pasmar e para a contar tão correctamente quanto me é possível recorro a alguns resquícios de memória infantil   quiçá alojada no hipocampo  mas principalmente a episódios que me foram contados por diversas pessoas relacionadas com o evento que vos conto. Fontes seguras? Quiçá? Mas desde já advirto que não poria as mãos no fogo, porque há sempre que estar prevenido contra qualquer greve bombeiral ou seja dos soldados da paz, expressão calina muito em uso.

Não conheci os meus avós paternos já falecidos quando nasci, ao contrário dos maternos; eram eles originários da plebe, ou seja de modestas origens quer a minha avó Maria da Ascensão, quer o meu avô Braz Faria Antunes. Ela camponesa, ele pastor, depois soldado e a seguir guarda-fiscal. Mas o que é facto é que foi subindo na carreira e chegou a tenente.

Era o Senhor Tenente da Guarda Fiscal sediada em Portalegre, quando eu o conheci, tinha uns bigodes brancos encerados e retorcidos, cabeleira branca, olhos azuis, ia ao pálio nas procissões, era a quarta figura em importância na hierarquia da cidade e da Província, um homem honrado, honesto, vertical, figura distinta, toda a cidade o conhecia e respeitava.

A minha avó Maria desempenhava as importantíssimas funções de dona de casa, criara quatro filhos e duas filhas e fazia uma aletria doce de cinco estrelas além de outras iguarias, de acordo com as tais fontes fidedignas era tão boa cozinheira como doceira, enfim um mimo. Natural da Aldeia da Ponte, beiroa, raiana, enquanto o meu avô nascera em Montalvão no Alto Alentejo.

Pirolitos com os seus berlindes


No Natal enquanto os dois eram vivos, a família Antunes e os respectivos adjacentes iam até Portalegre onde na Rua de Infantaria 22, número 4 viviam os patriarcas, em frente da casa havia uma fábrica de pirolitos e sempre que uma garrafa rebentava ao receber o gás a malta ia a correr apanhar o berlinde. Entrava-se pelo primeiro andar ao nível da rua onde ficavam os quartos e descia-se por uma escada em madeira para a cozinha enorme a sala de jantar. Atrás havia um quintalão com três figueiras, um diospireiro, uma pereira, duas macieiras, uma romãzeira e horta bem como um galinheiro e a segunda retrete lá no fundo. A primeira ficava no primeiro andar.

No dia 24 de 1947, tinha eu seis anos, pela manhã, o avô Braz levou-me pela mão até ao Jardim da Corredoura onde alguns feirantes montavam uns balcões para vender produtos natalícios. Era uma espécie de pequena feira. E lá estava um homem de chapéu de palha com uma botija de gás enchendo balões que vendia aos gaiatos. O meu avô comprou-me um e recomendou: “Riquinho mete o teu dedinho nesta argolinha que fiz no cordel do balão senão ele foge!”

Parece que já nessa altura não ligava peva ao que diziam era um puto danado, não meti o “dedinho na argolinha do cordel” e foi um ar que lhe deu – ao balão que foi pelos ares qual Cape Canaveral de fancaria por antecipação. O avô Braz contou depois que eu berrava que nem vitelo desmamado e o malandro do homem de chapéu de palha e etc. já tinha seguido viagem pelo que balões nicles.

Memorial de José Duro

Em desespero de causa e para ver se me calava o Senhor Tenente da Guarda Fiscal levou-me a um banco junto ao memorial do poeta ultrarromântico José Duro, portalegrense de cepa, onde duas espanholas de Badajoz vendiam túrron de Alicante que traziam em enormes rodas como se fossem mós de moinho donde cortavam fatias. E foi a roer o bendito torrão que voltei a casa todo pimpão sem uma única lágrima ao canto dos olhos. E digam lá se tenho ou não razão quando afirmo alto e bom som que sempre associo Natal com torrão de Alicante. Et voilà.

  

19 comentários:

  1. Sendo 3 anos mais velho do que tu e lisboeta de gema não me é estranho o que contas pelo que não deixei de ser transportado para a minha infância e recordar situações semelhantes por mim vividas. Embora sem torrão de Alicante...
    Um abraço com votos de Boas Festas.

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    1. Meu caro Desconhecidamigo (?)

      Também sou alfacinha mas filho de alentejana (ainda que nascida em Águas Santas, Rio Tinto, carago, mas ida para Portalegre com oito mesitos...) e de ribatejano - o pai era d Cartaxo - e normalmente não escrevo sobre mim, pois gosto mais de efabular. 😇

      Porém há memórias de infância que são mais presentes quando se caminha ao longo dos anos. É a desgraçada PDI...

      Um abração deste teu amigo acompanhado da retribuição das Boas Festas 🎅
      Henrique, o Leãozão🦁

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  2. Meu caro Henrique

    Excelente texto, é sempre bom ler histórias reais
    não gosto de ficção... nem nos filmes!

    Para mim o problema, é esta (des)humanidade que existe durante 350 dias no ano
    e depois em 15 dias são todos bonzinhos demais
    Não tolero hipocrisia e falsidade!
    Por isso, fecho-me no meu casulo e vivo a minha Vidinha.

    Festa da Família, da bondade, do amor foi sim em Moçambique, outros tempos
    depois chego a Portugal e aos poucos vou-me apercebendo de outra realidade
    um NEGÓCIO e tanta falsidade.

    Bem, aqui lhe deixo os meus sinceros desejos de Boas Festas!

    Um abraço da Tulipa/Kalinka

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    1. Minha querida Tulipa/Kalinkamiga

      Há um tempo⌛ para tudo aqui, em Moçambique, em qualquer local. Nós é que fazemos o tempo com as nossas mãos e não o podemos parar pois ele é inexorável e incontornável. Muito menos despreza-lo.

      Como sabes e ao contrário do que não gostas, adoro ficcionar. Aliás é a forma que tenho usado para viver e ganhar o pão de cada dia honestamente. Claro que também reporto a realidade, com verdade, sensibilidade e verticalidade.

      O Natal como hoje o temos é consumista mas ainda é também a Festa da Família onde quer que estejamos. Usando uma frase calina o problema é que a Família tem vindo a sofrer tratos de polé, pelo menos aquela que concebo. E não se trata do politicamente correcto... É mesmo assim.

      Connosco a Família funciona e por isso posso dizer que somos muito felizes🤗. O que é muito bom.

      Muitos qjs e também te envio as mais desejosas Boas Festas🎅
      Henrique, o Leãozão🦁

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  3. Excelente maneira de assinalar a quadra com excelentes histórias de Vida. Vejo-me "forçado" a concordar com a Kalinka, mas eu acho que a hipocrisia infelizmente não são só 350 dias do ano mas... 365/366... Grande abraço. Boas Festas. :-)

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  4. Meu caro Halleyamigo, ops, Amarelamigo

    Desculpa-me a confusão mas pareces-me o celebérrimo cometa que aparece de 74/76 anos ou um exemplar fajuto dos coletes amarelos a la portugaise...✊ De qualquer maneira já lancei um molho de foguetes pois a tua vinda é mais do que motivo para isso e vou já apanhar as canas... E não vou a correr por mor da bengala; é a PDI!

    Essa estória do Natal ser sempre que o Homem quiser é cantiga (e do Paulo de Carvalho); é uma convenção. E o que me admira é que o dito cujo calha sempre a 25 de Dezembro. Podia muito bem cair a 34 de Oitembro...

    Hipocrisia + consumismo = Boas Festas!🎅

    Ainda que não mereças segue um abração deste teu velhíssimo amigo
    Henrique, o Leãozão🦁

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  5. E se eu te disser que também era a melhor maneira de me calarem quando eu estava rabugento??
    Grande abraço para ti, beijos para a Raquel e que esta continue a ser uma época muito feliz.

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    1. Meu caro João Pedramigo

      Poizé, o bendito túrron por tantos louvado raras vezes é mencionado pelas suas virtudes terapêuticas ocupacionais. Pelos vistos o nosso caso vem repor a verdade e a justiça que o celebérrimo produto alicantino bem merece.👌

      Triqjs e um abração para tu deste teu velhíssimo amigo que afinal só segue para Goa (aliás seguimos) no dia 20 pois a Finnair✈ manda e nós 'bedece!
      Henrique, o Leãozão🦁

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  6. Dias alegres, bem dispostos e doces na despedida do 2018 que, para alguns, é para esquecer...
    Beijinhos para ti e tua Raquel.
    ~~~~~
    avivenciaravida@gmail.com

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    1. Minha querida Madrinhamiga

      Muito obrigado e para ti também. Para nós, Raquel e eu, 2018 foi um verdadeiro annus horribilis🤬. Vamos esperar que 2019 seja menos mau o que não parece ser difícil.

      Muitos bjs e qjs do casal Ferreira🦁 que se vai preparando para partir para Goa

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  7. Sempre excelente a tua maneira de narrar qualquer episódio. Estes, ligados à infância são uma ternura…
    Que o ano de 2019 te traga tudo o que desejas.
    Um beijo.

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    1. Minha querida Gracinhamiga

      Feliz Ano Novo!

      Claro que com muita Poesia, nem podia deixar de desejar-te outra coisa, mesmo correndo o risco de... chover no molhado...

      E muito obrigado mais uma vez, mas desta vez pela primeira vez m 2019. (Ai tanta vez...😇)

      Muitos qjs deste teu grandíssimo admirador
      Henrique, o Leãozão🦁

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  8. Olá, HenriquAmigo!!

    Suponho que ainda andes a passear por Goa mais a tua querida Raquel. Daí, a tua ausência do meu/nosso blogobairro. :)
    Gosto de voltar à infância, pelo que escusado será dizer o quanto gostei deste teu regresso ao passado.
    Sabes que esses pirolitos, que nos mostras, são meus velhos conhecidos?!?! O meu Avô materno vendia-os, por alturas da feira anual de Serpa, lá no alpendre de nossa casa que dava para a estrada exterior da circunvalação - espero não estar a fazer confusão com a daqui do Porto - :) que ficava pertinho do Largo da Feira.
    Nunca mais vi tal coisa desde os meus onze anos...Ah que saudades!

    Bom Ano de 2019, com tudo o que vos fizer mais falta.

    Beijos e abraços.

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    1. Minha querida Janitamiga

      Lá vamos nós outra vez, mas ainda por cá, pois só seguimos para Goa no dia 20!✈ Não tenho andado tão ausente como isso tudo, tenho sim, estado bastante ocupado. E vou destapar aqui (porque tu o mereces, querida Amiga👩) um pouco do icebergue:

      Tenho andado a atar as pontas da saga do Frederico (que vai terminar no próximo episódio) para depois as reparar e por certo as tentar melhorar e mesmo refundir no tempão de que vou dispor em Goa. A finalidade é fazer sair se tiver saúde (o que é sempre o principal) vontade de trabalhar (???) e pachorra um novo livreco📗.

      O meu editor que é um gajo bué fixe está de acordo, o que é como o código postal: meio caminho andado...

      No que respeita às recordações da infância é um facto curioso: quanto mais velhos 👴vamos ficando mais nos lembramos de coisas que passámos quando éramos crianços.👶

      Tenho guardadas no meio das trapalhadas que sobrevivem na nossa arrecadação quatro garrafas de pirolitos com berlindes.

      Muitos bjs e qjs do casal Ferreira que gosta muito de ti

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  9. Olá, Henrique
    Não, não vou chamar-te "vendido" porque também eu gosto imenso de torrão de alicante.
    Gostei imenso deste teu conto - mais ainda por se tratar de uma história verídica. Perdeste o balão… ganhaste o torrão! Olha, até rimei! :)))))))))) Queres ver que o Ano Novo me trouxe veia poética?! Tenho que aproveitar, que há bastante tempo não escrevo poesia...

    Renovando os votos de um FELIZ 2019,
    desejo continuação de boa semana.
    Beijinhos
    MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS


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  10. Minha querida Mariazitamiga

    Juro pela minha virgindade (20 de Setembro de 1941...😇) que adorei esse teu rimalhanço!!!! Que para aproveitar o andamento também rima com desenrascanço...

    Nesta época a troca de desejos é fatal como o destino. Mas este 2019 não nos nasceu bem: a Raquel vai na sexta-feira, ou seja daqui a oito dias, pôr um Pacemaker no Hospital de Santa Maria.

    O Prof. Canas da Silva 👨‍⚕️que é uma autoridade em Cardiologia será quem a vai operar. Dizem que é o melhor em Portugal essa matéria por isso estamos sossegados, pois estamos bem entregues. E já disse à Raquel que poderemos ir tranquilamente para Goa.✈

    Muitos qjs deste teu amigo, admirador e ex-fadista
    Henrique, o Leãozão🦁

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  11. Agora muitos, muitos problemas em portugal da forma economica...nao economia, sopas dos pobres tudos dias...muito, muito mal! E muitas pessoas, com tu, nao quer saber dos verdades en nosso povo do portugal! Por que? Por que tiens medo os verdades?

    ler meu blog dos verdades por que seu muito, muito importante! Agora, em portugal, nao trabalhos e nossa economa e lixo...muito triste! Que vai fasser?

    Obrigado e beijos

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  12. Podia eliminar, mas como vivemos em Democracia e Liberdade e por isso respondo:

    1) Vai aprender a falar e escrever PORTUGUÊS que é a NOSSA língua e
    2) És um fdp - por extenso FILHO DA PUTA!


    Henrique Antunes Ferreira

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  13. Cheguei em boa altura. Deve andar por ai o torrão de alicante.
    Minha mãe adorava. como ela dizia sempre que ia a Espanha não podia faltar os caramelos e o Torró d'Alacant.
    Gostei de chegar aqui e de ler esta sua história.
    Como estamos na altura do Natal, vou espreitar mais um pouco, quem sabe não encontro, umas fatias douradas.
    Brisas doces *

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