2017-10-17


O mistério da escada
do Cintra

Antunes Ferreira
Corria Antunes Ferreira o ano de 1957 quando nasceu um pimpolho ao casal Sintra que vivia na Musgueira. Os pais, não sendo católicos praticantes, decidiram batiza-lo. A cerimónia ocorreu na igreja de São João. Aquando da água benta, todos os assistentes, excluindo naturalmente o neófilo, deram-se conta de alguma indecisão do prior da paróquia. Adiante.


Pia baptismal


Como era habitual, o registo religioso decorreu na sacristia e aí se deram conta os presentes que o digno sacerdote  teria abusado do vinho de missa. Eu bem dia que ali havia coisa segredo na coisa, sussurrou a Hermínia peixeira na praça da Ribeira ao ouvido da Irene vendedora de roupas num estabelecimento da Baixa que a mandou calar.

Desta feita foi o sacristão Maurício que procedeu ao registo. Ora Maurício tinha apenas a segunda classe sem qualquer especialidade, e ali começou a saga do nome do crianço. Pais e padrinhos apuseram o dedo na página por ambos serem analfabrutos; o puto nada apôs, apenas berrava como uma vitela desmamada. O nome escolhido era Xavier Carvalho Sintra.

E o sacristão, cuidadosamente para não haver rasuras no documento, escrevinhou Chavier Cravalho Cinta. E foi um par por um olho, podia ser pior quanto ao primeiro apelido que podia ter originado comentários mês conformes aos bons costumes. Ele há coisas que por aí correm e o que não faltam são maliciosas

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Esticadores para os colarinhos
      

Aos seis anos via-se que o gaiato tinha queda para os negócios: vendia esticadores para os colarinhos e atacadores para sapatos e botas, na esquina dos Restauradores com a rua do Regedor. Um ano depois era ardina, etc. Faz o autor um hiato para não cansar os leitores (ainda os haverá?) Assim vamos encontra-lo como grume no hotel Avis onde vivia o Senhor Gulbenkian. Tinha 15 aninhos.

Aconteceu que o doutor Perdigão achou piada ao gajo e levou-o para a Fundação que entretanto fora criada. Chavier com ch decidiu pelo estudo nocturno na Veiga Beirão donde passou para o Instituto Comercial e para o Instituto Superior de Enconomia e Finanças; terminou com um 16, uma nota excelente. Era doutor.

Um império multiempresarial 

Entretanto disse adeus ao presidente e abriu um escritório próprio para assuntos do seu ramo. Depois foi papelaria e mais umas quantas, transportes de toda a espécie, hotéis e restaurantes, turismo e quejandos. Em suma, milionatizou. Construiu um império multiempresarial.

Vai daí casou com a Maria Alzira Silva que para não destoar tirou as Novas Oportunidades. Ainda foi para a faculdade, mas no segundo ano desistiu. Estava farta de compêndios e livros. Tiveram dois filhos e uma filha, malta fixe, cena porreira. Do andar nas Avenidas Novas passaram para uma moradia,
Moradia Chavier
na Alta de Lisboa, três andares, a cave ginásio fitness duas piscinas, uma com água quente para o Inverno, sauna e minudências diversas e outras vivendas uma na Aroeira, outra no Algarve. Estava como queria.

Todos os milionários têm uma ou mais gajas. Obviamente o Senhor Doutor Chavier com ch tinha uma a Lurdes, Luluzinha, a quem pôs um andar de cinco assoalhas no Restelo e outras mordomias consentâneas com o seu estatuto. Visitava-a todas as quartas e sextas pois tinha horário nocturno por mor do muito trabalho. A Alzira que no entretanto passara a ser a Senhora Doutora Dona Alzira, que não acreditava nem um biquinho nas justificações do querido esposo, também arranjou um namorido que era o jardineiro dos jardins do palacete e por singular coincidência se chamava Xavier mas com x e sempre ficava mais à mão de semear. Uma felicidade perene.

Dois degraus da escadaria


Mas, inopinadamente aconteceu um drama, uma grande chatice, não há rosas sem espinhos. Quando ia a entrar no seu Rolls Royce para ir para o escritório, o mordomo Serafim veio comunicar ao Senhor doutor Chavier com ch que durante a noite, sem ninguém dar conta e com o alarme desligado  tinham desaparecido dois degraus da escadaria em lioz mais branco e puro que dava do rés-do-chão ao terceiro andar. Porra! Que merda vem a ser esta, tantos cuidados e ninguém dá conta desta sacanice. Se apanho o filho da puta agarro-o pelos colhões e adjacente e dou-lhe uma carga de porrada, que o fodo! Se me der na veneta até o capo!  

O Senhor Doutor Chavier com ch era adepto da trampa, ops, do Trump e para acrescentar, quando jovem tinha andado pelo Cais do Sodré com elas, como as iscas e pelo Intendente e pela feira popular, ó jeitoso dá (-e) um tiririnho, por vezes lembrava-se do linguajar mais desbocado. Porém o pior ainda estava para vir. Três noites depois tinham-se sumido mais quatro degraus: Pêjota ao barulho.

Com a águia vitória II


Esta descobriu que o bandalho que roubava os degraus era o Xavier com x que era benfiquista dos que até cantam as papoilas saltitantes do falecido Piçarra. Andava a juntar os degraus em lioz para substituir na estátua do Marquês este com o leão pelo Orelhas com a águia. Se fosse a águia II tudo bem; mas o emblema do Benfas, vá lá, também servia.

Pelo contrário o Senhor doutor Chavier com ch era lagarto, lagarto, lagarto. Podia perdoar os devaneios da Senha Doutora Dona Alzira – e perdoou; mas ao pulha que tem na alma a chama imensa (Ver nota anterior) nem pensar! E tudo acabou em bem salvo para o ex jardineiro: o Xavier com x foi à vida, seguiu para o presídio. O que o autor não sabe se - como se passou com o Sócrates, - foi ao Pinheiro da Cruz


NOTAS
A Este textículo não tem nada que ver com «O mistério da estrada de Sintra» da autoria dos Senhores Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão. Se assim fora, isso significava que o autor era uma besta quadrada
B Muito menos tem qualquer malévola intenção de se pensar que tem semelhança com o ex rei das Águas e x presidente do Sporting clube de Portugal (SCP).
C De repente, sem saber porquê estava o autor no domingo passado refastela no sofá preferido assistindo às aventuras do Morse e deu por si com vontade de voltar a escrever. Parece, portanto que vou melhorando da maldita bipolar. Creio que o escrito acima origina um pedido de desculpas aos que há quase um ano não se esqueceram dele



Malditos fogos!
O autor tem obrigatoriamente de se referir aos catastróficos incêndios que já causaram muitas vidas, localidades perdidas e instalações industriais e comerciais. A todos aqui fica registada a minha solidariedade que se dirigem a todos que têm combatido essa calamidade.